A luz em Mineralogia
Em jeito de resumo e deixando aos físicos a competência para explicarem a origem e a natureza da luz, recorda-se a sua importância no estudo dos minerais, nomeadamente através da cor, pleocroísmo, metamerismo, risca, permeabilidade à luz, dispersão da luz, brilho, luminescência, efeitos ópticos relacionados com a reflexão da luz e através da microscopia com luz polarizada.
Uma das primeiras referências a uma relação entre a luz e os minerais consta do “Livro das Pedras”, atribuído a Aristóteles (384-322 a. C.), onde se diz que, sob o efeito de “virtudes petrificantes” da luz solar, se desenvolvem “exalações” susceptíveis de gerar minerais à superfície do terreno e no subsolo.
Bem mais objectivas são as muitas referências a esta relação nas diversas sistemáticas mineralógicas surgidas ao longo da História. Uma das mais antigas encontra-se no tratado “De Lapidibus”, de Avicena (980-1037), no qual este filósofo, médico e alquimista persa distingue “terras”, “pedras”, “minerais fusíveis e sulfurosos”, “metais” e “sais”, com base nas características externas directamente observáveis, entre as quais sobressaem as relacionadas com a luz, como a cor e o brilho.
Dois séculos mais tarde, o teólogo, alquimista e naturalista alemão Albrecht von Bollstädt (1206-1280), mais conhecido por Alberto Magno, no livro que nos deixou, “De Mineralibus et Rebus Metallicis”, propunha a classificação das pedras ditas preciosas (gemas1) em função das respectivas cores e ensinava que elas “diferem dos restantes minerais pelo seu maior conteúdo no ‘princípio água’ (um dos quatro princípios de Aristóteles: terra, água, ar e fogo) sendo, por isso, mais claras e transparentes”.
Mais tarde, o médico e alquimista alemão Georg Bauer (1494-1555), lembrado pelo nome de Agricola, propôs, na sua sistemática mineralógica, a existência de seis classes: “minerais fusíveis”, “terras”, “sais”, “pedras preciosas”, “metais” e “ligas metálicas”, dando relevo, entre outras propriedades físicas, às dependentes da luz, como a cor, o brilho e a transparência.
Não obstante estes avanços alcançados pela alquimia medieval, o pensamento de Aristóteles persistia. Camillus Leonardus, astrónomo e médico italiano, na passagem do século XV ao XVI, seguidor do grande filósofo grego, admitia que, nas regiões tropicais, a luz dos corpos celestes, incidindo mais perpendicularmente na superfície terrestre, tinha maior “poder petrificante”. Por essa razão, defendia que as gemas eram aí mais abundantes do que nas latitudes de maior obliquidade face à mesma radiação. No lapidário que nos deixou, “Speculum Lapidum”, editado em 1502, descreveu quase três centenas de minerais, entre os quais algumas gemas, com indicação das respectivas cores e “virtudes”.
Nas classificações mineralógicas surgidas a partir do século XVIII, as características das diferentes espécies e variedades de minerais relacionadas com a luz visível figuram entre as propriedades físicas mais utilizadas, sendo de destacar a permeabilidade à luz (se são transparentes, translúcidas ou opacas), a cor, o brilho, o pleocroísmo e a dispersão da luz, as várias luminescências e a dupla refracção.
Para o mineralogista, a COR de um mineral, depende de diversos factores, dos quais se destacam três. Um deles relaciona-se com a composição química, como é, entre muitos casos, o verde e o azul, respectivamente, na malaquite e na azurite, dois carbonatos de cobre, ou o vermelho na hematite, um óxido de ferro.
Um outro factor tem a ver com a estrutura cristalina, que explica, por exemplo, a grande diferença entre os dois minerais de carbono, o diamante, transparente e, na maioria dos casos, hialino, e a grafite, opaca e preta.
Outro, ainda, é a presença de “impurezas”, termo utilizado para referir ínfimas partículas de determinados minerais incluídas no seio de um outro, como as de óxido e de hidróxido de ferro no interior do quartzo ou do feldspato corando-os, respectivamente, de vermelho e de amarelo acastanhado. Consideram-se, ainda, impurezas certos elementos químicos presentes nas redes cristalinas de alguns minerais, em quantidades reduzidíssimas, não figurados na respectiva fórmula química. É o caso do crómio incluído na rede do berilo (silicato de alumínio e berílio), responsável pela cor verde da variedade gemológica, bem conhecida pelo nome de esmeralda. O mesmo elemento químico é a causa da cor vermelha do rubi, a variedade gemológica do corindo (óxido de alumínio). É, ainda, entre muitos, o caso do boro, no diamante azul.
No que se refere à cor, os minerais são classificados de idiocromáticos (do grego “ídios”, próprio, e “khrôma”, cor) quando exibem cor constante e característica, no geral relacionada com a composição química.
Dizem-se alocromáticos (do grego “állos”, outro, e “khrôma”, cor) se as suas cores forem variáveis. Estes, sendo geralmente incolores quando quimicamente puros, adquirem coloração quando penetrados pelas referidas impurezas, em quantidades mínimas, como é o caso dos elementos de transição da tabela periódica, tais como, por exemplo, o ferro e o titânio na safira azul ou o manganês na jadeíte lilás.
Nos minerais transparentes, a cor é tanto mais intensa quanto maior for a espessura do exemplar, circunstância explicável pela relação entre as percentagens de absorção e de transmissão da luz.
A importância da cor em mineralogia levou a que alguns autores atribuíssem designações alusivas a essa propriedade a alguns dos minerais que descreveram. Assim e a título de exemplo, cita-se a:
- albite, o feldspato (plagioclase sódica), branco, com base no étimo latino “alba”, que significa branco;
- azurite, carbonato de cobre, de forte azul, com base no persa “lazaward”, que significa pedra azul;
- hematite, óxido de ferro, vermelho na variedade terrosa, com base no grego “hayma”, que significa vermelho;
- olivina, silicato de magnésio e ferro, verde, com base no latim “oliva”, que significa azeitona;
- prasiolite, variedade de quartzo, verde, com base no grego “prasios”, que significa verde; e
- rubi, variedade vermelha de corindo, com base no grego “ruber”, que significa vermelho.
Nota:
1 – Entende-se por “gema” a designação dada a certos minerais (com a excepção dos metais nobres) e rochas e a alguns produtos orgânicos (pérolas, coral e outros), naturais ou artificiais, usados em joalharia e peças ornamentais. Este termo, que já foi empregue por Luis de Camões, no séc. XVI, radica no latim “gemma”, que alude ao que é mais puro.
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23/11/2023