A estratégia da (in)tolerância por detrás de programas europeus

 A estratégia da (in)tolerância por detrás de programas europeus

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Łódź, Polónia. A questão dos refugiados é a mão que estende a cortina de silêncio sobre a qual está mergulhada a maioria das gentes polacas. O mesmo silêncio que é quebrado quando a conversa corre ao som de um Pop batido, na mesa do Abracadabra, um dos bares mais lotados da noite da cidade. Os braços abriram-se para receber os que chegaram fugidos do conflito na Ucrânia: “a língua é parecida, assim como a religião”. E os que são obrigados a abandonar o Médio Oriente? O ar calmo rapidamente se transforma em desconforto, a sobrancelha franze, o lábio superior treme. “Os muçulmanos são demasiado diferentes para se misturar connosco”, argumentam. E o tema é capa de jornais e revistas.

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A aversão é alimentada pelo governo. Numa entrevista à agência Efe, Witold Waszczykowski, ministro dos negócios estrangeiros polaco, associa o terrorismo aos refugiados vindos de países islâmicos. Reforça a posição de que é impensável integrar imigrantes cuja língua e cultura divergem da polaca, alegando o caráter homogéneo que define a sociedade da qual não fazem parte “minorias”. Waszczykowski esconde-se por detrás dos “mais de 1,25 milhões de vistos” concedidos aos refugiados ucranianos para fortalecer a imagem do país. Enfatiza que “650 mil” estão autorizados a trabalhar. Dados que descredibilizam qualquer teoria que ponha em causa a solidariedade da Polónia quando estão em causa milhares de famílias, crianças, mulheres, homens que a guerra da Síria ou a violência do Iraque obrigaram a fugir.

A aversão é alimentada pelo governo. Numa entrevista à agência Efe, Witold Waszczykowski, ministro dos negócios estrangeiros polaco, associa o terrorismo aos refugiados vindos de países islâmicos. Reforça a posição de que é impensável integrar imigrantes cuja língua e cultura divergem da polaca, alegando o caráter homogéneo que define a sociedade da qual não fazem parte “minorias”. Waszczykowski esconde-se por detrás dos “mais de 1,25 milhões de vistos” concedidos aos refugiados ucranianos para fortalecer a imagem do país. Enfatiza que “650 mil” estão autorizados a trabalhar. Dados que descredibilizam qualquer teoria que ponha em causa a solidariedade da Polónia quando estão em causa milhares de famílias, crianças, mulheres, homens que a guerra da Síria ou a violência do Iraque obrigaram a fugir.

Movidos por sentimentos e objetivos diferentes, mas não indiferentes ao modo como são olhados, recebidos e compreendidos, os alunos Erasmus que todos os anos procuram o país e a cidade onde agora nos encontramos, vivem e enfrentam também a experiência de habitar por uns meses um território livremente escolhido, mas onde, vão depois descobrir, a liberdade de escolha e o respeito pela diferença estão longe de ser uma realidade conquistada.

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Mudam-se os tempos, mudam-se as personagens

As ruas estão cobertas por um manto branco e macio. Sobre ele, as marcas deixadas pelas diversas solas que por aqui caminham. Pegadas que se distinguem apenas pelo tamanho. Várias se estendem, em fila, até aos principais acessos das faculdades. As portas abrem e impedem a passagem do frio cortante que paira por toda a cidade. Pequenos grupos de estudantes estendem-se ao longo dos corredores tornando-os ainda mais estreitos. Trocam-se olhares e cochichos que ninguém entende. Na língua nativa diz-se o que se pensa. Fala-se inglês para expressar o que se quer dizer.

Não é outro quadro senão a pintura autêntica do ambiente que se vive na Universidade de Łódź (UL), uma cidade no centro da Polónia com cerca de 700 mil habitantes, oito por cento deles estudantes universitários. A uma distância de 137 km da capital [Varsóvia], Łódź possui uma estrutura que parece ocupar um âmbito próprio: um intercalar de edifícios que espelham esquecimento, negligência e abandono com estruturas modernas, que prendem o olhar e estimulam a curiosidade. Espaços vedados aos vícios do tempo, até aos hábitos dos pássaros, como as faculdades, o teatro ou a ópera. Os quase cinco quilómetros, sob os quais se estende a rua Piotrkowska, coração da cidade, irradiam o contraste.

