A iliteracia geológica dos Portugueses

 A iliteracia geológica dos Portugueses

(© Energía Hoy)

Não é a primeira nem a segunda, nem a terceira vez que “mexo nesta ferida”. Fi-lo aqui e continuarei a fazê-lo, até que quem de competência, direito e obrigação lhe dê o necessário e urgente tratamento.

Numa apreciação deste teor, é forçoso começar por ressalvar as excepções que sempre existem. Dito isto, já posso dizer que, num país como Portugal, onde a investigação científica e o ensino superior da Geologia estão ao nível dos que caracterizam os países mais avançados, é confrangedor assistir à iliteracia neste domínio (e não só) da quase totalidade dos Portugueses. Isto acontece porque, mercê dos programas, dos manuais usados, das orientações superiores e do tipo de exames em uso, os professores, em vez de poderem ensinar e formar cidadãos conscientes do mundo físico em que vivem, são levados a “amestrar” os alunos a acertar nas questões que lhes são colocadas nos exames. Isto é bom para os rankings e para as estatísticas, mas é mau para os alunos e para o País.

(dererummundi.blogspot.com)

De há muito que venho alertando, em textos escritos e em conversas públicas, para a pouca importância dada ao ensino da Geologia nas nossas escolas. Isto porque, em minha opinião, quem decide sobre o maior ou menor interesse das matérias curriculares parece desconhecer que a Geologia e as tecnologias com ela relacionadas estão entre os principais pilares sobre os quais assentam a sociedade moderna, o progresso e o bem-estar social. As minhas repetidas e insistentes diligências junto dos sucessivos governantes, no sentido de inverter esta deplorável situação, nunca surtiu efeito, o que é desesperante e lamentável.

A verdade é que os nossos presidentes da República, ministros e secretários de Estado não conhecem a Natureza nem a história do chão que pisam e no qual assentam as fundações dos edifícios onde vivem e trabalham e, muito menos, as do país que percorrem. O mesmo se passando (com uma ou duas excepções) com os nossos autarcas, dos presidentes de câmara aos vereadores. A verdade é que esta iliteracia percorre todo o tecido social português, dos governantes aos mais humildes governados, dos generais e almirantes aos soldados e marinheiros, dos médicos e enfermeiros aos auxiliares de saúde, dos industriais aos operários, dos comerciantes aos funcionários públicos, dos artistas de todas as artes aos jornalistas, politólogos e comentadores de serviço, dos terratenentes ao operariado rural, dos juristas e economistas aos motoristas de táxi e jogadores de futebol. É um mal nacional que vem do passado e que se repete a cada geração. É um círculo vicioso que tem de ser rompido. E é ao nível da Escola que tem de ter lugar essa rotura.

(© Alagamares)

Mas, na Escola, a par do condicionalismo atrás referido, os professores estão sobrecarregados com tarefas administrativas e outras de que deveriam estar rigorosamente libertos. Estão mal pagos e muitos deles vivem longe das famílias ou perdem horas nos caminhos diários de ida e volta a casa e a contarem os tostões. Estão desmotivados e cada vez há menos candidatos a esta nobre profissão. Também é cada vez maior o número de professores a pedirem a reforma.

Neste contexto, é preciso dizer, claramente, que, a par dos muito bons e excelentes professores, num dos extremos deste universo, há os francamente maus, no outro extremo, instalados na confortável situação de emprego garantido até à reforma. Isto acontece porque a preparação científica e pedagógica dos professores (que deixa muito a desejar) não tem sido devidamente testada, através de processos de avaliação a sério, criteriosamente regulados, por avaliadores devidamente credenciados. Processos que uns não temem e aceitam, e outros repudiam e combatem. Neste problema das avaliações, os sindicatos, nivelando, por igual e por baixo, os bons e os maus professores, têm grande responsabilidade.

(galopinices.blogspot.com)

É, pois, urgente olhar para esta realidade e que haja vontade política (despida de constrangimentos partidários) para promover uma profunda avaliação e consequente reformulação desta que é uma das mais importantes pastas da governação.

15/09/2022

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A. M. Galopim Carvalho

Professor universitário jubilado. É doutorado em Sedimentologia, pela Universidade de Paris; em Geologia, pela Universidade de Lisboa; e “honoris causa”, pela Universidade de Évora. Escritor e divulgador de Ciência.

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