“A dor da gente”

 “A dor da gente”

Créditos: Rajesh Balouria (Pixabay)

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Em 1975, Chico Buarque e Maria Bethânia interpretam juntos a canção “Notícia de Jornal”, que é uma crítica ao jornalismo e põe em causa a verdade que passa na informação jornalística.

Para quem não a conhece, aqui vão os versos desta “Notícia de Jornal”, composta musicalmente por Haroldo Barbosa: “Tentou contra a existência / Num humilde barracão / Joana de tal, por causa de um tal João // Depois de medicada / Retirou-se pro seu lar / Aí a notícia carece de exatidão // O lar não mais existe / Ninguém volta ao que acabou / Joana é mais uma mulata triste que errou // Errou na dose / Errou no amor / Joana errou de João / Ninguém notou / Ninguém morou na dor que era o seu mal / A dor da gente não sai no jornal”    

(Direitos reservados)

Esta “Notícia de Jornal”, cantada por Chico Buarque e por Maria Bethânia, critica alguma superficialidade característica de certas notícias que não conseguem transmitir o que, realmente, estará na base de um determinado acontecimento; neste caso, uma tentativa frustrada de suicídio.

Hoje, o fenómeno da desinformação vai muito para lá da superficialidade informativa denunciada pelos dois grandes cantores e compositores brasileiros, quando cantam que “a dor da gente não sai no jornal”. Hoje, a desinformação inventa dores que não existem e faz com que essas dores toldem a nossa compreensão da realidade.        

Hoje, também parece não termos quem componha uma canção de sucesso a defender o bom jornalismo. Hoje, o que está do outro lado do bom jornalismo não é só uma informação insuficiente, mas, principalmente, a mentira, a desinformação, os boatos encadeados para manipular sensibilidades e para mais facilmente “impor” opiniões e comportamentos.

Hoje, a dor da gente sai no jornal, nas rádios, nas televisões e nas redes sociais. Mas também sai, muitas vezes, distorcida, ampliada, manipulada. Desenhada à medida dos interesses, no mínimo ilegítimos, que serve. É muito mais difícil combater hoje a mentira, pois há até quem chame à mentira “pós-verdade”.

Mas, tanto hoje como ontem, a informação rigorosa e correcta é fundamental para consolidar os Estados de direito democrático em que queremos viver, numa inclusão o mais alargada possível a todos os outros. É isto o que, na realidade, pretendemos quando combatemos a desinformação instalada e, infelizmente, promovida com meios quase inesgotáveis.

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(*) Artigo no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.

13/06/2022

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Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

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