Cara professora Lorella Carimali,

Em Portugal, como em Itália, a pandemia da covid-19 mostrou, pela primeira vez a muitas pessoas, a importância da matemática nas nossas vidas. Quem segue a pandemia como um problema que justifica títulos de primeira página, todos os dias e em todo o Mundo, já descobriu que a matemática ajuda a resolver problemas.

Recorre-se à matemática para projectar cenários pandémicos a curto e a médio prazo e, consequentemente, para antecipar soluções que possam minorar as emergências de saúde pública que o coronavírus (covid-19), nas suas diversas variantes, está a gerar há dois anos. Confirmando a importância da matemática nas nossas vidas, como a professora Lorella Carimali, há muito, vem proclamando.

Basta recordar os títulos dos seus dois livros mais conhecidos – L’equazione della libertà e La radice quadrata della vita – para se perceber como a professora tem sido fiel divulgadora da importância da matemática nas nossas vidas, muito antes de esta ciência passar a abrir telejornais em todo o Mundo.

Devo, a propósito, revelar-lhe que só soube deste seu amor pela matemática muito recentemente. Foi quando, de passagem em Itália, perguntei a um jovem italiano, doutorando em Biologia, que escritora italiana viva mais apreciava. Surpreendentemente, ele, na surpresa da pergunta, disse-me que escolhia não uma escritora, no sentido clássico do termo, mas uma matemática que também escreve ficção.

No relativo confinamento a que me obrigo nas visitas a Itália, desde que a pandemia assentou arraiais na Europa, eu, que tenho um neto italiano nascido no primeiro ano da covid-19, tenho por hábito comprar, todos os dias, jornais em papel para os esquartejar em recortes que depois utilizo nos meus cadernos de viagem.

Em regra compro o La Republica e, muitos dias, um segundo jornal que escolho em função da manchete. No dia 23, comprei o Libero por causa da manchete: “NONNO CONTRO BISNONNO”, ou seja, em Português, “AVÔ CONTRA BISAVÔ”. Como avô de um italiano, compreende-se a escolha. Em Espanha, onde vivem os meus outros dois netos, ambos espanhóis, as escolhas seriam outras.

Voltando à matemática, venho, com todo o respeito, perguntar à professora Lorella Carimali se não haverá uma equação, um algoritmo ou qualquer outra operação matemática que antecipe o resultado daquela incógnita lançada pelo Libero com a manchete do avô contra o bisavô? É que – descobri depois – o avô será Draghi e o bisavô Berlusconi, ambos possíveis candidatos nas próximas presidenciais em Itália.

A possibilidade do “Il Cavaliere”, como também é conhecido Silvio Berlusconi, poder vir a ser eleito para o mais alto cargo político de Itália, é algo que está a causar-me alguma angústia. Eu sei que em Democracia ganha-se e perde-se por um voto, mas Berlusconi protagonizou alguns escândalos que eu julgaria suficientes para inviabilizar uma candidatura dele à Presidência.

Dirá a professora, e muito bem, que eu não sou italiano e que nesta matéria das eleições num país democrático estrangeiro deveria ser mais diplomata. É verdade que não sou italiano, mas o meu neto mais novo é e eu espero que ele compreenda e aplauda esta minha preocupação quando tiver idade para perceber estas coisas da política. 

Política, uma ciência que também mete matemática ou, como a professora diria, a matemática também é política.

Respeitosamente,

Júlio Roldão.


P.S. – O postal que lhe envio é meia primeira página da edição da véspera deste Natal do jornal italiano Il Tempo.

27/12/2021

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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