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Saba usa burca e não abdica dela. Sente os olhares curiosos de todos por quem passa.  “Sei que o mesmo aconteceria no meu país se uma mulher loira passeasse em calções”, remata convicta. Todos lhe disseram para não vir. Encontraria uma Polónia racista. Seria confrontada por grupos de “bichos-papões” polacos, caso andasse de transportes públicos sozinha. Não ouviu ninguém. Foi a melhor decisão.

Perdeu a conta ao número de episódios que a fizeram quebrar todas as ideias que concebera previamente: desde a rapariga que a orientou até à faculdade, passando pelo sapateiro que lhe arranjou o fecho da mala sem qualquer custo, até à velha que lhe salvou a vida no momento em que o ‘tram’ atravessava a linha. “Apenas” um deu razão ao que ouvira antes de embarcar nesta aventura: Saba não vive num dormitório porque o facto de ser muçulmana fez com que uma rapariga negasse a partilha de quarto. Decidiu ir procurar um apartamento. Não foi motivo para se sentir vítima de racismo: “Eu sou muçulmana, uso burca e toda a gente que olhe para mim pressupõe que sou da Índia ou do Paquistão. Se fosse racismo, creio que não tinha enfrentado apenas um incidente deste género”.

Anthony sente-se um afortunado, do ponto de vista cultural. A pele é clara e o sotaque italiano. Privilegia o uso de camisas e bom calçado. Não descarta as grandes marcas. Estuda economia de mercados e intermediários financeiros. Os óculos, por detrás dos quais se escondem os pequenos olhos castanhos, conferem-lhe um ar intelectual. Não é um potencial alvo do preconceito, mas lamenta os episódios que tem vindo a testemunhar: russos barrados por seguranças à porta de discotecas, como de animais se tratassem, por terem cometido o delito de falar em russo; italianos intersetados na rua por grupos de polacos que lhes perguntaram se eram muçulmanos.

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“Não eram e escaparam”, conta. Mas… e se fossem?

Vários são os incidentes com grupos de movimentos nacionalistas que mancham a calçada das principais cidades polacas que acolhem estudantes de Erasmus. A mesma calçada que outrora fora palco de tragédias humanas do mais horrível que alguma vez foi escrito nos compêndios da história contemporânea.

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A vida do estudante Erasmus

Ganha-se autonomia, contacta-se com outras culturas, melhora-se o inglês. Viajar nunca foi tão acessível dada a posição estratégica ocupada pela Polónia na Europa: Alemanha, Hungria, República Checa, Lituânia estão à distância de cerca de 50 PLN (aproximadamente 12 euros) de autocarro. As aulas são práticas. Os professores apelam ao convívio, à partilha de costumes e ideias. Pouco se debruçam sobre a teoria. A maioria deixa claro que não contabiliza presenças, mas que elas são necessárias. O custo de vida é inferior ao de Portugal. Em Coimbra, um estudante que opte por passe de autocarro paga, mensalmente, 22 euros. Cenário que se torna mais aliciante em Łódź: 16,66 euros. Após 10 meses (setembro a junho) contam-se 53,4 euros de diferença.

Estudantes alojados em dormitórios pagam, em média, 100 euros por mês. Segundo o site oficial, a UL “oferece acomodação em 11 residências com cerca de 4500 instalações residenciais (quartos individuais e duplos) ”. Num dormitório privado, um quarto duplo custa cerca de 150 euros por pessoa. Ou seja, 300 euros por mês, no total. Quanto a apartamentos, o valor ronda, em média, os 180 euros por mês (imaginemos um T4: 720 euros).

A comunidade muçulmana é frequentemente relacionada com episódios terroristas, os imigrantes vistos como portadores dos mais perigosos parasitas. Como pode um país que se diz não ser aberto nem estar pronto para receber “pessoas diferentes” incentivar a adesão ao programa Erasmus?

