A Corunha
Regresso à cidade galega de La Coruña (Corunha) passados quase dez anos da minha última visita. A cidade continua com o seu belo enquadramento geográfico, uma longa e extensa baía transformada num passeio marítimo de excelência.
De longe, a Torre de Hércules contempla-nos, sempre vigilante, tanto hoje como no passado: uma luz, um farol de alerta naquela terra que associamos à imagem de finisterrae. É o monumento mais emblemático da cidade e data do século II. Também é o farol em funcionamento mais antigo do Mundo.
É muito agradável visitar a bela praça de Maria Pita, bela como grande parte das praças centrais espanholas. Consiste num lugar de homenagem a María Mayor Fernández da Cámara Pita (Sigrás, Cambre, c. 1565 — Cambre, 1643), conhecida popularmente como María Pita, heroína na defesa da Corunha contra o ataque da Armada Inglesa comandado pelo corsário Francis Drake.
Assinale-se uma visita quase obrigatória ao Aquarium Finisterrae, que cumpriu, no dia 5 de Junho, 25 anos de vida, totalizando, segundo informação oficial, mais de 6,5 milhões de visitantes (especificamente 6546416 visitas) desde a sua inauguração. O Aquário é um centro público de ciência dedicado à Educação, ao meio ambiente e à divulgação científica de temas marinhos. Mais de trezentas espécies marinhas e quatro salas de exposições, entre elas, destaca-se a Nautilus, submergida numa piscina com mais de cinco milhões de litros de água, na qual nadam corvinas, douradas e até tubarões.
Uma curiosa exposição, patente nas galerias, é uma amostra de peças artísticas realizadas a partir de resíduos recolhidos do mar. “Lixo exquisito” (ou “Lixo requintado”) constitui um referente em arte feito, a cem por cento, com resíduos marinhos e é uma mostra composta por 14 peças escultóricas e quatro quadros em técnica de collage, criados pela associação artístico-ambiental RetoqueRetro (colectivo formado pelo trio de artistas Isabel García, Javier Serantes e Ana Lee), da Corunha.
Como lemos na página electrónica Concello da Coruña, são “obras que, apesar da sua grande beleza artística, contêm uma mensagem de alerta sobre a contaminação do ambiente por materiais que alteram os ecossistemas e provocam danos ecológicos e económicos significativos”. De facto, todas os componentes que ajudaram à construção das peças agora expostas foram retirados das praias de Galiza.
Nesta visita, num dia de acesso gratuito, estava rodeado de crianças e de pais e de mães com os seus filhos, muito curiosos com o que observavam.
A Praça do Humor, que foi inaugurada em 1994, é outro lugar quase obrigatório de visita. O espaço celebra a importância do humor na vida quotidiana e reflecte o espírito e o carácter dos habitantes da Corunha, conhecidos pelo seu bom sentido de humor.
Esta praça acolhe várias esculturas criadas por diferentes artistas, cada um com a sua própria interpretação e representação do humor. Entre estas obras encontram-se peças de cartoonistas (ou humoristas gráficos) locais de renome, como Xaquín Marín (meu companheiro de júri em várias edições do PortoCartoon-World Festival), Siro López ou Flavio Morais.
Como também lemos no sítio electrónico Explorial, uma “escultura notável é ‘Os Mariñeiros’, do artista Xaquín Marin, que retrata dois marinheiros com expressões exageradas, envolvidos numa conversa intensa que nunca deixa de divertir os transeuntes”. Outra peça popular, como regista ainda a mesma página electrónica, é “A Família”, de Castelao, que “mostra uma típica família galega com caricaturas humorísticas que satirizam os papéis tradicionais na sociedade”.
Na Corunha, não podia faltar o insigne Alfonso Daniel Manuel Rodríguez Castelao (Rianxo, 1886 – Buenos Aires, 1950), escritor, dramaturgo, debuxante (desenhador) galego, uma figura incontornável da cultura desta comunidade autónoma da Espanha. É tempo para recordar a minha encenação da farsa “Os velhos não devem namorar”, da autoria de Alfonso Castelao, com o grupo de teatro do Sindicato dos Bancários do Norte, no ano de l987.
De noite, optei por uma ida ao Teatro Colon A Coruña, cujo edifício data de 1945. De construção neoclássica, muito parecido (no espaço interior) com o velho Teatro Rivoli, no Porto, antes da sua remodelação.
Assim, na recente noite de 8 Junho, La Asociación Cultural Donaire celebrava a undécima (11.ª) edição do seu Festival Dálle Donaire, no qual homenageavam as mulheres como transmissoras da música e do baile tradicional galego. Mais de uma centena de intérpretes cantaram e dançaram muñeiras, xotas, pasodobles, mazurcas, punteadas, rumbas e jotas.
No dia 9, a cantora Uxía Senlle (1962) animou o concerto sob o título “Santa Liberdade: Un Soño Compartido”. Concerto que se anunciava com “um repertório cheio de sabores e cores, luminoso e mestiço, fruto do caminho nos seus mais de 35 anos de carreira em que renovou a música tradicional conectando com as culturas atlânticas”.
Uxía, nos seus últimos trabalhos, aproxima a música tradicional da Galiza e de Portugal a uma nova leitura da rica obra de Zeca Afonso. Um exemplo e um modelo de como combinar as raízes e uma linguagem própria, num compromisso de beleza, de lirismo e de realidade.
Comemorando os 50 anos da Revolução dos Cravos, em Portugal, Uxía recupera as canções mais representativas desse movimento militar e civil revolucionário. A intérprete aborda temas próprios sobre poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen, de Luísa Villalta Gómez, de Manuel María (Fernández Teixeiro), de Uxío Novoneyra e de Rosalía de Castro, além de algum tema inédito dedicado a José Afonso e à sua relação com a terra galega; assim como o poema que conta a história do transatlântico Santa Liberdade, a aventura romântica que uniu Galegos e Portugueses na denúncia das ditaduras de Francisco Franco e de António Oliveira Salazar.
Finalmente, e pela sua aproximação à Galiza, uma notícia e um enorme abraço de felicitação ao José Viale Moutinho, poeta e romancista português, nascido no Funchal (em 1945), que é o vencedor do Grande Prémio de Literatura dst 2024, com a obra de poesia “Desaparecimento Progressivo”.
O júri, neste ano, foi constituído pela escritora Lídia Jorge e pelo professor de Literatura da Universidade do Minho Carlos Mendes de Sousa, o qual sustentou a escolha desta obra pela “depuração poética, não idêntica a qualquer cânone”.
O amigo José Viale Moutinho1, ao qual reitero o meu agradecimento pelo apoio dado ao Curso Superior de Teatro, quando era presidente da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, no ano de 1982, cedendo as instalações na “baixa” do Porto, para que aí funcionasse a primeira licenciatura em Teatro desta cidade, no âmbito da antiga Cooperativa de Actividades Artísticas Árvore, actual Escola Superior Artística do Porto (ESAP).
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Nota:
1 – Recorrendo à Wikipédia, dizem-nos que foi eleito Académico da Real Academia Galega (RAG) e não tomou posse, em solidariedade para com José Luis Méndez Ferrín, quando este deixou a presidência da RAG. Escritor muito ligado à Galiza pelo seu conhecimento da cultura galega, traduziu Xosé Neira Vilas, Castelao, Valentín Lamas Carvajal, Manuel María e Méndez Ferrín. É autor de “Introdução ao Nacionalismo Galego” e “De foice erguida – Antologia Poesia Galega de Combate”.
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27/06/2024