A catarse de Miguel Sousa Tavares
“Não gosto nada de bater em mortos e moribundos, mas a pesporrência intelectual do guru Boaventura justifica a excepção. E, mais do que […] o convite a uma ingénua investigadora indígena […] ao seu apartamento na eunuca cidade de Coimbra, confesso que foi a acusação […] que me deu um gozo […]”, escreveu Miguel Sousa Tavares, no Expresso (em 21 de Abril de 2023). Em suma, um velho caçador, famoso colunista, vivia despeitado com o prestígio global de outro velho de uma aldeia vizinha. Doía-lhe que ele tivesse uma “pesporrência intelectual” maior do que a sua, pelo que confessou o “gozo” que sentiu quando o soube caído.
Caçador, não gostava de atirar a caça já ferida e emergiu o gene de lacrau que há em nós para a almejada vingança. Trémulo de gozo preferiu a espingarda de cartucho de chumbos à de bala única, mas o que conseguiu foi lançar uma mesquinha atoarda sobre a aldeia do rival que estava ausente. É o que acontece aos caçadores enviesados – em vez de acertarem no centro1 vermelho, cravam todo o alvo de absurdos danos colaterais, a que não escapou a investigadora “indígena”. Aos caçadores e aos feitores de opinião.
Temo que, se os funcionários da limpeza de Moncarapacho sofrerem da mesma maleita, o tomem como indígena e o levem com o lixo por engano. O colunista critica Boaventura Sousa Santos por assédio sexual a uma investigadora sua convidada, mas veio agora servir-se dela. Mais, identificou-a como “indígena”, não como estrangeira ou, melhor, como convidada. E, pior do que isso, considerou-a ingénua por ter aceite o convite para ir a casa de Boaventura buscar uns livros que ele lhe oferecera; era muito tarde, mas o convite fora do seu patrono e anfitrião… Isto é, quase a co-responsabilizou da armadilha em que caiu como, aliás, faz a Zelensky e à Europa pela guerra da Ucrânia.
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Nota da Redacção:
1 – O autor refere-se, neste caso, em sentido figurado, ao Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra.
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Nota do Director:
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08/05/2023