A dura realidade das pérolas de âmbar

Geran de Kerk (Unsplash)
Mas atenção, aviso. Lisboa, esse vulto constelado de luzes frias do outro lado do rio é um animal sedentário que se estende a todo o país. É cinzento e finge paz. Atenção, achtung. Mesmo abatido pela chuva, atenção porque circulam dentro dele mil filamentos vorazes, teias de brigadas de trânsito, esquadras de polícia, tocas de legionários, postos da GNR, e em cada estação dessas, caserna ou guichet, está a imagem oficial de Salazar e bem à vista também há filas de retratos de políticos que andam a monte.
JOSÉ CARDOSO PIRES
A balada da praia dos cães
Alain era seu colega de turma há dois anos e tinham vivido momentos muito próximos fora da escola, mas, de facto, não o conhecia bem. Que quereria ele?
Rafa pressentia um elemento subtil de risco na proposta que o amigo lhe fez; no entanto a praia parecia ser vasta e turbulenta e, se não disparassem pelo mar fora em vigorosas braçadas, poderiam ficar enredados em rochas, algas e polvos.
Alain poderia estar certo: os tempos eram sombrios, viscosos e duros. Nadar para longe poderia ser melhor…
Mas a sua consciência de tudo isto ainda era muito incerta, o que lhe tolhia a decisão. A vida, à distância, continuava a parecer-lhe uma interminável sobreposição de tempos geológicos, esses que aprendia na escola e que nunca tinham contornos claros.

Nada parecia ser verdadeiramente urgente e, a sê-lo, verdadeiramente arriscado. Havia muito tempo para tudo. Até para desfazer o risco.
(Há uns dias caminhava na rua e viu a sede da Oposição aberta. Faltavam dias para as eleições. Instintivamente, entrou e pegou num maço de panfletos, perante o olhar perplexo de um companheiro de cinquenta anos, que espiava ansiosamente a porta. Distribuiu-os logo ali mais à frente, na esplanada de um café, à vista de todos. Demorou uns bons dois minutos e saiu sem olhar à volta. Se o tivesse feito teria avistado um homem cinzento a medi-lo fixamente de viés, com ar um tanto displicente, mas duro. Sobrou-lhe um irritante tremor no maxilar inferior, que ignorou.)
Eram ambos cabeludos e magros, como aliás a maioria dos jovens na altura. Fumavam muito, metiam-se a fundo nos projetos e eram sonhadores, muito embora com sentido prático.
Diziam que gostavam de alterar as coisas com pequenos gestos. Pequenos, mas apaixonados. Pois bem, assim seria.
Rafa olhou para cima, para o céu límpido sem nuvens, e pensou como seria bom se o olho de uma águia-real, a planar suavemente nas alturas, largasse uma lágrima de solda derretida que lhe furasse as sandálias, abrindo um furo com 3 metros de fundo, de onde pudesse extrair uns litros de cola, bebida rara, que era trocada com desvelo por dois maços de gitanes ou por uns goles de jack daniel’s, vindo à socapa da base americana na Terceira, que nessa altura fazia as vezes de pai natal.
O seu avô, em momentos de boa disposição, costumava contar uma piada simples.
Um soldador consertava um cano no teto, pendurado numa escada. Em baixo o colega ajudava-o, arregalando bem os olhos como se o outro fosse cego. Desprendeu-se um pingo de solda, que acertou em cheio na íris do olho esquerdo. A reação foi um desprendido «para a próxima vê se és mais cuidadoso, se fosse um martelo podia magoar-me a sério».
Contava isto várias vezes e riam-se sempre todos, com um arrepio de perplexidade. A lágrima de solda passou a ter propriedades mágicas, muito para além da metalurgia.
(Hoje, pensou Rafa, esta história não faria sentido. Os trabalhadores já não fazem redundâncias e as vidas não são partilhadas. Nem mesmo os cantoneiros, em que um deles costumava puxar de um cigarro e contar qualquer coisa como se fosse uma canção enquanto o outro trabalhava, ou raspava suavemente a berma da estrada, empurrando a solidão para a valeta. Aliás hoje já não há cantoneiros humanos, apesar de as estradas continuarem a ter bermas, que se enchem de papeis e plásticos, misturados com ervas secas.)
