Querida Graça Barbosa Ribeiro

Há dias, em Coimbra, quando lhe fui entregar aquela aguarela da Estação de São Bento que ilustra este postal, demos, como a Graça disse, “um abraço de olhos”. Aconteceu na Rua de Paulo Quintela e foi o meu primeiro “abraço de olhos”. Eu nem conhecia a expressão que, reconheço, traduz bem os novos abraços. Ou melhor, esses abraços, muito menos novos do que podemos pensar –  ao tempo que sabemos cantar aqueles versos populares que enaltecem uma linda troca de olhos que foi feita agora ali.

Considerando a data de lançamento do livro que reuniu memórias sobre oito “Espaços Perdidos” de Coimbra – Dezembro de 2008 -, nós já nos conhecemos há quase 13 anos. A Graça escreveu sobre o Café Arcádia e eu sobre a cooperativa Clepsidra. Julgo que até estivemos juntos numa tertúlia de apresentação desta obra, organizada pela companhia de teatro Escola da Noite, que teve lugar no conimbricense Teatro da Cerca de São Bernardo.

Jornalistas, atrevo-me a pensar que pertencemos ambos àquela fauna que gosta de começar a noite a conversar, gente que recusa substituir o café-teatro por espaços onde a regra é a do atordoamento pelo som e pela luz. Julgo que nos reconhecemos assim, no breve e rápido olhar que trocamos há uns dias em Coimbra, num reconhecimento muito semelhante ao que os primeiros cristãos ensaiavam quando viviam, clandestinos, no Império Romano.

Também julgo que teremos em comum uma incómoda desconfiança sobre a missão de certos meios de comunicação social de massas e de alguns governos, uns e outros a transformar-se em brigadas de aclamação e apoio dos mercados financeiros onde a ortodoxia liberal está a tornar-se totalitária. Num mundo onde crescem ideias a defender que o Estado Providência, os sindicatos ou até mesmo o povo são manifestações de não modernidade. E num Mundo onde os discursos da libertação deixaram de estar nos órgãos de comunicação de massas, nomeadamente nos jornais. 

Tudo isto, querida Graça, apesar da profissão de jornalista continuar a poder ser atractiva mesmo quando exercida como legítima militância cívica. Principalmente se exercida como militância cívica. Alguns jornais já foram, nos anos 50 do século passado, instrumentos para a alfabetização das populações. Agora poderiam e deveriam combater a desinformação instalada. Para isso precisam de jornalistas empenhados, bem formados e apaixonados por esta profissão. Não é fácil, eu sei, e sei que Graça também sabe destas dificuldades.

Desculpe lá este desabafo, olhos nos olhos.

Júlio Roldão

(a seus olhos um aguarelista)

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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