Cara Graça Pinto,

Ontem fui ao Teatro Sá da Bandeira, no Porto, assistir ao espectáculo da companhia de dança que a Graça Pinto dirige. Já tinha saudades de entrar num teatro. Matei-as ontem no espectáculo que a Sabor Latino levou ao Sá da Bandeira.

E quando cheguei a casa fui reler a carta que Vinícius de Moraes escreveu a Tom Jobim, o texto com que abriram o espectáculo – “Estou aqui num quarto de hotel que dá para uma praça que dá para toda a solidão do mundo”.

Não poder ir ao teatro também foi suportar uma enorme solidão. Ainda há dias, numa entrevista com Jorge Pinto e Emília Silvestre, os actores que dirigem a Companhia de Teatro Ensemble, lembrei que Churchill recusou encerrar os teatros durante os bombardeamentos nazis a Londres. Resistir passava por manter o estilo de vida que não renuncia a frequentar teatros e tudo o resto que com isto condiz. Espectáculos de dança incluídos.

Voltando ao de ontem, devo confessar-lhe que a coreografia inicial casa muito bem com aquele poema de Alexandre O’neill que Amália Rodrigues  imortalizou – “Se uma gaivota viesse / trazer-me o céu de Lisboa / no desenho que fizesse, / nesse céu onde o olhar / é uma asa que não voa, / esmorece e cai no mar. // Que perfeito coração (…)”

Afinal o fado também se dança. Dizia-se que o fado era uma canção triste que não se dançava, mas o fado pode dançar-se, tal como o tango. Pelo menos pode coreografar-se, como o espectáculo que a Sabor Latino apresentou ontem no portuense Teatro Sá da Bandeira comprovou. 

Num palco já pisado por Amélia Rey Colaço ou Palmira Bastos, para citar apenas dois nomes famosos, num palco vocacionado para espectáculos populares como o são as revistas à portuguesa ou as comédias de autor, num palco assim fica bem uma noite de danças latinas, onde não falte o Guantanamera de Compay Segundo ou o Hasta Siempre de Nathalie Cardone, a popular canção cubana que é um hino ao comandante Che Guevara. Até gente que não simpatiza com Che Guevara fica rendida à canção.

Eu sei que este espectáculo da Sabor Latino é um espectáculo essencialmente desenvolvido pela companhia profissional da Sabor Latino (companhia que integra muitos dos professores da escola de dança) com a participação de alunos o que, em parte, determina o público alvo – familiares e amigos dos alunos -, um público que também é muito especial.

À minha frente, numa cadeira de orquestra, alguém mantinha, em caracteres bem visíveis, um diálogo via SMS com um dos alunos participantes no espectáculo: ” Vê se filmas”, “Só qd fores tu”, “E o espectáculo, como está?”…  

A propósito, devo sublinhar que os alunos, principalmente os adultos, estão bem integrados em todas as coreografias, sendo às vezes difícil distinguir os alunos dos professores. Aqui, até o que é feito com os pés é bom, e não apenas sevilhanas ou Flamengo. 

Eu que sou um pé de chumbo, fiquei rendido à exibição de “footwork”. Nem conhecia esta dança. A gente está mais disponível para o que conhecemos. Daí que tenha também apreciado a coreografia para a Canção do Engate do Variações. “Tu estás livre e eu estou livre // E há uma noite p’ra passar // Porque não vamos unidos // Porque não vamos ficar…”.

Eu fico por aqui. Parabéns,

Júlio Roldão

11/10/2021

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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