A garrafa vazia
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“Rio Largo De Profundis” é uma cantiga de José Afonso (Zeca), incluída no LP “Venham Mais Cinco” (de 1973), cujo primeiro verso é o inesquecível “A garrafa vazia de Manuel Maria“. Cito esta letra por saber que a esmagadora maioria dos portugueses já ouviu essa quase misteriosa estrofe do “Rio Largo De Profundis“: “A garrafa vazia de Manuel Maria / A garrafa vazia de Manuel Maria / De Manuel Maria / De Manuel Maria / A garrafa vazia de Manuel Maria / A garrafa vazia de Manuel Maria.”
Há dias, de passagem pela mercearia fina onde compro pão transmontano feito com aquele fermento bom a que chamam massa-mãe, descobri que há garrafas de vinho que parecem cheias e por abrir. Na verdade, são garrafas rolhadas e seladas, mas vazias.
Estas garrafas servem para ser expostas nas montras das mercearias finas e noutros espaços comerciais especializados, sem que dessa exposição publicitária resulte o desperdício do vinho, que seguramente aconteceria, caso fosse sujeito a constantes variações de temperatura.
Com rótulos iguais aos das garrafas que representam, rolhadas e com os materiais que selam as rolhas, tais quais os das garrafas dessas colheitas, as falsas garrafas cheias dificilmente são descobertas como vazias, pois até parecem tão pesadas quanto as cheias, na avaliação de quem possa pegar fisicamente numa desses monos.
Dizem-me que o vidro utilizado nessas falsas garrafas cheias é mais grosso e, como tal, mais pesado do que o vidro de uma garrafa normal, numa opção claramente assumida para que a imitação seja quase perfeita e passe, naturalmente, no crivo de quem as olha com ou sem vontade de as comprar.
Perante esta descoberta, dei por mim a reconhecer que, muitas vezes, critiquei (sei agora que injustamente) os comerciantes que expunham, ao sol das respectivas montras, boas garrafas de vinho, sem acautelar o próprio vinho, que se estragaria face aos efeitos das amplitudes térmicas próprias de uma montra.
A facilidade e a precipitação com que emitimos opinião sobre tudo e, sobretudo, sobre assuntos que desconhecemos é uma das fontes das desinformações que nos envolvem. Muitas vezes, a garrafa que parece cheia está vazia e não por ter sido bebida como a “garrafa vazia de Manuel Maria / de Manuel Maria / de Manuel Maria”.
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(*) Artigo no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.
18/07/2022