Caro Orlando Dias Agudo

Há dias, quando passou o Dia da Rádio, lembrei-me de ti, meu querido primo. Na minha adolescência, tu eras um primo com aparência de tio – estavas mais próximo da idade do meu pai, teu tio, do que da minha idade e já eras profissional da rádio quando eu ainda era menino.

À data, um dos teus programas, numa estação de rádio de Lisboa – o Rádio Clube Português, se bem me lembro -, programa que eu ouvia com indisfarçável orgulho por ser teu primo, era o para mim inesquecível “Domingo à Tarde”. 

Um dia, estando de passagem em Lisboa na casa dos teus pais, em Braço de Prata, onde ainda vivias, levaste-me ao estúdio da rádio onde preparavam o “Domingo à Tarde”. Lembro-me que tinhas como convidada, para o “Domingo” que estavas a editar, a actriz Carmen Dolores.

Quando ela, há dias, partiu para o Oriente Eterno voltei a lembrar-me desse “Domingo à Tarde” reconhecendo que essa tua emissão foi muito importante para eu manter, desde então, uma grande admiração por Carmen Dolores. Quem sabe se a minha passagem pelo teatro universitário não terá sido, em parte, também marcada pela pelo diálogo desse “Domingo”.

Anos mais tarde, sendo eu já jornalista com responsabilidades editoriais no Jornal de Notícias, criei na então chamada secção do Nacional (a clássica Sociedade) um espaço de crónica, que alimentei durante semanas, a que dei o nome, nada original, de “Crónica de Domingo”.

Esta tradição das aguareláveis edições dominicais vem de longe e tem sido seguida até por jornais operários, como o desaparecido “The Daily Worker” que chegou a publicar, numa primeira página de um domingo, a fotografia de Sherley Temple, a menina que fazia no cinema a alegria dos americanos. Desafiando, como se adivinha, quem defendia que a Imprensa operária só seria digna desse nome se trouxesse, permanentemente e em exclusivo, a luta de classes na primeira página. 

As edições dominicais dos jornais que se editam em papel eram (e ainda são em alguns títulos de algumas paragens) edições melhoradas, com vários suplementos. O meu pai só comprava o Jornal – o também desaparecido “O Primeiro de Janeiro” – ao domingo e eu tenho tantas saudades da tira, em banda desenhada, do Reizinho e do folhetim, também em BD, do “Coração de Julieta”.

Comparável a isto, só mesmo a magia da rádio, essa permanente companhia de todos os confinamentos, quando é feita com todo um cuidado que se assemelha aos cuidados de uma oficina de poesia. Oficina de Poesia, um belo título para um belo e não necessariamente dedicado à Poesia programa de rádio.

Mas de rádio sabes tu, melhor do que eu. Grande abraço. Fica bem.

O teu primo

Júlio Roldão

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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