Querido Joka

Que falta fazem as “sanjoquinas”, ou seja, aquela sagração da amizade que celebras na tua casa de Arcos, com uma regularidade muito próxima à das festas dos chamados santos populares – Sant’Antonio di Padova ou de Lisboa, São João do Porto, São Pedro da Póvoa de Varzim…

Agora sabemos como é importante ter amigos e como é importante cultivar essas amizades. Agora sabemos que os amigos são sempre a melhor prenda do Natal, do Carnaval, da Páscoa, das férias de Verão e até do tempo das vindimas ou da apanha da azeitona.

Seja lá em que linha de fogo nos posicionamos – “Si me quieres escribir, // ya sabes mi paradero: //  en el frente de batalla, // primera línea de fuego”. Lembras-te desta canção da Guerra Civil de Espanha que o nosso querido e saudoso João Seiça Neves gostava tanto de cantar?

Esperemos que estas canções não voltem a ser cantadas em cenários como aqueles onde nasceram… Este vírus da Covid’19 está a acordar outros vírus bem letais que, erradamente, julgávamos erradicados mas afinal estavam apenas e só “adormecidos”.

Como ainda há uma semana dizia, a desejada consciência social não se impõe e as liberdades cívicas de que nos orgulhamos podem deixar de ser bandeiras colectivas se não houver melhorias concretas para todas as pessoas, principalmente para os mais carecidos.

Voltando a lembrar-me da Guerra Civil de Espanha, quero agora citar A “Alocução ao Povo da Aldeia de Fuente Vaqueros” feita por Federico Garcia Lorca, poeta maior que os nacionalistas assassinaram só pelo ódio que votavam a todos aqueles que ousavam ser e pensar diferente.

(…) “Nem só de pão vive o homem. Eu, se tivesse fome e estivesse desvalido na rua, não pediria um pão; pediria meio pão e um livro. (…). Está bem que os homens comam, mas que todos os homens tenham saber”, recomendou o poeta  sem que a recomendação tivesse grande efeito.

O culto da ignorância e de muitas manifestações humanas que lhe estão associadas tem vindo a ganhar um espaço tão injustificado quanto perigoso. Confesso que isto me assusta, o que torna ainda mais urgente que possamos voltar a estar juntos para melhor afugentarmos os medos.

Sabes, tão bem como eu, a falta que fazem as “sanjoquinas”. Não estou a dizer-te nada de novo. O postal de hoje é apenas um pretexto para te enviar um postal. Um postal que não mata a saudade que temos em poder estar juntos. Com os sonhos iniciados nos nossos 20 anos.

Teu indefectível

Júlio Roldão

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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