A arte e a IA

 A arte e a IA

Imagem gerada pelo autor, utilizando a ferramenta DeepAI, recorrendo às palavras-chave “submarino branco voador”.

Ilustradores e artistas plásticos estão em conflito com os defensores e promotores das ferramentas que utilizam inteligência artificial (IA) para gerar todo o tipo de imagens e obras de “arte”. Muitos artistas adotaram já o slogan “No to AI-generated images” (não a imagens geradas por inteligência artificial), colocando-o bem visível nas suas páginas Web ou em plataformas de portfólios artísticos como a ArtStation. Trata-se de uma reação compreensível, já que muitos temem que, em breve, o seu trabalho seja ameaçado por uma série de ferramentas que explorem a IA para gerar material gráfico ou artístico, bastando para tal escrever uma descrição mais ou menos abstrata daquilo que se pretende. Mas, realmente, que perigo representa a IA para o mundo da arte?

Os avanços tecnológicos sempre causaram tensões e desconforto e a arte não é exceção a esta regra.

A vulgarização das máquinas fotográficas no início do século XX foi, simultaneamente, uma ameaça e uma oportunidade para muitos artistas. De repente, deixou de ser preciso recorrer a um pintor para a realização de retratos – até aí extremamente caros e, por isso, apenas acessíveis a alguns privilegiados – ou para a representação de todo o tipo de cenas da vida corrente. Nessa altura, muitos pensaram que a arte dita representacional – também chamada figurativa ou realista – desapareceria, mas, na verdade, tal não aconteceu, tendo-se tornado ainda mais valiosa.

Hoje, quase todos os artistas utilizam a fotografia como ferramenta auxiliar e o facto de qualquer pessoa poder fazer fotos de praticamente tudo em nada diminuiu o valor da arte. Além disso, novas áreas artísticas surgiram, sendo a própria fotografia uma delas.

Imagem gerada pelo autor, utilizando a ferramenta DeepAI, recorrendo às palavras chave “dançarinas fazendo um piquenique na relva”.

A par das câmaras fotográficas que, atualmente, todos possuem nos seus dispositivos móveis, um conjunto de ferramentas computacionais fazem, hoje, parte do manancial de ferramentas dos artistas. Nos seus estúdios, poucos são os pintores que não dispõem de computadores ou de tablets para apoio ao seu trabalho. Software de edição e de processamento de imagens é, para muitos artistas plásticos, essencial para o seu dia-a-dia. Será que o trabalho destes artistas é de menor qualidade ou de menor valor pelo facto de utilizarem tais ferramentas? Naturalmente, não.

Os trabalhos gerados utilizando ferramentas de IA vão tornar-se cada vez mais frequentes e em grande número. Por essa mesma razão, o valor artístico e de mercado da esmagadora maioria dessas obras será baixo. Qualquer um, usando uma dessas ferramentas, poderá escrever descrições com maior ou menor sentido, mais ou menos espirituosas e, com base nelas, gerar imagens, mas isso não fará dessa pessoa um artista plástico ou visual. Por outro lado, aos artistas caberá tirar partido dessas ferramentas – juntando-as a todas as outras que já utilizam – para melhorar a sua arte, quiçá explorando “avenidas” até aqui inviáveis.

Todos podemos ter, nas nossas casas, uma reprodução de uma obra de arte de determinado pintor, por mais famoso que tenha sido ou seja. As reproduções em massa de obras de arte, usando meios informáticos ou não, de pouco valem, sendo, inclusivamente, comercializadas pelos próprios museus onde se encontram os originais. O seu efeito é, na realidade, o de aumentar o valor do original, único e irrepetível. O mesmo acontecerá com as obras geradas com recurso a ferramentas de inteligência artificial, que, inevitavelmente, tornarão ainda mais valioso o produto do trabalho dos artistas.

02/02/2023

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Fernando Boavida Fernandes

Professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, sendo docente do Departamento de Engenharia Informática. Possui uma experiência de 40 anos no ensino, na investigação e em engenharia, nas áreas de Informática, Redes e Protocolos de Comunicação, Planeamento e Projeto de Redes, Redes Móveis e Redes de Sensores. É membro da Ordem dos Engenheiros. É coautor dos livros “Engenharia de Redes Informáticas”, “Administração de Redes Informáticas”, “TCP/IP – Teoria e prática”, “Redes de Sensores sem Fios” e “Introdução à Criptografia”, publicados pela FCA. É autor dos livros “Gestão de tempo e organização do trabalho” e “Expor ideias”, publicados pela editora PACTOR.

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