A Lei de Bases do Sistema Educativo fez 36 anos

 A Lei de Bases do Sistema Educativo fez 36 anos

(© RTP)

A Lei Bases do Sistema Educativo (LBSE), aprovada pela Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, e publicada precisamente a 14 de outubro de 1986 (já passou o seu 36.º aniversário), estabelece o quadro geral do sistema educativo nacional.

Haviam sido apresentados à Assembleia da República (AR), discutidos e votados favoravelmente, na generalidade, cinco projetos de lei, oriundos dos seguintes partidos: Partido Social Democrata (PSD), Partido Socialista (PS), Partido Renovador Democrático (PRD), Partido Comunista Português (PCP) e Movimento Democrático Português/Comissão Democrática Eleitoral (MDP/CDE). Após dois meses de trabalho em subcomissão criada pela Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, a LBSE foi aprovada com os votos do PCP, do PRD, do PS e do PSD. Votou contra o Centro Democrático Social (CDS) e abstiveram-se o MDP/CDE e os deputados do PS António José Seguro e José Apolinário (da Juventude Socialista).

Créditos fotográficos: www.picjumbo.com (Pixabay)

Com 64 artigos, divididos por nove capítulos, foi aprovada a 24 de julho e promulgada pelo Presidente da República, Mário Soares, a 23 de setembro, em Guimarães (no quadro da primeira Presidência Aberta), a LBSE, que havia sido reclamada depois do 25 de abril de 1974, com várias tentativas de aprovação na AR, entre 1980 e 1984 (12 projetos de lei), mas sem sucesso.

Entretanto, sem um partido ou coligação com maioria parlamentar, mas com um governo minoritário do PSD, a AR levava a cabo o processo de aprovação da LBSE, resultante de maior protagonismo da AR e de processo negocial interpartidário que, incluindo o PSD, atribuiu menor centralidade ao X Governo. Todavia, este antecipara-se à aprovação da LBSE com a criação da Comissão de Reforma do Sistema Educativo (CRSE), sendo ministro da Educação e Cultura João de Deus Pinheiro e, a partir de agosto de 1987, com o XI Governo; de maioria absoluta do PSD, sendo ministro da Educação Roberto Carneiro. Foi diferenciada a relação deles com a CRSE, vindo o primeiro a ter, mais tarde, pena de que essa reforma não tivesse prosseguido, e o segundo, que integrara um dos grupos de trabalho da CRSE, relativo à “reforma curricular”, a reconhecer diferenças de conceções e de pensamento entre a CRSE e a equipa do Ministério da Educação, mesmo com certa colisão protagonizada pelo então secretário de Estado, Pedro da Cunha.

Sem um partido ou coligação com maioria parlamentar, mas com um governo minoritário do PSD, a AR levava a cabo o processo de aprovação da LBSE

A CRSE foi criada a 26 de dezembro de 1985, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/86, devendo “iniciar de imediato” os trabalhos e tendo o prazo de 60 dias a partir da sua constituição para apresentar o projeto global das atividades a realizar, seguido de 12 meses, durante os quais “promoverá os estudos… e procederá às diligências necessárias à preparação dos projetos de diploma legais consequentes”, e mais 12 meses para elaborar “os programas de aplicação” e para proceder ao “acompanhamento possível da sua execução”. Não há referência a futura LBSE ou a forma de articulação entre a CRSE e o processo parlamentar, assim se assumindo o pressuposto de que uma reforma global e coerente das estruturas, métodos e conteúdos do sistema não exigiria a prévia aprovação de uma LBSE, o que retiraria margem de manobra à iniciativa governamental.

Educação (portugal.gov.pt)

Porém, o Governo não podia desconhecer a dinâmica de apresentação de projetos de lei por parte dos partidos políticos, iniciada antes da criação da CRSE.

A CRSE, composta por 11 individualidades, foi nomeada por despacho conjunto da Presidência do Conselho de Ministros e do ministro da Educação e Cultura, a 13 de fevereiro de 1986. A posse ocorreu a 18 de março, após a entrada dos ditos cinco projetos de lei na AR. A 27 de maio, seria divulgado o Projecto Global de Atividades, após ter merecido a concordância do Governo. Nele, a CRSE admite que “a reforma a realizar tem de situar-se no enquadramento legal a definir pela Assembleia da República” e que as opções que vierem a ser feitas serão “o referencial obrigatório da reforma que importa realizar”. Esta simultaneidade de processos permitiria à CRSE ganhar algum tempo útil através do início da produção de estudos, até que a LBSE viesse a ser aprovada.

Créditos de imagem: Harish Sharma (Pixabay)

Na prática, contudo, tal não chegou a ocorrer, pois só dois meses separaram a aprovação do seu Projecto Global de Atividades da aprovação da LBSE pela AR. De resto, os diversos grupos de trabalho constituídos pela CRSE tomaram como referência primeira a LBSE e, ao invés do que já tem sido afirmado, os textos relativos a estudos, seminários e projetos, organizados e publicados pela CRSE são todos posteriores à publicação da LBSE, tendo ocorrido já a partir de 1987 e em 1988, pelo que não podiam ter sido “muito importantes para a aprovação da Lei de Bases”. Assim, a LBSE foi muito importante e, mais do que isso, referencial obrigatório nos documentos elaborados no âmbito da CRSE, quer em termos jurídicos estruturais quer em termos de categorias e de conceitos ali plasmados, embora objetos de interpretações variadas e nem sempre coincidentes, mesmo entre diferentes grupos de trabalho constituídos pela CRSE. Quanto às eventuais relações estabelecidas entre os trabalhos da subcomissão da AR e as atividades da CRSE, o presidente desta considerou terem-se verificado “processos paralelos”.

