Querida Mena

Permita-me que comece por lhe dizer o quanto adorei o seu mais recente programa na RTP1, o “Programa cautelar” estreado no sábado passado – superou as minhas expectativas que eram, à partida e naturalmente, altas, além de ser um programa muito divertido e oportuno.

Comecei a segui-la no “5 para a meia noite”, outro espaço da RTP1 que muito aprecio, programa onde a Mena também evidenciou o enorme talento que possui como comunicadora, e desde então qualquer programa a que esteja ligada é, para mim, muito promissor.

Acresce que o combate à desinformação – tema do primeiro episódio deste seu novo programa – é também um combate que me mobiliza, desde que integrei uma equipa de jornalistas que desenvolvem acções em defesa da verdade na comunicação, com a chancela da Associação Portuguesa de Imprensa (API) e parcerias várias, entre as quais a unidade de missão Portugal Inovação Social.

Sem a força que um programa de televisão pode ter, nós defendemos aquela máxima do The New York Times segundo a qual a verdade importa. Na prática, realçamos, junto de públicos mais vulneráveis, a importância das fontes de confiança na comunicação social e sinalizamos situações que podem indiciar a presença de uma mentira – se for estranha, se surgir do nada sem ser confirmada por uma televisão, uma rádio ou um jornal reconhecidos é muito provável que seja um boato.

Foi pois muito bom receber do seu “programa cautelar” ( que nome tão bem escolhido! ) alguma força para esta difícil batalha da luta contra a desinformação. A propósito, deixe-me recordar-lhe que, há dias, a Companhia de Teatro do Noroeste representou, na 44.a edição do Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), a peça de Guilherme Heras Toledo “Rottweiller”, um texto de 2005 que também aborda este tema da desinformação, vulgo, “fake news”.

Quando as “fake news” já são tema de textos teatrais, prova-se que este fenómeno não pode ser ignorado e muito menos num país, como Portugal, que suportou a primeira onda da revolução do audiovisual, nos inícios dos anos 70, ainda antes do 25 de Abril, sem que houvesse uma cultura bibliográfica sólida, ou seja, sem que a população tivesse hábitos de leitura enraízados, tendo enfrentado a segunda grande onda do audiovisual, que corresponde ao aparecimento da Internet e à descoberta do ciberespaço, sem ter superado a primeira.

Outro aspecto muito positivo do mais recente programa televisivo a que está ligada é o facto dele provar que a televisão não precisa de emitir lixo para ser popular e para ter audiências. Ė mais difícil, não figurará em primeiro lugar nos rankings de audiências, mas é possível como a equipa de que a Mena é cabeça de cartaz está a provar. É possível e é desejável.

Inspirado no testemunho que o presidente Marcelo Rebelo de Sousa lhe concedeu e sem querer, sapateiro, ir além da chinela, termino, citando dois versos que defendem como maior dignidade humana o esforço para poupar humilhação aos outros. O combate à desinformação e a outros flagelos como o racismo, já anunciado como um dos temas do seu “programa cautelar”, estão nessa linha. Obrigado pela sua militância cívica.

seu admirador

Júlio Roldão

Siga-nos:
fb-share-icon

Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

Outros artigos

Share
Instagram