A Europa terá problemas sérios se a importação de gás russo acabar

 A Europa terá problemas sérios se a importação de gás russo acabar

(BBC / Getty Images)

Quando os países ditos do Ocidente, em que se incluem os da União Europeia (UE), decretaram sanções económicas à Rússia, mercê da sua despudorada invasão da Ucrânia, deixaram de fora o negócio do gás. Porém, esqueceram ou fizeram de conta que a Rússia também não olha a meios para conseguir os seus objetivos estratégicos e económicos.  

Agora os observadores – professores e consultores – anotam a perplexidade dos decisores políticos europeus com o encerramento até hoje (21 de julho), para manutenção do Nord Stream, o principal gasoduto que faz a ligação da Rússia à Europa. E vaticinam que, se o gasoduto não reabrir, “a Europa poderá tremer de frio e a economia irá ressentir-se”, uma vez que as alternativas em curso não são suficientes para colmatar os efeitos.

(pt.euronews.com)

O risco de não reabertura ou de mais um encerramento temporário do Nord Stream não é despiciendo, já que, desde o início da guerra na Ucrânia, a Gazprom tem reduzido o abastecimento de gás a Berlim, colocando em causa o abastecimento para o inverno e obrigando o bloco europeu a procurar alternativas. É este o alerta de Rui Baptista, professor do Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), para quem o fim da importação de gás proveniente da Rússia pode ter graves consequências, levando a maior economia europeia (a alemã) à recessão e com efeitos em toda a Europa. E, de acordo com o severo cenário desenhado pela Comissão Europeia (CE), constante do plano de emergência para julho – “Poupar gás para um inverno seguro” –, um corte definitivo roubaria 1,5% ao produto interno bruto (PIB) europeu.

Os países europeus preparam medidas de minimização dos impactos. Entre elas, contam-se a reativação das centrais a carvão – o que representa um retrocesso na estratégia das ações contra as alterações climáticas

Por sua vez, Carlos Santos Silva, professor de ambiente e energia do departamento de engenharia mecânica do Instituto Superior Técnico (IST), considera que, “se for problema de manutenção, não há problema nenhum, o fluxo será reposto”, mas adverte que o Nord Stream é uma poderosa arma política da Rússia. E a não reabertura ou o encerramento da torneira de gás russo por muitos dias pode comprometer os abastecimentos para o inverno.

(Wikipédia)

Simulações da CE e dos operadores do sistema de gás mostram que um corte nas importações russas, em julho, significaria que as reservas da UE ficariam preenchidas entre 65 a 71%, no início de novembro, abaixo da meta de 80% necessária para o inverno, o que significa um lacuna de 30 mil milhões de metros cúbicos de gás (bcm, na sigla inglesa), num cenário de inverno com temperaturas dentro da média; e um fornecimento de gás natural liquefeito alto, sugerindo um risco muito alto de stocks vazios em vários Estados-membros, já em abril de 2023.

Por isso, os países europeus preparam medidas de minimização dos impactos. Entre elas, contam-se a reativação das centrais a carvão – o que representa um retrocesso na estratégia das ações contra as alterações climáticas – e o racionamento, a opção mais popular entre os Estados-membros. 

Na Alemanha, um terço do gás vai para a indústria, quase metade é para os residentes e uma parte significativa aplica-se na produção de eletricidade. Em termos de política energética, a prioridade é sempre atender às pessoas e, só depois, à indústria, o que, a verificar-se, depauperaria a economia alemã.

(www.dw.com)

Assim, na Alemanha, se for decretada situação de emergência, o regulador da energia controlará a distribuição e, embora os serviços essenciais, como os hospitais, não sejam afetados, os consumidores poderão ver limitada a utilização dos aquecedores e dos esquentadores e poderá a indústria ver limitado o seu abastecimento de energia. Já há municípios alemães a racionar água quente, a diminuir a intensidade da iluminação pública e a encher as piscinas com água fria.

A crise energética emerge fortemente no conflito da Ucrânia. Na verdade, como refere Victor Moure, country manager Portugal da Schneider Electric, a UE consome aproximadamente de 260 bcm de gás, importando da Rússia cerca de 40%, ou seja, 155 bcm, pelo que é incerto que “a Europa seja capaz de garantir stock suficiente com a atual dependência do gás”, mesmo que as alternativas anunciadas, como o abastecimento da Noruega ou de Israel, sejam postas em curso. Com efeito, como diz Rui Baptista, o fornecimento de gás da Noruega, via gasoduto, aumentou mais de 8% só no primeiro semestre de 2022, mas, embora haja alguma flexibilidade técnica, “o aumento de produção e de escoamento não é um processo suficientemente elástico para aumentar de um dia para o outro a produção de volumes significativos de gás”, até porque a produção em Oslo “não é suficiente para colmatar a redução do abastecimento da Rússia”. 

