Cara Mariana,

Foi por causa da menina que ontem comecei a escrever um poemeto cujos primeiros dois versos dizem que “viver é concretizar / nossos sonhos desejados”. A Mariana, ou Maro (o seu nome artístico), tem concretizado muitos dos seus sonhos. E não estou nem a pensar na vitória alcançada no Festival RTP da Canção deste ano. Com a sua “Saudade Saudade”.

Devo confessar-me um seguidor dos festivais RTP da Canção, numa fidelidade assumida durante os primeiros anos do festival, a que se seguiu um longo divórcio que terminou com vitória do Salvador Sobral, em Portugal, e depois no Festival da Eurovisão de 2017, realizado na cidade de Kiev, a capital da Ucrânia, hoje a ferro e fogo.

Curiosamente, há cinco anos, em Kiev, o nosso Salvador Sobral, falando na conferência de imprensa que se seguiu à meia-final em que ele participou, faria um apelo  à União Europeia, para que enfrentasse a crise dos refugiados com mais solidariedade e menos burocracia.

Nessa conferência de imprensa, Salvador Sobral apresentou-se a vestir uma camisola com as palavras “SOS Refugees”, justificando essa atitude que, então, mereceu aplausos mas também críticas, com a ideia de que é preciso apoiar as pessoas que fogem da guerra e da morte com mais humanidade.

Voltando ao Festival RTP da Canção deste ano e à sua “Saudade, Saudade”, quero confessar-lhe que eu, sem ouvido para a música, fiquei logo preso a esse tema e à forma tão serena como o cantou. Não admira que a Maro consiga cantar com guitarristas como Eric Clapton ou Rui Veloso. E também confesso que me pus a navegar na Internet para ficar a saber mais coisas sobre a menina.

Numa entrevista que concedeu à jornalista Andreia Monteiro e foi publicada na Revista Gerador (título até agora para mim desconhecido), a Maro disse que escolheu dedicar-se profissionalmente à música depois de ouvir a música “Cais”, do Milton Nascimento. Essa confidência, revelada pela boa condução da entrevista que a Andreia conseguiu, é fascinante. Fez-me também ir à procura de “Cais” do Milton Nascimento. 

O fascínio da forma como os artistas chegam à arte que fazem só é superado pelo fascínio do próprio processo da criação artística, no árduo trabalho criativo desenvolvido nas respectivas oficinas. Sejam as oficinas da Poesia, sejam as da Música, sejam as das Artes Plásticas ou as oficinas de outras artes.

Estou certo de que Turim, onde a Maro vai representar Portugal no Festival da Eurovisão, não vai ser, este ano, tão fria quanto São Petersburgo o era quando Almeida Garrett comparou as duas cidades nas “Viagens na Minha Terra”.

Com admiração,

Júlio Roldão

14/03/2022

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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