Caro poeta Francesco Carofiglio,

Comprei, para me fazer companhia nos últimos dias de 2021 e nos primeiros de 2022, o seu “Poesie del tempo stretto”, livro de 2020 cujo título traduzo por “poemas de tempo apertado”. São poemas deste tempo apertado escritos e ilustrados por si.

Soube depois que o Francesco, dez anos mais novo do que eu, além de poeta é também arquitecto, realizador de cinema e ilustrador. Profissões que não dispensam a poesia quando exercidas em liberdade e com sensibilidade.

Para mim, um poeta é alguém que consegue traduzir sentimentos e outras dúvidas que nós, comuns mortais, pressentimos mas não conseguimos identificar bem e, muito menos, expor. Principalmente, quando os tempos apertam.

Ao folhear, numa livraria de Trieste, o seu “Poesie del tempo stretto” fiquei preso ao poema onde o Francesco revela que comprou um chapéu branco para lhe fazer companhia. Que belo poema: “ho comprato / un cappello bianco / per farmi compagnia”. 

Depois até quis traduzir para o Português um outro poema. É abusivo falar em tradução. Será apenas uma leitura aproximada. “Todos estão numa sala. / O mundo passou a ser uma sala / que tem paredes cinzentas / e uma grande janela. / Além da mesa, da estante com livros / e de um velho gira-discos. / Agora todos vivem nessa sala.”

Reproduzo o poema original na imagem do postal que lhe envio. E, a propósito da arte da tradução, recordo um saudoso professor de Direito, Orlando de Carvalho, também poeta e tradutor, que rejeitou um “ilumino-me de imenso” como tradução para o verso de Ungaretti “m’illumino d’immenso” encontrando paciente e demoradamente, como lhe ouvi confessar, a notável versão “deslumbro-me de imenso”.

Segundo o próprio Orlando de Carvalho, essa versão em Português do mais pequeno e célebre poema de Ungaretti, demorou meses a encontrar. A beleza desta versão (prefiro versão a tradução) está na similitude sonora do verso em Português relativamente ao verso original em Italiano. Perante um exemplo destes, o meu arremedo de tradução daquele seu poema a falar do mundo confinado numa sala nem merece citação.

Nestas situações, iludo-me trauteando aquele samba do João Gilberto em que ele proclama “Que no peito dos desafinados […] / Também bate um coração”. 

Sendo verdade, não justifica todas as veleidades. Sendo verdade, justifica alguma tolerância e compreensão acentuadas pelo tempo apertado que vivemos, há quase dois anos; aperto que se sente mais quando, como é o meu caso, estamos deslocados.

É que eu descobri a sua poesia em Itália, onde vim passar uns dias de visita a um dos meus filhos e família, principalmente, ao meu neto mais novo, um menino que nasceu no apertado ano de 2020 que foi também o ano da publicação do seu “Poesie del tempo stretto”. 

Por tudo isto, quero terminar a agradecer-lhe a sua poesia. Embora reconheça, a fazer fé na tradução de Alberto Pimenta, que Nanni Balestrini, outro poeta italiano, tem razão quando escreve, no “pequeno louvor do público da poesia”, com a urgência que as maiúsculas emprestam aos textos, que (…) A POESIA FAZ MAL / MAS POR SORTE NOSSA / NÃO HAVERÁ NUNCA NINGUÉM DISPOSTO A ACREDITAR NISSO.

E cito, sem tradução, mais um um poema seu: (…) “poi lo vedo / in fondo al corridoio / mio padre / con l’impermeabile chiaro / si avvicina e mi prende per mano / attraversiamo la strada / fino al marciapiede opposto / sorride e si allontana / e io resto solo / per tutta la vita”.

Obrigado e bom ano de 2022.

Seu novo leitor,

Júlio Roldão

03/01/2022

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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