(Wikiwand)

O mesmo se diga do abastecimento de Israel, através do Egipto, que também “não será relevante”, dado que a produção de gás israelita provém essencialmente de dois campos offshore (Leviathan, com a produção de cerca de 12 bcm por ano, e Tamar, com menos de 10 bcm), estando em fase de arranque a produção num conjunto de pequenos campos (Karish, Karish North e Tanin).

E, ainda que se considere o aumento das importações de países como a Argélia, o Catar ou a Nigéria, há limitações no transporte, na capacidade de o receber no porto e de o introduzir nos gasodutos.

O encerramento de gás russo abre portas para o reforço da aposta nas energias renováveis e em políticas de eficiência energética

Assim se percebe que a solução não consiste só em encontrar outras fontes de gás ou outras regiões, mas é preciso outro tipo de medidas. A isto, o primeiro-ministro de Portugal diz que está a ser montada, no Porto de Sines, uma operação de logística que aumenta a capacidade de transbordo (transshipment) para acelerar o fornecimento de gás natural aos países que dependem da Rússia, o que, para Carlos Santos Silva, “pode ter um impacto direto”, pois, “ao aumentarmos a nossa capacidade, estamos a aumentar a capacidade da Europa de receber gás de outras fontes”. No entanto, a curto prazo, esta solução não será “compaginável com as carências europeias”.

E o encerramento de gás russo abre portas para o reforço da aposta nas energias renováveis e em políticas de eficiência energética, visto que “estamos a viver um novo paradigma onde a procura já não é a rainha do jogo, mas sim a oferta”, diz Victor Moure, explanando: “O que temos a fazer é reconhecer com urgência a necessidade de investir na produção renovável local, tomar medidas para reduzir o consumo das indústrias e de edifícios terciários e residenciais, flexibilizar a rede para poder atuar sobre ela em tempo real e adaptar a oferta à procura com digitalização e eletrificação para reduzir as emissões de CO2”. E, neste campo, a sublinhar que há oportunidades em Portugal, graças aos recursos hídricos, solares, eólicos e outros, podendo o país desempenhar um papel fundamental devido à sua posição geográfica e estratégica. O responsável da Schneider Electric avança, ainda, que “o número de horas de sol de que usufruímos nos torna um aliado exportador de hidrogénio, uma vez que a infraestrutura de distribuição de gás já disponível pode ser utilizada para o transportar” – aposta de médio prazo em que “temos de começar a trabalhar agora, se quisermos cumprir os objetivos de 2050”.

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E, por se falar em fontes renováveis, é de registar que a Dourogás, ora envolvida em projetos de hidrogénio verde de 300 milhões de euros, diz ter cinco milhões para investir projetos de biometano, tendo agora iniciado (a 19 de julho) o seu caminho na rede de gás, na Unidade Autónoma de Gaseificação (UAG) de Cachão / Centro de Competências de H2 e Gases Renováveis.

Aldeia do Cachão é a primeira localidade portuguesa a ser abastecida com gás renovável. (Direitos reservados)

Trata-se de um gás produzido a partir de fonte renovável que pode substituir o gás natural e que é injetado na rede de gás portuguesa. Porém, apesar de este ser o protagonista do momento, a Dourogás tem outro gás renovável em carteira e, em conjunto com a Lightsource BP, tem projetos de 300 milhões na área do hidrogénio verde.

Para já, no aterro sanitário de Urjais, no concelho de Mirandela e distrito de Bragança, está instalado um sistema de purificação de biogás para biometano, que até agora foi usado, sobretudo para mobilidade, pelos 40 camiões da Resíduos do Nordeste, que recolhem o lixo e usam o gás produzido a partir dos resíduos para se moverem. Ora, como ainda sobra, será, doravante, injetado na rede de gás. Para tanto, a empresa montou um equipamento que permite a injeção e faz o controlo da qualidade e do poder calorífico do biometano, a fim de garantir a sua adequação aos consumidores. É um tubo que leva o gás do aterro sanitário ao complexo agroindustrial do Cachão, em Urjais, donde abastecerá 10 clientes industriais e 80 clientes domésticos, cujo equipamento está preparado para receber biometano, pois este não exige adaptações face ao gás natural. Mas, como é a primeira injeção, a Dourogás julga prudente ir injetando uma percentagem crescente, esperando estar, no fim do ano, a abastecer estes clientes com 100% de biometano.

