Querida Sónia Lacerda,
Alguém que disse ser colaboradora de Annie Leibovitz telefonou-me a sugerir que eu manifeste interesse em ser fotografado pela própria Leibovitz. Como calcula, a minha surpresa não poderia ser maior: ser fotografado por quem fotografou o John Lennon, todo nu, agarrado a Yoko Ono não é para qualquer um. Imaginei-me logo também nu mas forrado com páginas de jornais, num cenário idêntico ao que dona Annie criou para fotografar o pintor Keith Haring.
Na verdade, querida Sónia, não sei se esse telefonema aconteceu ou se o terei sonhado. Sei que, a propósito dele, pensei em si. Lembrando-me de uma conversa que tivemos no Ritz de Lisboa, durante a qual a Sónia admitiu a possibilidade de vir a filmar um documentário sobre a minha vida. Já não sei em que ano foi. E como esse documentário me agradaria muito mais do que ser fotografado pela Annie Leibovitz, disse à senhora que me telefonou que agradecia a sugestão mas não estava interessado.
Voltando ao documentário, aproveito para dizer que gostaria que algumas cenas fossem filmadas em alguns hotéis da minha predilecção. Por exemplo no Ritz de Lisboa, hoje Four Seasons. Até o Gulbenkian, se não tivesse morrido quatro anos antes da inauguração do Ritz, equacionaria a possibilidade de deixar o Aviz para morar num hotel decorado com obras de Almada Negreiros, de Lagoa Henriques, de Sara Afonso, de Carlos Botelho. Irresistível para um coleccionador com o dinheiro que ele tinha.
Isto sem esquecer que o Aviz era, no tempo em que o Gulbenkian lá morou, o melhor hotel de Lisboa e um dos hotéis de referência no Mundo, por onde passaram Eva Perón, Maria Callas, Frank Sinatra. Depois inauguraram o Ritz. Talvez para mostrar que Lisboa era uma cidade cosmopolita, apesar do regime de Salazar. O que conseguiram também à custa dos artistas ali representados – a tapeçaria Olisipo, de Lino António, na escada de acesso à mezzanine do primeiro andar, é um poema, sem esquecer os “centauros” do Almada.
Não sei se sabe, mas eu tenho um projecto literário que passa pela publicação de uma série de cartas. Quem diz cartas diz postais e, nesta liberdade, conto até incluir este mesmo postal que estou a enviar-lhe. Sempre gostei de narrativas epistolares e pretendo reunir algumas sob o genérico título de “Em Papel Timbrado de Hotéis Antigos”. Não sei quando conseguirei concretizar esse projecto mas espero que seja em breve
Entretanto envio-lhe uma das minhas paráfrases da tapeçaria Olisipo, de António Lino, aquele “poema” que eu mais invejo da colecção de artes plásticas do lisboeta Hotel Ritz. Uma lembrança do hotel para que não se esqueça do tal documentário prometido.
Um beijinho do
Júlio Roldão