Pequenos gestos então, práticos mas apaixonados.
O penúltimo tinha vindo do próprio Alain há cerca de um ano no verão, em agosto, esse mês em que o mundo fica sem jeito, como se todos esperassem vivamente por alguma coisa radical que, de facto, nunca iria acontecer.
O calor fê-lo recuar retrospetivamente, como se os verões se tivessem colado. Teria acontecido mesmo ou estaria a sonhar?

Alain tinha-o convidado a passar uns dias na sua aldeia das Beiras, mergulhada na floresta, bem quente no verão e fria no inverno.
Clima continental, sabes?, a gente não sabe bem que fazer mas sendo dois há sempre coisas giras, sabes?, e há um rio onde se pode tomar banho, a água é fria mas suave como lã de caxemira, e há bailes ao fim-de-semana, organizados pelos bombeiros, e a rapariga que vende ao balcão da drogaria tem uns olhos bem azuis, sabes?, desses que são tão líquidos que parece que veem a nossa sombra, por vezes penso mesmo que é a sombra que nos ilumina através dos seus olhos.
«Linda, por que me olhas assim?», desesperava.
Bom, parece que olhava assim porque não estava verdadeiramente interessada na sua sombra, mas sim naquilo que havia muito para além dela.
O mar, por exemplo. Tinham acabado de levar o pai para o Centro Psiquiátrico, lá para os lados de Montemor, não o novo, mas o Velho, a caminho da Figueira da Foz, vítima de mais uma crise, soube mais tarde. Desta vez parecia ser sério.
Linda iria ter a possibilidade de ver o mar pela primeira vez.
Batiam as redondezas, usavam o rio como se fosse o mar, jogavam pingue-pongue na Associação 1º de Maio em intermináveis partidas que duravam a tarde inteira, apanhavam figos gordos e melosos, faziam delicadíssimas flautas com canas e canivetes afiados, pediam aos velhotes que lhes revelassem os sótãos e lhes dessem selos inúteis, de preferência antigos, que colocavam em bolsinhas de celofane que a Linda lhes arranjava, e procuravam pérolas de âmbar num terreno único que só Alain conhecia, fendido por longínquas contorções que tinham deixado os estratos sedimentares à vista.
Os selos e as pérolas de âmbar tomavam-lhes metade do tempo. Eram os seus sonhos de verão.

Identificavam selos de D. Luís utilizando um velho catálogo que o farmacêutico lhes emprestou, ainda colados nos envelopes e com as marcas dos carimbos, que por vezes os tornavam ilegíveis, quase imprestáveis.
(Gostava mais da silhueta de D. Luís, que era mais concentrada e usava bigode nos selos menos antigos. D. Pedro V tinha ar de menino, quase de puto. Os Ceres também o divertiam. Eram pomposos mas pobrezinhos, só disfarçados pelas cores mágicas. O mais valioso era verde-garrafa.)
Destacavam os selos com banhos de água tépida, guardando os envelopes que evocavam estranhas memórias de nomes, lugares e personalidades caligráficas, e secavam-nos em maciças listas telefónicas, de papel fino mas absorvente.
(Selos e envelopes contavam historietas do passado, dessas que as avós dizem aos netos quando os embalam. Eles próprios dormiam com as bolsinhas de celofane ao lado, e a primeira coisa que faziam de manhã era abri-las e cheirá-las. Cheiravam a mercearia da aldeia.)
As pérolas de âmbar conseguiam levá-los um pouco mais longe, provavelmente às florestas do Cretácico, com cerca de 100 milhões de anos.
Vinha num velho compêndio de botânica do farmacêutico, apesar de não haver imagens das árvores. (Se fosse hoje apareceriam improváveis cicadáceas e samambaias, essas, as dos dinossauros.)
Um grupo de arqueólogos tinha encontrado pedrinhas de âmbar decorativas em vestígios humanos do Bronze de há 4.000 anos atrás, perto da aldeia vizinha.
