A César o que é de César: parabéns ao ministro da Cultura

 A César o que é de César: parabéns ao ministro da Cultura

Ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva. (cm-guimaraes.pt)

O processo de nomeação, por concurso público, das direcções artísticas dos teatros nacionais devia, com as suas adequações, ser idêntico para os Apoios Sustentados da DGArtes.

O anúncio público da decisão de se optar pelo sistema de concurso público para a nomeação das direcções artísticas dos teatros nacionais é um passo formal da maior relevância. Só peca por demasiado tardia, mas isso não é culpa de Pedro Adão e Silva, mas de quem antes o não fez. Desde 1994, esta é a minha opinião pública e publicada. O facto de esta nova modalidade ter sido adoptada, independentemente do que se pense sobre a forma atribulada com que têm decorrido os concursos da Direcção-Geral das Artes, vem legitimar o pensamento do próprio ministro sobre o “imperativo de concursos públicos” como processo de selecção para os apoios da DGArtes.

Teatro Nacional de D. Maria II (e-cultura.pt)

Não se trata exactamente do mesmo. Porém, há um centro de pensamento que se justifica doravante. O que a esses concursos (da DGArtes), para se equivalerem, na proporção, se requer, agora, é que se reformulem na aproximação ao procedimento escolhido para o concurso para a direcção artística do Teatro Nacional de D. Maria II (TNDM). Trata-se de um procedimento mais lógico, objectivo e simplificado, mas com mais substância até para quem avalia. O processo, com as suas adequações, devia, no essencial, ser idêntico para os Apoios Sustentados da DGArtes. E deveria, assim como se define a missão do TNDM, constituir grupos (“gavetas” como disse Augusto Santos Silva, quando ministro da Cultura) de natureza diferenciada, que permitissem uma equalização e não um igualitarismo cego, que acaba por negar o princípio de real igualdade, que exige o direito à diferença e o seu reconhecimento.

Para um grupo que concorre no interior de Portugal, não se podem ter os mesmos itens de avaliação para o que concorre no litoral, quanto mais no Porto ou em Lisboa. Do mesmo modo que, no mínimo, na minha opinião, deveria haver duas “linhas de separação concomitantes” em, pelo menos, dois aspectos: grupos (e ou os directores com experiência idêntica na direcção de estruturas: isto é tão ou mais importante do que a estrutura em si) com 30 ou mais anos de serviço público prestado; os grupos que, sem esse historial, também já se encontram numa maioridade; e, finalmente, um espaço para grupos emergentes (estruturas e/ou direcções artísticas) com menos de cinco anos, por exemplo. E (como já acontece) com a divisão geográfica, isso tornaria, no interesse de todos, a avaliação bem mais criteriosa, equânime e abrangente.

Estas são ideias por que combato também há muitíssimos anos e que me deixam agora na expectativa de uma reforma completa para observar a partir de 2027, no que corresponda a novos concursos, sem prejuízo do prolongamento de período igual ao que está para quem foi abrangido na actual modalidade de concursos. Mas, até como teste, seria bem-vinda essa alteração ou, no mínimo, a simplificação no concurso bienal de apoios sustentados para 2025/26, para que tudo seja mais transparente, mais fácil de avaliar e de avaliar com seriedade (quer dizer, permitir aos jurados um aprofundamento da avaliação, em vez de os assoberbar com tanta “papelada digital” – não se trata de seriedade pessoal). Isto e a importância de uma entrevista presencial, mesmo com a fase de pré-selecção, como agora se faz para o TNDM.

O aparecimento deste concurso só não sai imaculado no período que vai da abertura ao fecho do concurso. Compreendo a preocupação de fazer coincidir com um final de mandato e a lógica administrativa de, infelizmente, ter de coincidir por ano civil e não “temporada” (de 1 de Setembro a 31 de Agosto). Mas, mesmo que para isso fosse necessária uma solução intermédia de até um ano que fosse, um prazo bem mais dilatado garantiria não só uma mais sólida estruturação das candidaturas, mas também a sua divulgação, demais a mais sendo internacional.

Pese embora esta “falha”, que pode não ser de somenos (e faço apelo ao senhor ministro para que pondere) – digo-o sem interesse pessoal, não está no meu horizonte concorrer ao TNDM, muito menos em lapso de tempo tão curto –, o que importa é saudar a alteração do modelo de nomeação das direcções artísticas dos teatros nacionais. Abre alguma expectativa para as alterações também imperativas no processo e regulamento dos outros concursos.

Eu – que tantas vezes berrei (com razão, mas algumas com demasiada emocionalidade) –, com tranquilidade, não tenho, nisto, dúvidas em dar os parabéns a Pedro Adão e Silva. Como não me impeço de criticar ou de cumprimentar quem seja, mas sim o que seja. Para mim, só estão em causa os factos.

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Nota da Redacção:

Este artigo de opinião foi publicado na edição de ontem (22.10.2023) do jornal Público.

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23/10/2023

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Jorge Castro Guedes

Com a actividade profissional essencialmente centrada no teatro, ao longo de mais de 50 anos – tendo dirigido mais de mil intérpretes em mais de cem encenações –, repartiu a sua intervenção, profissional e social, por outros mundos: da publicidade à escrita de artigos de opinião, curioso do Ser(-se) Humano com a capacidade de se espantar como em criança. Se, outrora, se deixou tentar pela miragem de indicar caminhos, na maturidade, que só se conquista em idade avançada, o seu desejo restringe-se a partilhar espírito, coração e palavras. Pessimista por cepticismo, cínico interior em relação às suas convicções, mesmo assim, esforça-se por acreditar que a Humanidade sobreviverá enquanto razão de encontro fraterno e bom. Mesmo que possa verificar que as distopias vencem as utopias, recusa-se a deixar que o matem por dentro e que o calem para fora; mesmo que dela só fique o imaginário. Os heróis que viu em menino, por mais longe que esteja desses ideais e ilusões que, noutras partes, se transformaram em pesadelos, impõem-lhe um dever ético, a que chama “serviços mínimos”. Nasceu no Porto em 1954, tem vivido espalhado pelo Mundo: umas vezes “residencialmente”, outras “em viagem”. Tem convicções arreigadas, mas não é dogmático. Porém, se tiver de escolher, no plano das ideias, recusa mais depressa os “pragma” de justificação para a amoralidade do egoísmo e da indiferença do que os “dogma” de bússola ética.

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