Meu caro Dick

Descobri, ocasionalmente, que somos ambos sagitarianos nascidos a 20 de Dezembro sob o fogo que marca o nosso signo. Eu, seu declarado admirador, no dia em que o Dick completou sete anos, já lá vão algumas dezenas.

Sou, como já confessei, seu admirador seguindo algumas das séries de televisão que vai produzindo e que já lhe valeram um Emmy e bons rendimentos – a criação intelectual e o conhecimento devem ser, com justiça, bem recompensados.

Lembrei-me de si depois de reler uma novela de ficção científica dos anos 60 – “Que difícil é ser Deus” -, uma obra famosa dos irmãos Strugatski, dois russos de São Petersburgo que escreveram obras primas deste género literário.

A acção de “Que difícil é ser Deus” decorre num planeta longínquo habitado por seres idênticos aos humanos mas que ainda se encontram numa fase de desenvolvimento semelhante à que a Terra viveu durante a Idade Média.

A Terra, num estádio de desenvolvimento muito superior, enviou para aquele planeta uma série de observadores com a missão de observar os fenómenos sociais ali existentes mas sem autorização para intervir no dia a dia do planeta.

Um desses observadores – o protagonista desta novela dos irmãos Strugatski – não consegue manter a neutralidade quando testemunha o perigo que correm seres mais evoluídos que são perseguidos pelo obscurantismo medieval.

No planeta (não tão longínquo quanto suposto) há perseguição sistemática ao conhecimento, prevalece a ignorância, há negação do que está cientificamente mais do que comprovado e, no entanto, preconiza-se neutralidade relativamente a isto tudo – nada mais actual.

Um tema que o Dick Wolf bem podia desenvolver numa das suas séries televisivas… Anseio por seguir um seriado seu que já inclua este momento pandémico que vivemos e o renascimento de soluções políticas messiánicas que conduzem aos piores totalitarismos.

Aí, nos Estados Unidos da América, o seu país, mas também na Europa e noutros continentes deste Mundo dividido por fossos cada vez maiores e por linhas de fronteiras que até separam, impiedosamente, pessoas das mesmas famílias.

A sua criatividade como intelectual transformador que deita cartas no mundo do entretenimento audiovisual é, nos dias que correm, necessária e urgente – precisamos que mostre o perigo que a civilização corre.

Conto consigo, meu caro escritor e guionista de policiais inesquecíveis.

Seu admirador

Júlio Roldão

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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