Não eram, no entanto, essas que procuravam. Eram as poucas que conseguiam encontrar num local secreto da Costa dos Fornos, assim chamada porque parecia ter sido escavada por rios, que deixaram à vista bizarras grutas onde passavam uma boa parte do tempo, com pequenas picaretas, pás e bornais.
As pérolas tinham insetos e folhinhas, que tentavam extrair com álcool e clorofórmio que a Linda lhes dava. (Chegaram a pensar ter visto um T. rex bebé, mas a manhã revelou-lhes uma forma diferente, que poderia ser a de uma distorcida formiga gigante.) Também as poliam e furavam, para fazer colares e pulseiras.

As pérolas tinham uma propriedade mágica: permitiam ver mundos perdidos com milhões de anos, quando as colocavam em fila num canudo e as apontavam ao sol. Funcionavam como os búzios gigantes que encontravam na praia, e que ainda ecoavam as ondas no ouvido quando chegavam a casa.
Um dia Linda pediu-lhe um colar de pérolas e sugeriu que gostaria de ir ao baile de sábado. Seria a primeira vez.
Embrulhou o colar da formiga no melhor cantinho de papel pardo que encontrou e olhou-a bem de frente, segurando-se para não cair no abismo azul.
Os seus olhos eram objetivos e simples, quase ternos, não parecendo preocupar-se com a sombra.
«Sim, Linda, também gostava de ir. Até aqui só dancei sozinho, no meu quarto. Pode ser que me ajudes. Vamos».
Disse-lhe, de mansinho, que a mãe a acompanhava, mas que ficaria sentada. Que esperava que ele não se importasse. «A minha mãe ficou muito só com a partida do pai.»
Alain não compareceu ao jantar desse dia. Tão pouco se encontrou com ele de manhã, que tinham destinado a mais uma caçada às pérolas.
De facto, nunca mais o viu durante as férias.
Teve a incómoda sensação de ter sido convidado por um realizador de teatro a ver o palco, e de ter sido largado sozinho perante o público, sem ensaio ou guião. Coçou várias vezes a cabeça e olhou de lado, num gesto automático que costumava alarmar os amigos.
Ninguém em casa sabia onde estava. Disseram-lhe vagamente que teria ido visitar uns tios na cidade. Podia ligar-lhe? Os tios não tinham telefone. (Deviam comunicar por morse, pensou.)
Procurou no rio, nas grutas, na Associação e na farmácia. Desesperado, perguntou a Linda se tinha alguma ideia.
«O Alain diz-me sempre que só olho para a sua sombra e que não o vejo a ele. Talvez tenha ido a um médico de sombras».
No sábado houve barraquinhas no largo da igreja e música no coreto. Nada que se parecesse ao seu jazz e muito menos ao seu amado soul sofrido, que agora lhe parecia triste e deslocado. Mas havia notas de James Brown e Otis Redding nos lamentos diacrónicos de clarinetes, trombones e trompetes.
Pareceu-lhe também, surpreendentemente, que Ray Charles lhe cantava baixinho ao ouvido “I got a woman” enquanto caminhava com Linda.
Ela parecia não ouvir, o que ele agradeceu. Usava um vestido branco e um sorriso ainda mais azul, que tinha o curioso efeito de fazer com que as amigas não parassem para tricotar duas palavras.
«Rafa, podíamos comer uma fartura». That´s good to me… so tenderly! «O quê, não queres?» «Quero, quero, baby… Linda!»
That´s good to me, Linda… don’t you understand…
«O quê, que disseste?» Good to me, Linda… Oh, yeah! «Nada, Linda».
Oh, yeah!
Sentaram-se à beira do coreto a ouvir. O saxo de Ray ainda lhe massajava suavemente os tímpanos. Ela deu-lhe a provar e ele trincou um bocadinho.
Tinha o sabor fresco e salgado das algas que se agarram às ancas nuas das mulheres na praia.
Dispararam aos patos na barraca de tiros e saiu-lhes um coelhinho de peluche. Ela atou-o à cintura. Ele afagou-o como se faz à criança do vizinho, e sentiu que era mesmo fofo.

She is my baby. «O quê, Rafa?»
«O teu cabelo também é assim?», murmurou.
