Meu caro Bastien,
Admiro a sua coragem. Fazer ressuscitar o marinheiro Corto Maltese, filho querido de Hugo Pratt, aparecido, pela primeira vez em 1967, a cantar a “Balada do Mar Salgado”, não é para todos.
Contemporâneo de Rasputin, do jornalista e escritor Jack London bem como de Butch Cassidy e Sundance Kid, dois bandidos norte americanos que se refugiaram na Patagônia para escapar à extradição, Corto Malteses foi também grande amigo de James Joyce com quem conviveu em Trieste. Não é fácil fazê-lo ressuscitar.
Eu sei que o Bastien apenas lhe soprará o corpo. Mas não é coisa pouca encontrar os traços com que Hugo Pratt lhe deu vida. Esses traços também fazem parte da alma de Corto Maltese, marinheiro de muitos mares e de tantas universidades no sentido que Gorki lhe dava.
Corto, estando em Rhodes, na Grécia, em 1921, há cem anos, iniciará aí a Rota da Seda, até Samarcanda. Regressa agora, de telemóvel e num mundo que já se habituou às ameaças que nasceram com o ataque às Torres Gémeas de 11 de Setembro de 2001. Faz esta semana 20 anos.
Aparentando, nas palavras de Hugo Pratt, algum cinismo, algum individualismo e egocentrismo, Corto Maltese é, no entanto, muito leal e solidário. Estes traços fazem parte do encanto deste herói, o que torna mais difícil cloná-lo. Digo eu que também gostaria de o clonar.
Como é que se desenha a ironia (outro traço de Corto) meu caro Bastien? E manterá, Corto, o brinco de ouro na orelha esquerda, sinal de ter atravessado o Cabo Horn? Estou mortinho por ver como o ressuscitou. E cheio de inveja.
Fico-me por aqui. À espera de ver o novo Corto Maltese, herói sem idade, agora já com telemóvel e tudo. O seu Corto Maltese,
Júlio Roldão