E a empresa promete prosseguir com a produção em escala. Já tem um plano para a ETAR (estação de tratamento de águas residuais) de Bragança, com o projeto recentemente aprovado. Na ETAR de Loures e Frielas, possui um sistema entre quatro a cinco vezes maior do que o de Urjais, capaz de abastecer até 40% do consumo de gás da Carris.

Como foi apontado, também o hidrogénio verde está na agenda da Dourogás e da Lightsource BP. Estão em carteira oito projetos de hidrogénio, num conjunto de 200 megawatts (MW) de potência instalada de eletrolisadores (podendo chegar aos 400 megawatts), que estarão espalhados por todo o país, em localidades próximas das válvulas da rede de gás.

O primeiro projeto e o mais avançado, neste momento, está ancorado em Monforte. Tem 5 MW de potência instalada e está em fase de adjudicação. Os restantes possuem as autorizações necessárias – ambientais e camarárias –, sendo o momento para avançar “uma questão de decisão de investimento”.

Crê Nuno Moreira, presidente da Dourogás, que estamos no caminho de Portugal deixar de ser “importador de gás natural” e passar a “ser produtor, e até exportador, de gases renováveis”.

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Também é notícia que a Iberdrola inaugurou, na segunda-feira (18 de julho), o complexo hidroelétrico do Tâmega (Sistema Electroprodutor do Tâmega – SET), um projeto de 1500 milhões de euros, composto por três centrais, somando uma potência de 1158 megawatts (MW), distribuídos pelos 880 MW de Gouvães (no rio Torno), e, a uma cota mais baixa, pelos 160 MW do Alto Tâmega e 118 MW de Daivões.

(tamega.iberdrola.pt)

O coração do complexo está em Gouvães, com sistema de bombagem ligado a Daivões (340 hectares), que permite recuperar água deste reservatório a jusante para o reservatório a montante (Gouvães), com mais de 170 hectares (ha). A central do Alto Tâmega, a otimizar a gestão da água é a barragem mais alta (106 metros) e a que terá a maior albufeira (mais de 460 ha). Assim, a empresa conseguirá gerir a água armazenada nas três albufeiras e reutilizá-la em sucessivos ciclos, mercê do sistema de bombagem da central mais potente, a de Gouvães, processo que tem um consumo intensivo de eletricidade, mas permite aproveitar períodos de abundante energia renovável (eólica ou solar), com preços mais baixos, para turbinar a preços mais altos. No entanto, embora seja um dos maiores investimentos de sempre na energia em Portugal, a capacidade de armazenagem do Tâmega (cerca de 200 milhões de metros cúbicos – m3) está longe dos volumes de outras albufeiras, como Alqueva (quatro mil milhões de m3), Baixo Sabor (mil milhões de m3) ou Castelo de Bode (900 milhões de m3), mas a capacidade de bombagem desses empreendimentos é menor.  

Além disso, a empresa anunciou no mesmo dia, em Ribeira de Pena, mais 1500 milhões de euros de investimento em Portugal em parques eólicos, centrais fotovoltaicas e hidrogénio verde, este último classificado da “maior importância” pelo primeiro-ministro.

Assim, diversifica as fontes de energia, evitando a importação de mais de 160 mil toneladas de petróleo por ano, e combate às alterações climáticas, evitando a emissão de 1,2 milhões de toneladas de COpor ano.

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Enfim, a diversificação de recursos e de fontes de produção e de abastecimento é sempre uma boa opção, não deixando as comunidades dependentes de uma só fonte ou recurso, o que pode, em tempo de crise, ser dramático. Assim, com a atenção posta no petróleo como o grande recurso angolano, com a crise petrolífera, a economia angolana capitulou. Em Portugal, com a quase monocultura massiva do pinho e do eucalipto, temos uma floresta que nada mais faz que arder. E, com a dependência do gás russo, a Europa está com as palhas à cinta. Diversificar é urgente!

21/07/2022

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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