«Tens de falar mais alto, Rafa». Gritou o que podia, por cima do gemido do fagote.
A única mulher música da filarmónica pareceu sorrir-lhe e apurou o clarinete.
À noite foi o baile.
Pareceu-lhe também, surpreendentemente, que Ray Charles lhe cantava baixinho ao ouvido “I got a woman” enquanto caminhava com Linda.
Ela parecia não ouvir, o que ele agradeceu. Usava um vestido branco e um sorriso ainda mais azul, que tinha o curioso efeito de fazer com que as amigas não parassem para tricotar duas palavras.
«Rafa, podíamos comer uma fartura». That´s good to me… so tenderly! «O quê, não queres?» «Quero, quero, baby… Linda!»
That´s good to me, Linda… don’t you understand…
«O quê, que disseste?» Good to me, Linda… Oh, yeah! «Nada, Linda».
Oh, yeah!
Sentaram-se à beira do coreto a ouvir. O saxo de Ray ainda lhe massajava suavemente os tímpanos. Ela deu-lhe a provar e ele trincou um bocadinho.
Tinha o sabor fresco e salgado das algas que se agarram às ancas nuas das mulheres na praia.
Dispararam aos patos na barraca de tiros e saiu-lhes um coelhinho de peluche. Ela atou-o à cintura. Ele afagou-o como se faz à criança do vizinho, e sentiu que era mesmo fofo.
She is my baby. «O quê, Rafa?»
«O teu cabelo também é assim?», murmurou.
«Tens de falar mais alto, Rafa». Gritou o que podia, por cima do gemido do fagote.
A única mulher música da filarmónica pareceu sorrir-lhe e apurou o clarinete.
À noite foi o baile.
O enorme salão dos bombeiros estava cheio, com camadas compactas de meninas, rapazes com brilhantina e, junto às paredes, mães e tias, discretas mas atentas.
Atentas mas discretas.
A orquestra era muito pequena e havia uma cantora, redondinha mas bonita, com uma longa cabeleira que lhe roçava a cintura e lábios muito vermelhos. Reparou que os cabelos, negros e brilhantes como o mogno, caiam todos pelo ombro esquerdo e que se entrançavam à frente sobre o cinto amarelo-mostarda.
Gostaria de saber como o conseguia. Um fio de prata com uma das suas pérolas poderia ajudar. Escolheria uma de âmbar puro, bem polido.
Quase beijava um micro redondo e felpudo, ligado a um quilómetro de fio amarelo pontuado a preto que serpenteava pelo palco ao acaso. Parecia uma anaconda.
Começou por cantar qualquer coisa que lhe soou a “Sou a princesa do verão e venho beijar-te”, mas não sabia ao certo, devido ao tilintar de groselhas, cervejas e pirolitos.
Ou seria “Vou à princesa do Marvão para a beijar”?
O bar era servido por uma mulher-bombeiro jovem, com os seus trinta anos. Estava fardada a rigor, mas sem capacete. Aplicava golpes suaves com um pequeno machado para abrir garrafas e conduzia o bar com urgência.
Linda sentou-se a um canto, com as mãos suavemente pousadas no colo, apertado por um vestido de seda natural azul-cinza. Os olhos eram agora mondeguinhos, que vertiam um líquido fluido pelas asas do nariz até aos cantinhos da boca, descendo em seguida pelo pescoço até ser reabsorvido pelas profundezas através do umbigo, depois de contornar duas cerejas.
O umbigo. De facto, era um om gravado num seixo. O colar de âmbar também estava no sítio e a formiga parecia maior do que nunca. O coelhinho tinha desaparecido.
Tinha ar de expressionismo abstrato e não parecia a Linda concreta da drogaria, admitiu agora. Ou talvez pudesse ser um reflexo dela no rio. Ou talvez Joan Miró lhe tenha caído no regaço, em voo picado de Barcelona, e tenha decidido usar as cores dos Ceres, do âmbar e da floresta cretácica.
Tão pouco parecia compatível com os bombeiros, pirolitos, tias, brilhantina e tudo o mais.

Não ali, de qualquer forma.
