Cara Rute Dixo

Com estes apertados confinamentos, passo fins-de-semana a devorar séries de televisão. A de ontem foi a primeira temporada de uma mini série de cinco episódios inspirada no ladrão que eu não me importava de ser – Arsene Lupin.

Uma das minhas mais antigas fantasias é a vontade de roubar uma obra prima da pintura. Adoraria “desviar’ para minha casa um óleo sobre tela que se encontra no Art Institute of Chicago – Nighthawks (“Fauna da Noite”), uma pintura de Edward Hopper que retrata pessoas sentadas num bar envidraçado que faz gaveto entre duas ruas.

Calculo que um ladrão de quadros famosos não os possa exibir às claras, mas gosto tanto desse quadro de Edward Hopper que o exporia em casa como sendo uma assumida falsificação, uma cópia académica ou algo que o valha.

É quase um atrevimento dirigir a si um postal aberto com uma confissão destas. A doutora, que nasceu num ambiente de arte, tem assumido, profissionalmente, um enorme empenho no combate às falsificações artísticas. Vi, na portuense Cooperativa Árvore, a exposição “O Falso na Pintura”, de que foi curadora, e sei, por amigos comuns, que está empenhada em descobrir o paradeiro de quadros de artistas portugueses que marcavam alguns cafés da cidade do Porto, obras que foram entretanto substituídas por cópias sem que se saiba do paradeiro dos originais.

Um dos quadros desaparecidos será da autoria de seu pai, João Dixo, e estava num café de referência na zona do Pinheiro Manso. O original terá sido substituído por uma cópia, como aliás terá acontecido a outras obras de outros artistas plásticos existentes em cafés da cidade do Porto. Também dizem que a Gioconda em exposição no Louvre será uma cópia… A Guernica que está em Madrid, no Rainha Sofia, é que é, seguramente, a original. Desde logo pela dimensão do quadro.

Neste tempo de “Fake News” e outros boatos, o tema do falso na pintura também deve merecer a nossa atenção. Digo eu, que até já fui ghostwriter, distinguindo uma “paráfrase artística” de uma falsificação. Inaceitável é expor uma cópia de um quadro de um artista fingindo ser o original. Isto é uma falsificação, muito diferente do que chamarei de “paráfrase artística”, uma assumida recriação de uma obra de outro.

Grosseiramente, qualquer coisa como o postal que lhe envio e sobre o qual colei o “post it” a endereçar-lhe o próprio postal – é uma “paráfrase” minha sobre um quadro do seu pai que vi, uma única vez, na casa da Praceta de São Sebastião, em Coimbra, e guardei, para sempre, na memória. 

Não sei se é um óleo ou se é um acrílico sobre tela ou sobre qualquer outro suporte. Sei que é um quadro de generosas dimensões (maiores do que as do Nighthawks de Edward Hopper) que se inicia a preto e termina a branco sem que se note a transição da ausência da cor para a soma de todas as cores, o que não acontece no postal paráfrase que lhe envio.

Um postal que é uma homenagem minha ao seu pai, um artista que admirava e admiro.

Júlio Roldão

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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