A casa e o mercado
Nos últimos dias, temos assistido a uma curiosa investida dos liberais contra o mercado da habitação.
Já todos sabíamos que o mercado não é solução para tudo. As florestas que o digam. Mas, pior do que isso é o não-mercado, isto é a existência de bens que, por decisão dos seus proprietários, não são transacionáveis nem suscetíveis de uso.
Imaginemos as estradas obstruídas por milhares de automóveis fechados, sem ninguém, devolutos. Não haveria nenhum deputado que se opusesse à sua remoção.
Pois é mesmo isso o que hoje se passa em muitas das cidades e vilas portuguesas, carcigenadas por prédios devolutos em acentuada deterioração. Com a agravante de, em vez do direito a circular, estar a ser impedido o direito à vida, numa habitação digna, de valor constitucional muito superior.
Pôr no mercado (de venda ou de arrendamento) milhares de casas que estão bloqueadas é um imperativo moral e político.
Muito mais do que construir bairros sociais, consumindo recursos escassos (como, infelizmente, a Câmara de Coimbra se apresta a fazer em Taveiro), importa recuperar prédios no centro das cidades, para dar condições de vida a quem quer viver no centro da vida urbana.
Coimbra teve uma das melhores unidades municipais de reabilitação de edifícios que já existiu no País. Entre 2004 e 2009, foram autores de dezenas de obras coercivas (73) e desencadearam mais de três centenas (358) de recuperações pelos respetivos proprietários.
Esse património de experiência e credibilidade não pode ser ignorado. Permitiu proteger pessoas moradoras e restituir condições de habitabilidade, resguardar transeuntes, realojar famílias. Permitiu ainda especializar algumas empresas na reabilitação de construções antigas e jovens engenheiros nas especificidades dessas estruturas e materiais. Agora, que o Governo se propõe financiar esse eixo de intervenção, por quê desperdiçá-lo?
Mais do que atacar as falhas, importa divulgar as boas práticas e criar condições para a sua replicação, eis o que penso. Elaborar um manual de procedimentos, para que cada vereador técnico de cada município saiba o que fazer. E sustentar financeiramente os municípios que tiverem a coragem de intervir nos imóveis devolutos, em vez de fazer bairros de pobres com pobres.
Mais: o Governo deveria criar um prémio para as melhores políticas de reabilitação, a atribuir às câmaras municipais que melhores resultados conseguissem nessa área.
A oportunidade está aí. Quem quiser fazer, fará. Quem quiser continuar a “moagem” de papel (notificação para a frente, para trás e para o lado) será certamente responsabilizado pelo seu atavismo.
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06/03/2023