Querida Ágata Rodrigues,

Quando anteontem a vi, na inauguração da exposição “Os Cristos de José Rodrigues”, que está na Galeria Museológica do Fórum Cultural de Ermesinde, lembrei-me do que o Mestre José Rodrigues, seu pai, dizia quando falava do trabalho que desenvolvia como escultor – que o barro é a vida, o gesso a morte e o bronze a ressurreição.

A exposição, patente em Ermesinde até 17 de Abril, é constituída por esculturas, pinturas e desenhos do Mestre José Rodrigues, todos eles relacionados com a morte de Jesus Cristo. Obras belíssimas, da colecção da Fundação Millennium BCP, que podem ser vistas até à Páscoa num espaço do Fórum Cultural de Ermesinde que é muito especial: a Galeria Museológica.

O seu pai teria gostado de ver os Cristos dele no centenário forno da Empresa Industrial de Ermesinde, um forno que agora já não fabrica telha, tipo Marselha, mas recebe exposições temporárias de artistas jovens e consagrados – um espaço magnífico que bem merece a exposição do Mestre José Rodrigues. O seu pai teria gostado de ali se rever nos desenhos e nas pinturas, mas principalmente nas esculturas.

Como se lembrará, em tempos, dediquei ao seu pai uma espécie de haicai (ou mote para um vilancete) baseado naquele simbolismo do barro, do gesso e do bronze enquanto materiais clássicos na criação escultórica: Nascida do barro, / morre no gesso e renasce / no esplendor do bronze.

Como já testemunhei, na criação artística da escultura ganha outra dimensão a imagem bíblica da criação do ser humano a partir do barro, bem como o costume ocidental, dos séculos XVII, XVIII e XIX, de guardar os rostos de pessoas falecidas recorrendo a máscaras mortuárias feitas de gesso.

Lembrei-me de tudo isto anteontem, quando assisti à vernissage da exposição “Os Cristos de José Rodrigues”, no Fórum Cultural de Ermesinde. Que bela colecção essa do Millennium. E lembrei-me que também tenho um Cristo do Mestre José Rodrigues. Não é uma peça única, mas é um múltiplo, um magnífico múltiplo. Vou fotografá-lo e incluir essa fotografia neste postal que lhe envio.

Estou de acordo consigo quando a Ágata diz que o seu pai será lembrado durante muitos e muitos anos. É um privilégio dos grandes artistas. A obra fica no papel, na tela, na madeira, no esplendor do bronze. 

Obrigado por continuar a fazer chegar ao maior número de pessoas a fruição da arte do seu pai. Como ele, aliás, gostava e queria.

Júlio Roldão

07/02/2022

Siga-nos:
fb-share-icon

Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

Outros artigos

Share
Instagram