Caro Edgar Morin,
O postal que lhe envio, endereçado num autocolante amarelo, vulgo “post it”, é muito simples e foi inspirado na capa da edição italiana do seu livro mais recente (“Changeons de voie: Les leçons du coronavirus”, no original, em Francês), obra escrita de parceria com Sabah Abouessalam, cuja tradução em Português estará para muito breve.
Tal como na capa da versão italiana desta sua obra (“Cambiamo Strada”), aquela imagem de uma nova linha férrea, a sair da linha já existente, sugere a necessidade da mudança de rumo que estes tempos de pandemia estão claramente a indicar.
Em Itália durante toda a semana passada, sem deixar o velho hábito de folhear, todos os dias, jornais em papel, li no la Repubblica de 1 de Outubro, se a memória não me falha, a entrevista que lhes concedeu em Paris a propósito do lançamento do “Cambiamo Strada”.
O senhor, na invejável lucidez dos seus 99 anos, disse, quando interrogado sobre a novidade que esta pandemia traz, relativamente a tantas outras que a Humanidade já suportou, o senhor identificou essa sensação de que o Mundo de amanhã não voltará a ser o Mundo que conhecíamos.
Também falou na assustadora impotência da Ciência face a este vírus e disse que, diferentemente das religiões, a Ciência, como a Política, vive de permanentes incertezas e acalorados debates. Ouso dizer, pelo que também li na Imprensa italiana da semana passada relativamente aos escândalos no Vaticano, que as religiões também estão a perder a infalibilidade perseguida.
Ou será, como aprendi de um velho e querido amigo meu, que só é permitido duvidar da existência de Deus ao nível dos cardeais?
Respeitosamente,
Júlio Roldão
(a aguardar a versão portuguesa das suas lições do coronavirus)