Yaryna Stefyuk optou por fazer Erasmus na UL por esta oferecer um sistema educacional “completamente diferente” do da Ucrânia: os exames não caem aos “milhões” e “aqui aprender é mais fácil”. O facto do nível de educação dos professores para com o alunos ser superior e o custo do nível de vida ser inferior foram outros fatores fulcrais. No caso de Anthony, Saba e Emre também o ‘learning agreement’ e os fatores económicos tiveram um papel hegemónico na hora da decisão. Os grandes objetivos passavam por saber qual a sensação de ganhar asas, voar para longe e sair da zona de conforto. Conviver com outros costumes, descobrir o mundo para além da rotina e adquirir outros saberes eram a prioridade.

“Erasmus-Orgasmus”. É assim que Piotr o descreve. Ir “estudar” para outro país tornou-se um pretexto para calar o verdadeiro propósito: bebedeiras, sexo, festas. Concorda que o programa fomenta a partilha de ideias e pontos de vista. Para o jovem polaco, trata-se do único ponto positivo. “A qualidade da educação em Erasmus é cada vez menor. O sistema falha bastante e os alunos deixaram de ser críticos”, defende.

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(In)tolerância estratégica?

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Izabela Desperak esclarece que o único critério tido em conta para ser professor em turmas de estudantes estrangeiros é o domínio da língua. Estarão todos os professores polacos poliglotas dispostos a inserirem-se no contexto de cada país, cultura e tradição que se senta à sua frente? Ou, mais do que a língua, será o preconceito (xenofobia, racismo, homofobia) o principal fator ponderado na hora da seleção? Nas aulas de Erasmus fala-se sobre escolhas sexuais e diferenças de poder. O curso de género está disponível para estudantes internacionais, mas foi banido da lista de opções disponível para os alunos polacos. “Aparece como não sendo aceite pelas autoridades da universidade. Provavelmente é um dos resultados dos movimentos anti género. Eu espero que seja temporário”, comenta Izabela Desperak.

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Seja como for, ninguém pode garantir que assim será. As dúvidas têm toda a razão de ser, sobretudo quando, a um outro nível, mas indiciador de uma certa intolerância que parece não querer abrandar, o rol de declarações polémicas que o partido Lei e Justiça tece relativamente ao programa de realocação de refugiados da União Europeia tende a crescer.

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A comunidade muçulmana é frequentemente relacionada com episódios terroristas, os imigrantes vistos como portadores dos mais perigosos parasitas. Como pode um país que se diz não ser aberto nem estar pronto para receber “pessoas diferentes” incentivar a adesão ao programa Erasmus? “Ajuda na internacionalização da universidade e contribui para o crescimento da economia”, aponta Anthony.

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O que a História separa, a economia aproxima

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Segundo Karolina Antolak, membro da ‘Erasmus Student Network’ (ESN), cerca de 700 alunos de Erasmus estão a estudar na UL e 260 no Politécnico. Não contemplando a alimentação e as compras diárias, multiplique-se os números acima a um total de 960 estudantes, aproximadamente. Trata-se de jovens, vindos de vários pontos do globo, que diariamente, durante um ou dois semestres, dinamizam a economia local que, desde 1991, se tem vindo a desenvolver a um nível anual médio de 4% (sem qualquer período de crescimento negativo desde então).

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As festas são comuns, a noite é barata e o sexo é fácil. A liberdade é, para muitos, uma novidade. A busca de autonomia, do aperfeiçoamento do inglês e do contacto com outras culturas é uma constante. A dedicação dos professores à multiculturalidade e ao combate à xenofobia é visível. As viagens a custos reduzidos, o ensino ‘soft’ e o crescimento pessoal são tão reais quanto o frio que teima em aumentar. São poucas as palavras que um estudante que faça Erasmus na Polónia recruta para o seu dicionário pessoal. Os polacos são, efetivamente, pessoas distantes, reticentes a tudo o que foge do padrão. A cor da pele, a religião, o modo de vestir… importa. Muitas das cicatrizes deixadas por um passado recente ainda não sararam. Tudo o que ameace perturbar o status quo geopolítico gera desconfiança, inquietação, dúvidas, até alguma repulsa.

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01/06/2018

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Inês Neves

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