Querida Joana País de Brito,
Quando se deu o 25 de Abril eu tinha 20 anos, andava a estudar Direito em Coimbra mas sonhava tornar-me actor ou dedicar-me a qualquer outra actividade ligada ao Teatro.
Há 46 anos, quando o Movimento das Forças Armadas (MFA) derrubou a ditadura de 48 anos que retardou Portugal de 1926 a 1974, eu vivia com medo do que poderia acontecer quando e se fosse mobilizado para a Guerra Colonial e era tão indefeso quanto hoje é a minha memória e este recente medo de viver instalado neste ano de 2020.
Sonhava, como já disse, poder trabalhar em Teatro mas não tinha coragem para escolher um caminho, então como ainda agora, cheio de inseguranças profissionais. No rescaldo, nem Teatro nem Direito – jornalista, fiz-me, ou fizeram de mim, jornalista e assim me assalariei durante mais de três décadas que começaram em 1977.
Quando o 25 de Abril chegou, chamavam-me Roldeck (por ter feito, em 1972, o Woyzeck, no Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra – TEUC) e eu acabara de participar num pequeno curso sobre teatro para a infância e para a juventude, ministrado por Catherine Dasté.
Antes de me tentar pelo Jornalismo, integrei o grupo que ergueu a peça de agitprop “Portugal com P de Povo” (encenada por José de Oliveira Barata) e vesti-me de ilusionista Frank Cartucci numa caricatura política do embaixador que os Estados Unidos da América, no tempo do Kissinger, enviaram para ver como as coisas corriam em Lisboa. Nem assim ganhei coragem para optar pelo Teatro.
À data, ainda não dizia, como hoje digo, que devemos sempre muito e até temos uma eterna dívida de gratidão a quem, num ou noutro momento, nos faz pensar e também rir, sorrir ou chorar. Uma dívida para com todos aqueles que escolhem o Teatro e outras artes performativas e do espetáculo como um serviço a prestar aos outros.
Um serviço e uma militância cívica que, no caso de Portugal, também contribuiu para alcançar parte do que já conseguimos; água canalizada e luz eléctrica na quase totalidade das casas; férias pagas, décimo terceiro e décimo quarto mês para quem trabalha por conta de outrém e o faz sob a proteção dos direitos já consagrados; um ordenado mínimo; um Serviço Nacional de Saúde; ou uma escola pública para todos.
Foi também isto, julgo eu, o que a Joana País de Brito disse numa conversa com o Rui Unas que ontem, por acaso, apanhei num ficheiro – Maluco Beleza- que está na Internet. Uma conversa muito agradável de seguir que justifica este meu postal de agradecimento, por sinal escrito no verso de um cartazete do TEUC para uma peça de teatro para crianças – o meu primeiro trabalho como amador de Teatro.
Obrigado por ter optado pelo Teatro.
Este seu admirador,
Júlio Roldão.