Querida Fernandinha,

Quando há dias cruzei-me com a menina na portuense Rua de Gonçalo Cristóvão, à porta do edifício sede do Jornal de Notícias (JN), lembrei-me que a última vez que entrei nessa torre foi para apresentar um livro que deve a existência à Fernandinha.

Refiro-me às “Crónicas de fim de século”, a compilação das crónicas que o Hélder Bastos publicou no JN sob o feliz genérico “Comunicarte”, livro pelo qual, e por amor, a Fernandinha moveu o céu e a terra – atrás de um homem bem sucedido está sempre uma grande mulher.

Disse isto mesmo quando apresentei o livro, no dia 20 de Novembro de 2019, dia em que fazia 20 anos sobre a última crónica do “Comunicarte”, crónica a que o autor deu o título de “Remoto Controlo” sem revelar que seria a última da série publicada no JN.

Em 1999 eu era o editor das páginas do JN onde o seu Hélder publicava essas, entre nós pioneiras, reflexões sobre comunicação, reflexões sobre uma actividade que, à data, poucos reconheceriam tão perigosa quanto hoje é reconhecidamente considerada. Perigosa até mesmo para a sobrevivência das democracias.

Há dois anos, na minha citada apresentação do livro do Hélder, sublinhei aquilo que ele escreveu nesse último “Comunicarte” – “Novas tecnologias em velhas mãos erradas podem dar para o torto”. Já deram, como se sabe. Como também o Hélder alertou ao dizer que a evolução tecnológica estava a facilitar uma regressão democrática. 

Também lhe quero dizer hoje que, para mim a Fernandinha é muito mais do que a editora privada do seu companheiro. É também uma documentalista de referência, a quem muitos jornalistas, entre os quais me incluo, muito devem. O trabalho de apoio às redacções dos jornais que os documentalistas desenvolvem é tão importante quanto o dos jornalistas. Mesmo que, infelizmente, não seja reconhecido.

Há dias, quando nos cruzamos, lembramo-nos daquele jantar que chegamos a combinar, após a apresentação do livro do Hélder, como pretexto para pôr conversas em dia e para justificar a nossa condição de membros daquela fauna que gosta de começar a noite a conversar. Infelizmente, a pandemia ainda não consentiu que o marcássemos. Esperemos que aconteça em breve.

Tenho saudades do tempo em que era fácil marcar um jantar de amigos. E como sei que os meus tempos têm fim, fico ansioso à espera de poder arrancar mais um rótulo de um vinho bebido com amigos e fazer dele a base de uma aguarela. Ou de uma vinharela.

Obrigado por me considerar amigo e até breve.

Júlio Roldão

P.S.: Hoje, o postal é um recorte de um jornal, de um semanário que se publica nas Ilhas Baleares em língua catalã: Ara Balears.

25/10/2021

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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