(Des)prezado (ro)bot,

Pior do que as pragas do Egipto, quando o Nilo tingiu-se de sangue e a Terra foi atacada por moscas, mosquitos e gafanhotos, sentindo também a devastação do granizo e os efeitos da prematura morte dos primogénitos, pior do que tudo isto é a praga dos bots, criaturas de inteligência artificial que executam tarefas humanas livres das fraquezas próprias de homens e de mulheres.

Alguns bots, essas aplicações informáticas que simulam, sem cansaço, as tarefas daquelas pessoas que estão sempre a perguntar aos outros como é que os poderão ajudar, num movimento quase perpétuo mas muito pouco harmonioso e algo irritante, alguns bots, dizia, são criaturas maliciosas e contribuem para a infelicidade que resulta da desinformação.

É para um destes bots, deliberadamente não identificado, que envio este postal, este meu nonagésimo sexto postal com a chancela sinalAberto, um dos últimos (ou mesmo o último) desta minha série de postais enviados sem selo, mas com os autocolantes amarelos que dão pelo nome de “post its”.

Esta minha mania de enviar postais pelos jornais começou em 1985, no Jornal de Notícias, durante a edição desse ano do Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (FITEI), por mim e pelo Marco reportada para o JN. Numa solução preguiçosa, mas que ocupava pouco papel no jornal, transformei fotografias que o Marco captava de espectáculos passados nesse FITEI em postais que endereçava a pessoas ligadas ao Teatro.

Dois dos destinatários desses postais saídos no JN – Carlos Wallenstein e Manuel Deniz Jacinto – enviaram-me, na volta daquele correio aberto, cartas-respostas, devidamente fechadas e seladas, correspondência que guardo no baú das minhas memórias de jornalista que começou a trabalhar num tempo em que grande parte do serviço seguia por telex.

Convém, talvez, recordar que o telex era um meio de comunicação à distância para a transmissão, entre dois pontos e em tempo real, de textos escritos. Pela rede dos telexes, era possível estar a escrever um texto numa dessas máquinas com a garantia de que esse texto estava a ser reproduzido à distância e ao mesmo tempo numa outra máquina de telex com a qual tivéssemos estabelecido ligação. As estações de correio e muitos hotéis, em quase todo o Mundo, tinham telexes, bem como naturalmente os jornais.

Não havia (ro)bots, muito menos equipados de inteligência artificial, nem Internet, nem televisão por cabo, nem “streaming”, essa tecnologia capaz de transmitir, em fluxo contínuo, via Internet, imagens e sons, ou seja, filmes e música, os vídeos e os áudios que agora aparecem facilmente nos nossos telemóveis, máquinas que são hoje verdadeiros computadores e sofisticadas câmaras fotográficas e de filmar.

E pronto, (des)prezado (ro)bot. É melhor ficar por aqui, sem mais desabafos.

Sou quem bem sabes quem sou,

Júlio Roldão

05/04/2022

Siga-nos:
fb-share-icon

Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

Outros artigos

Share
Instagram