A avestruz faz campanha eleitoral
A poucos dias de se concluir a campanha eleitoral para as eleições do Parlamento Europeu, pouco se tem falado do que, neste momento, é mais importante para a Europa, a paz.
A paz é a primeira condição para que todos os povos possam fazer planos para as suas vidas. Sem ela pode não existir dia seguinte, instalando-se o medo e a angústia, e paralisando tudo quanto possa contribuir para o seu bem-estar. Na maior parte das vezes, o discurso bélico tomou o lugar da preocupação em encontrar as condições que ponham fim a quase 30 meses de guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
O que continua a prevalecer é o espírito bélico, na intenção de levar a guerra para dentro das fronteiras da Rússia, como se essa decisão contribuísse para selar uma paz douradora entre os dois países. A uma potência com o arsenal atómico como a Rússia, todo o cuidado é pouco, quando se traçam objectivos de a vencer pela força das balas.
Dizem os que defendem estas teses que o reforço da capacidade de combate da Ucrânia visa colocá-la em melhores condições para negociar a paz. Porém, os mesmos que proclamam este desiderato, sabem, porque têm informações suficientes para o saber, que o avanço que a Rússia tem conseguido em território ucraniano visa os mesmos objectivos: apresentar-se na mesa das negociações em condições de poder fazer algumas cedências.
A invasão da Faixa de Gaza pelo governo de Benjamin Netanyhau, ao desviar as atenções do Ocidente para o Médio Oriente, obrigando o Pentágono e a NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) a ficarem em alerta máximo naquela região, trouxe a Ucrânia para segundo plano, tornando-a particularmente vulnerável, uma vez que os esforços daquelas organizações tiveram de se concentrar num conflito em que não podiam deixar de apoiar Israel, por um lado, mas dada a natureza política do governo israelita, viram-se obrigados a conter o seu ímpeto genocida. Basta contar as vezes que o secretário de Estado norte-americano Antony Blinken aterrou no aeroporto de Tel Aviv para se perceber a vontade que havia, do lado dos sionistas, de varrer os palestinianos da face da Terra, sob o pretexto de que a luta era contra o Hamas. Tudo isto levou a que, a partir de certa altura, o exército ucraniano tivesse de começar a contar as balas e a recrutar adolescentes para as suas forças armadas.
Ao mesmo tempo, assistiu-se, um pouco por todas as capitais europeias, a enormes manifestações apelando à paz na Faixa de Gaza. Esta reacção dos povos significa que é a paz que reina nas suas consciências, em vez do espírito da guerra.
O estado de guerra passou a ser contrário aos avanços que a Humanidade tem feito em todos os domínios, do aumento da esperança de vida à utilização da física quântica para nos facilitar o nosso modo de vida. Torna-se, por isso, irracional, que ainda existam conflitos que são resolvidos pela guerra, encerrando, para o feito, os canais diplomáticos. E, no entanto, recorrendo a um dito popular, é a conversar que a gente se entende. Utópico? De maneira nenhuma, não fosse o cheiro a cadáveres ser tão apetecível para o capitalismo beligerante.
Se a Rússia apresentou as suas razões para invadir a Ucrânia, o mesmo acontecendo a Israel, cabia às Nações Unidas interpor-se energicamente entre os lados em disputa para evitar o que estamos a assistir. Mas era dever, também, dos líderes das democracias mundiais negarem-se a alimentar quer estes quer outros conflitos. Estaria nas mãos destes líderes mobilizarem os cidadãos que representam contra todo e qualquer assomo de disparo de uma arma de guerra.
A resolução das disputas por esta via teve o seu tempo. Era preciso matar um para que outro sobrevivesse, sem nos darmos conta de que podiam sobreviver os dois. O tempo do O.K. Corral já lá vai. Se da parte de alguns partidos políticos, não é surpreendente que continuem a representar esse espírito, já da parte de outros, e tratando-se da Europa, foi uma desagradável surpresa verificar que a guerra da Ucrânia já entrou nas suas rotinas, fazendo parte de um fenómeno que se há-de resolver, não carecendo, por isso, de especiais esforços para que termine já. Quem assim age – e esta era uma oportunidade para dizer “Basta!” – não se lhe augura particular futuro político. Não passam de líderes que se contentam com arruadas, distribuição de folhetos e umas quantas palavras ao primeiro microfone que lhe põem à frente. Foi, infelizmente, uma campanha de avestruzes.
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Nota do Director:
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06/06/2024