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Dos grilos

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A caça ao grilo é uma especialidade venatória, um tipo de caça grossa, a seu modo. Exige perícia, adestramento. Muita sensibilidade, delicadeza. E longo trabalho de campo. Tal como para fera de África, esta valência cinegética dispensa licença, ao contrário da banal caça à perdiz, ao coelho, ou da pesca à linha, no paredão.

A abordagem da peça faz-se ouvindo, com ventos contrários, pés a levitar. A acção decorre no tempo quente, que, no frio, enrouquecidos, os grilos migram para o ventre terrestre, em busca do calor do magma. E ressuscitam na época canora.

Misteriosamente.

O canto é a suprema qualidade do espécime. Na Natureza, abundam outros cantores: ralos, cigarras, camponeses na ceifa. E, modalidade luminosa, os pirilampos. Os grilos canoros têm dois rabos; com três tornam-se ensimesmados, melancólicos, não cantam: chamam-lhes grilas. Também pútegas e outras aleivosias.

Quando albinos, dizem-nos grilos brasileiros. Todas estas espécies escavam entre a erva uma toca, bastante redonda, de pequeno calibre.

Para o exercício cinegético, utiliza-se uma haste vegetal, que, depenada das derivações, se transforma na arma poética usada pelo caçador à porta da lura, cócegas delicadas, tal qual mãos apaixonadas no ouvido da namorada. Até ao êxito ou fracasso da abordagem. Como no amor.

Desafio de monta para qualquer um, aos sete anos de idade. Às vezes, menos.

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13/07/2023

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Augusto Baptista

Natural de Oliveira de Azeméis, jornalista, cruza escritas: texto, fotografia, desenho. Tem livros publicados e realizou exposições (fotografia, desenho). Da direcção da Cena Lusófona e da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto.

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