Querida Maria José,

Saberá melhor do que eu que antes da chegada da batata e do milho à Europa, a castanha era a base da alimentação dos homens e dos animais e, em muitos casos, o pão dos mais desfavorecidos. 

As tribos pré-romanas até chamavam ao castanheiro a árvore do pão. Mais próximo de nós, os senhores dos grandes soutos, aqueles que davam as castanhas “de quartas”, ou seja, aqueles que ficavam com três quartos do volume da produção dando um quarto a quem a apanhava, mantiveram o costume de dar o “rebusco” (as castanhas deixadas nas árvores) aos mais pobres.

Como também sabe, dentro de dez dias, a 28 de Outubro, celebra-se São Simão e em Dia de São Simão, lá diz o ditado, só não assa castanhas quem não é bom cristão.

Ora eu, graças a si, querida Maria José, este ano pelo São Simão vou ter castanhas para assar no lume de um magusto, festa e palavra que evocam lumes purificadores. Magus ustus, do latim “grande fogo”, era a última festa, antes da chegada dos frios e dos gelos que obrigavam os homens a “hibernar” nas cavernas, até à sagração da Primavera seguinte.

Hoje, pelo S. Martinho e pelo São Simão, em rituais de fogo e rostos enfarruscados, continua-se a provar o vinho, a beber mel e a comer castanhas que é alimento bem estimulante. Eu, graças à sua generosa oferta, oferta que me chegou através da nossa comum amiga Guida Cristovão, tenho para assar, no próximo Dia de São Simão, castanhas de qualidade superior, como são as martaínha.

Escolherei, com volúpia, um bom vinho para acompanhar. É a minha obrigação para estar à altura de quem produz e apanha castanhas, um acto tão cultural quanto uma visita guiada pelo conimbricense Museu Machado de Castro, como a Maria José tão bem sabe orientar, ou quanto um olhar atento ao gótico mendicante do Convento de Santa Clara a Velha onde, agora, a Maria José partilha saberes.

Brindo e agradeço,

Júlio Roldão

18/10/2021

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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