Caro Hugo Maia de Loureiro,

No passado sábado, reservei o serão para a primeira meia-final do Festival da Canção que a RTP organiza desde 1964. E logo à noite, nesta segunda-feira, véspera do Dia Internacional das Mulheres, conto assistir pela televisão à segunda meia-final.

Depois da conquista de Kiev, pelo grande Salvador Sobral, em 2017, o Festival da Canção ganhou, entre nós, um renovado fôlego. À novidade das primeiras edições, ainda em ditadura, seguiu-se um período de menor impacto até chegar o Salvador.

Eu, que tenho uma linda voz para escrever à máquina e que gosto de trautear canções, mesmo sabendo que é difícil identificar o que trauteio, elegi como canção preferida entre as que foram aos festivais da RTP a que o Hugo Maia de Loureiro levou ao festival de 1970.

Chama-se “Canção de Madrugar”, tem música de Nuno Nazareth Fernandes, versos de Ary dos Santos e ficou em segundo lugar no Festival RTP da Canção 1970. Ano em que a RTP não participou, por protesto, no Festival Eurovisão da Canção.

Esta minha preferência pela “Canção de Madrugar” talvez radique no gosto pela roupa de linho ou pelos colares de flores feitos de nardos. Ou ainda pelo vinho que o poema também canta, na vontade expressa do poeta em alargar cidades e construir outros poetas.

Sem choros, cito, “nem medos, nem uivos, nem gritos, nem… / Pedras, nem facas, nem fomes, nem secas, nem… / Feras, nem ferros, nem farpas, nem farças, nem… / Forcas, nem gardos, nem dardos, nem guerras, nem… / Choros, nem medos, nem uivos, nem gritos, nem… / Pedras, nem facas, nem fomes, nem secas, nem… / Feras, nem ferros, nem farpas, nem farças, nem mal…”

Essa “Canção de Madrugar” continua a ser actual, continua a ser moderna, mais de meio século depois de ter sido escrita e cantada num festival que, nesse ano, nem sequer oferecia à canção vencedora o prémio do costume: representar Portugal no Festival da Eurovisão. 

A “Canção de Madrugar” ficou em segundo lugar no Festival RTP da Canção 1970. Neste ano, como fui ver à Internet, venceu Sérgio Borges, com “Onde vais rio que eu canto?”. Quando descobri o nome da canção vencedora, a minha memória confirmou a informação. A “Canção de Madrugar”, essa nunca deixou de estar presente. É uma das canções da minha vida.

Obrigado por a ter interpretado,

Júlio Roldão


07/03/2022

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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