She is the kind of friend indeed… She knows the woman’s place…
Aproximou-se e ergueu-a. Precisava de ver se estava lá.
Um rapaz dos seus vinte e oito anos, com patilhas salientes e bigodes vagamente retorcidos, fitava-os tão fixamente que se desequilibrou e aterrou no colo de uma tia, encostando-a ainda mais à parede.
Mil desculpas e um convite para dançar. Formaram um dos pares mais gloriosos da noite, sólido, lento e compassado.
A noite passou depressa, a ponto de não se recordar precisamente do que aconteceu. Mas julga recordar-se das intensas notas de gerânio do aroma de Ísis que Linda costumava usar à noite, sempre que se encontravam todos para uma cerveja, do calor que se desprendia do seu corpo de mulher-menina quando o entrelaçava como uma tenaz e do toque de seda da sua face, colada à sua, principalmente quando punham um slow para que a cantora de mogno pausasse um pouco.
Nesses instantes os seus cérebros fundiam-se e simplesmente vagueavam por ali, dissolvidos no vácuo da suave existência injustificada, alheios a anacondas, patilhas e princesas do Marvão.
Não soube quanto tempo dançaram.
Julga lembrar-se, no entanto, que a tia de Linda se levantou e saiu do salão inúmeras vezes.
Que o rapaz das patilhas continuou a rodopiar com o seu par de sempre, cada vez mais audaz. Teriam colidido duas ou três vezes e quase caíram.
Que a mulher-bombeiro convidou a cantora para dançar durante as pausas, e que esta parecia esfuziante, chegando a enlaçar o pescoço firme da primeira com a sua longa trança.
E, mesmo, que teria avistado a silhueta de Alain através da janela, muito embora estivesse escuro lá fora.
That´s good to me… so tenderly!
Uma gralha grasnou estridentemente na árvore mais próxima, e Rafa voltou, lentamente, a sentir o chão bem firme debaixo dos pés.
Começou a ter a impressão de que Linda, afinal, poderia não trabalhar sempre na drogaria. Pressentiu mesmo que ela talvez fosse enfermeira no grande hospital da cidade onde tinha estado internado duas semanas, por ter partido as pernas quando aprendia a andar a cavalo.
Talvez a Linda da drogaria apenas ajudasse a família na loja quando estava em férias.
She is my baby.
Mas teria acontecido mesmo?
Ah, e o clube onde jogava futebol tem uma secção de pingue-pongue. Tac-tac. Tac-tac. As delicadas bolinhas passeiam-se por vezes pelo campo de futebol, irritando-os.
O pai de um amigo foi internado no Centro Psiquiátrico há uma semana.
O avô faz coleção de selos e dá-lhe os repetidos. Há muitos Ceres e alguns D. Luís.
O dono da farmácia tem uma grande paixão por botânica e uma enorme fila de livros, amparados por frascos e almofarizes.
She is the kind of friend indeed.
Linda.
Teria acontecido mesmo?
Olhou de novo para cima, para o céu límpido sem nuvens, e não avistou qualquer ave a planar, muito menos uma águia-real.
Pisava alcatrão e não havia furos, nem mesmo tocas de formigas.
O café vendia água do luso e provisórios.
O rádio estava alto e ouvia-se lá fora.
Parece que o presidente do conselho tinha ganho as eleições e que mandou a Oposição fechar as portas.
Um homem lá dentro, careca e acinzentado, lia um jornal, mas parecia fitá-lo fixamente de viés.
Rafa pensou que era altura de partir para fora e começou a pensar seriamente na proposta do amigo. O último gesto do amigo, prático e igualmente apaixonado.
Dirigiu-se à cabina telefónica mais próxima para falar com Alain. Era urgente. Tinha uma vaga ideia de como fazer as coisas, mas sabia que o amigo tinha um plano.
Abriu a carteira e viu quanto tinha. Precisaria de muito mais.
Acelerou o passo.
Esperava que Linda também viesse.
She is the kind of friend indeed.
A Linda-lojista ou a Linda-enfermeira, não importava. Falaria nisso a Alain ou daria um pulo ao hospital.
Pode contactar o autor através de: pratas-young@theyeofhorus.net