Ao contrário do sucedido entre 1971 e 1973, sob o governo de Marcelo Caetano, com a Reforma Veiga Simão, instituída com a Lei n.º 5/73, de 25 de julho, em 1986, as categorias “Lei de Bases do Sistema Educativo” e “Reforma Educativa” surgiram desarticuladas, sobretudo a princípio, embora a CRSE tivesse aguardado pela aprovação da LBSE para iniciar as atividades mais substantivas e o funcionamento dos respetivos grupos de trabalho, tendo apresentado, entre 1987 e 1988, medidas e propostas de regulamentação da lei, em muitos casos com reduzido sucesso e de forma mais fragmentada do que anunciara, apesar dos esforços de integração ensaiados na Proposta Global de Reforma, de julho de 1988. Mas o teor avulso dos documentos produzidos prejudicou a congruência ou a unidade de princípios, visada pela CRSE.

Ao contrário do sucedido entre 1971 e 1973, sob o governo de Marcelo Caetano, com a Reforma Veiga Simão, instituída com a Lei n.º 5/73, de 25 de julho, em 1986, as categorias “Lei de Bases do Sistema Educativo” e “Reforma Educativa” surgiram desarticuladas

Acresce à débil articulação outra, que, tomando por referência a LBSE e as propostas da CRSE, produziu interpretações específicas delas, a partir do contexto de integração na Comunidade Económica Europeia (CEE) e das agendas governativas para a Educação. E, além das ruturas e das continuidades entre distintos referenciais políticos, constitucionais e jurídicos da Educação nas décadas de 1970 e 1980, a LBSE seria regulamentada ao longo de vários anos e a ritmos distintos consoante as áreas de “reforma educativa”, tendo sido objeto de apropriações seletivas e diferenciadas.

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A LBSE foi alterada cirurgicamente pelas Leis n.º 115/97, de 19 de setembro, 49/2005, de 30 de agosto, e 85/2009, de 27 de agosto.

(© José Lopes / Mundo à Frente)

As alterações introduzidas em 1997 visaram, sobretudo, os seguintes aspetos: o regime de acesso ao ensino superior, dando às suas instituições a competência para, no quadro de princípios fixado, definir o processo de avaliação da capacidade para a frequência, bem como o de seleção e seriação dos candidatos; o sistema de graus, atribuindo aos institutos superiores politécnicos a capacidade da atribuição direta da licenciatura (até então ministravam cursos de estudos superiores especializados, equivalentes a licenciatura, para efeitos profissionais e académicos, e atribuíam a licenciatura quando um curso formasse conjunto coerente com bacharelato precedente);o sistema de formação de professores: i) atribuindo às instituições de ensino superior politécnico a competência para a formação de professores do 3.º ciclo do ensino básico, em condições a definir; e ii) elevando o nível de formação dos educadores de infância e dos professores do 1.º ciclo do ensino básico de bacharelato para licenciatura.

(LGC_AprenderHistóriaEmDemocracia@CNE_LBSE30Anos_vol1_2017)

As alterações de 2005 visaram, especialmente, os seguintes aspetos: a organização da formação superior com base no sistema de créditos europeu; a adoção do modelo de três ciclos de estudos, do Processo de Bolonha, conducentes aos graus de licenciado, de mestre e de doutor; o alargamento ao ensino politécnico da conferição do grau de mestre; a modificação das condições de acesso ao ensino superior para os que nele não ingressaram na idade de referência, atribuindo às instituições de ensino superior a responsabilidade pela sua seleção; e a criação de condições legais para o reconhecimento da experiência profissional através da sua creditação.

Pré-escolar (www.fenprof.pt)

A Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto, introduziu no artigo 4.º da LBSE um novo número (n.º 5), estabelecendo que o disposto nesta “não prejudica a definição de um regime mais amplo quanto à universalidade, obrigatoriedade e gratuitidade na organização geral do sistema educativo, nos termos da lei.”

A escolaridade obrigatória estendia-se até ao 9.º ano de escolaridade e cessava aos 15 anos de idade. Com esta lei,a escolaridade obrigatória passou a ir até ao fim do nível secundário de educação.Eesta lei estabeleceu a universalidade da educação pré-escolar para todas as crianças a partir dos 5 anos de idade, implicando, para o Estado, o dever de garantir a existência de uma rede de educação pré-escolar que permita a inscrição de todas as crianças e o de assegurar que essa frequência se efetue em regime de gratuitidade da componente educativa.

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Já houve, pelo menos, duas tentativas de substituir e de subverter os princípios e a organização deste diploma, quase consensual e que foi aperfeiçoado pelas intervenções legislativas cirúrgicas expressamente referidas: o XV Governo Constitucional (PSD/CDS) propôs à AR a aprovação de uma Lei de Bases da Educação (LBE), que mereceu aprovação parlamentar, mas foi objeto de veto presidencial, acatado pelo Governo e pela AR, entretanto, renovada por via eleitoral; e, em 2016, o Conselho Nacional da Educação viu a “necessidade” de o Governo e a AR darem corpo a um processo legislativo que desembocasse na aprovação e publicação de uma LBE, o que não teve seguimento. E a LBSE, no seu grande reformismo, assumindo os princípios constitucionais e prosseguindo os melhores objetivos educacionais, tem resistido a ventos, marés e ambições. Resta saber até quando. Com efeito, as medidas de política educacional, em concreto, alternam, por via legislativa ou administrativa, entre a realização de atos em conformidade com os bons princípios educativos e a descaracterização prática dos pressupostos e finalidades da LBSE. É a vida!

24/10/2022

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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