A avestruz faz campanha eleitoral

 A avestruz faz campanha eleitoral

(Créditos fotográficos: Volodymyr Tokar – Unsplash)

A poucos dias de se concluir a campanha eleitoral para as eleições do Parlamento Europeu, pouco se tem falado do que, neste momento, é mais importante para a Europa, a paz.

A paz é a primeira condição para que todos os povos possam fazer planos para as suas vidas. Sem ela pode não existir dia seguinte, instalando-se o medo e a angústia, e paralisando tudo quanto possa contribuir para o seu bem-estar. Na maior parte das vezes, o discurso bélico tomou o lugar da preocupação em encontrar as condições que ponham fim a quase 30 meses de guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

(Créditos fotográficos: Markus Spiske – Unsplash)

O que continua a prevalecer é o espírito bélico, na intenção de levar a guerra para dentro das fronteiras da Rússia, como se essa decisão contribuísse para selar uma paz douradora entre os dois países. A uma potência com o arsenal atómico como a Rússia, todo o cuidado é pouco, quando se traçam objectivos de a vencer pela força das balas.

Dizem os que defendem estas teses que o reforço da capacidade de combate da Ucrânia visa colocá-la em melhores condições para negociar a paz. Porém, os mesmos que proclamam este desiderato, sabem, porque têm informações suficientes para o saber, que o avanço que a Rússia tem conseguido em território ucraniano visa os mesmos objectivos: apresentar-se na mesa das negociações em condições de poder fazer algumas cedências.

A invasão da Faixa de Gaza pelo governo de Benjamin Netanyhau, ao desviar as atenções do Ocidente para o Médio Oriente, obrigando o Pentágono e a NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte) a ficarem em alerta máximo naquela região, trouxe a Ucrânia para segundo plano, tornando-a particularmente vulnerável, uma vez que os esforços daquelas organizações tiveram de se concentrar num conflito em que não podiam deixar de apoiar Israel, por um lado, mas dada a natureza política do governo israelita, viram-se obrigados a conter o seu ímpeto genocida. Basta contar as vezes que o secretário de Estado norte-americano Antony Blinken aterrou no aeroporto de Tel Aviv para se perceber a vontade que havia, do lado dos sionistas, de varrer os palestinianos da face da Terra, sob o pretexto de que a luta era contra o Hamas. Tudo isto levou a que, a partir de certa altura, o exército ucraniano tivesse de começar a contar as balas e a recrutar adolescentes para as suas forças armadas.

Manifestação em Coimbra. (© VJS – sinalAberto) 

Ao mesmo tempo, assistiu-se, um pouco por todas as capitais europeias, a enormes manifestações apelando à paz na Faixa de Gaza. Esta reacção dos povos significa que é a paz que reina nas suas consciências, em vez do espírito da guerra.

O estado de guerra passou a ser contrário aos avanços que a Humanidade tem feito em todos os domínios, do aumento da esperança de vida à utilização da física quântica para nos facilitar o nosso modo de vida. Torna-se, por isso, irracional, que ainda existam conflitos que são resolvidos pela guerra, encerrando, para o feito, os canais diplomáticos. E, no entanto, recorrendo a um dito popular, é a conversar que a gente se entende. Utópico? De maneira nenhuma, não fosse o cheiro a cadáveres ser tão apetecível para o capitalismo beligerante.

Se a Rússia apresentou as suas razões para invadir a Ucrânia, o mesmo acontecendo a Israel, cabia às Nações Unidas interpor-se energicamente entre os lados em disputa para evitar o que estamos a assistir. Mas era dever, também, dos líderes das democracias mundiais negarem-se a alimentar quer estes quer outros conflitos. Estaria nas mãos destes líderes mobilizarem os cidadãos que representam contra todo e qualquer assomo de disparo de uma arma de guerra.

Local mundialmente famoso do tiroteio de 1881 no O.K. Corral, em Tombstone, cidade localizada no estado norte-americano do Arizona, no condado de Cochise. Aqui, ocorreu a famosa troca de tiros que durou, aproximadamente, trinta segundos entre bandidos cowboys e homens da lei. Este é, frequentemente, lembrado como um dos tiroteios mais famosos da História do Velho Oeste dos Estados Unidos. Como regista a Wikipédia, a luta aconteceu às três horas da tarde de uma quarta-feira, a 26 de Outubro de 1881.

A resolução das disputas por esta via teve o seu tempo. Era preciso matar um para que outro sobrevivesse, sem nos darmos conta de que podiam sobreviver os dois. O tempo do O.K. Corral já lá vai. Se da parte de alguns partidos políticos, não é surpreendente que continuem a representar esse espírito, já da parte de outros, e tratando-se da Europa, foi uma desagradável surpresa verificar que a guerra da Ucrânia já entrou nas suas rotinas, fazendo parte de um fenómeno que se há-de resolver, não carecendo, por isso, de especiais esforços para que termine já. Quem assim age – e esta era uma oportunidade para dizer “Basta!” –  não se lhe augura particular futuro político. Não passam de líderes que se contentam com arruadas, distribuição de folhetos e umas quantas palavras ao primeiro microfone que lhe põem à frente. Foi, infelizmente, uma campanha de avestruzes.

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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06/06/2024

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Cipriano Justo

Licenciado em Medicina, especialista de Saúde Pública, doutorado em Saúde Comunitária. Médico de saúde pública em vários centros de saúde: Alentejo, Porto, Lisboa e Cascais. Foi subdiretor-geral da Saúde no mandato da ministra Maria de Belém. Professor universitário em várias universidades. Presidente do conselho distrital da Grande Lisboa da Ordem dos Médicos. Foi dirigente da Associação Académica de Moçambique e da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa. É um dos principais impulsionadores da revisão da Lei de Bases da Saúde.

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