Querido Jorge,

Numa das minhas públicas confissões sobre os inomináveis outros eus, publicada quase clandestinamente numa espécie de catálogo de uma imaginária exposição de pintura (Sépia Azul I, edição de 2011), assumi que também roubo algo de ti quando, parafraseando um poeta, me identifico como sendo qualquer coisa de intermédio entre mim e os Outros.

Nestes Outros referi, por exemplo, o Fernando Gusmão que me escolheu para menino soldado na peça “O Asno” e o Julio Castronuovo que me escolheu para ser o soldado Woyzeck na peça homónima, dois dos encenadores que me dirigiram como actor no Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra.

Referi também o João Seiça Neves e todos os companheiros da minha República ( a da Matulónia), o escritor Joaquim Namorado e mais dois encenadores, Adolfo Gutkin e José de Oliveira Barata, todos eles antes de ter aceitado o teu desafio para entrar na minha grande aventura dos jornais.

Costumas dizer, com enorme generosidade, que levaste para o jornalismo alguém que poderia ter sido um advogado bem sucedido. Isso está por provar. Julgo mesmo que teria trocado qualquer saída profissional que o Direito me desse por trabalho em Teatro, na impossibilidade de me tornar pianista como cheguei a sonhar.

Independentemente de todas estas possibilidades, a verdade é que gostei de ter sido jornalista e isso devo-o a ti.

Na verdade ainda o sou, mesmo não escrevendo nos chamados “linguados”, as folhas de papel semelhantes à que transformei na ilustração deste postal, relíquias de um tempo em que os jornais, em papel, cheiravam a tinta e precisavam de jornalistas e tipógrafos. E tinham legendas em corpo 12, caixa alta e caixa baixa, ou seja maiúsculas e minúsculas na gíria das tipografias.

Claro que tudo muda, incluindo a Imprensa. Prova disto é este sinalAberto.pt que publica estes meus postais e muita outra informação. Este sinal aberto no ciberespaço, herdeiro de todos os jornais que já se publicaram. Muito mais frio do que o frio offset que eliminou as tipografias do chumbo quente, mas jornalismo com todas as boas práticas que este sempre deve ter.

Como tu sempre defendeste e continuas a defender.

Obrigado por me teres trazido para esta aventura dos jornais.

Júlio Roldão

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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