A medicina personalizada em hemato-oncologia (2)*
Abordagem única e dirigida substitui a clássica “one-drug-fits-all”
“Caminha-se para uma abordagem única e dirigida, em vez da abordagem clássica one-drug-fits-all, em que o mesmo tratamento era oferecido a todos os doentes independentemente das características específicas da doença (que não eram conhecidas)”, constata o hematologista clínico Rui Bergantim, que, em 2017, na qualidade de doutorando da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), foi distinguido na primeira edição da Bolsa de Investigação em Mieloma Múltiplo, possibilitando-lhe estudar biomarcadores que indiquem a resistência a determinados fármacos por parte de doentes com mieloma múltiplo (MM), um cancro hematológico grave, raro e ainda incurável.
Com essa bolsa de investigação, que teve a duração de um ano e que foi atribuída ao projecto Identifying microRNAs as biomarkers of drug resistance in multiple myeloma patients: a pilot project to contribute to guiding personalized therapeutic decisions, Rui Bergantim propôs-se “identificar biomarcadores de resistência e sensibilidade dos doentes antes que estes iniciem o tratamento, através de uma análise sanguínea, de forma a proporcionar uma terapêutica personalizada e eficaz, evitando a toma de medicação desnecessária”.
Quatro anos depois, quisemos falar com este membro da Sociedade Portuguesa de Hematologia (SPH) sobre medicina personalizada e saber que padrões de associação entre os biomarcadores identificados foram estabelecidos, além dos critérios de resposta às terapêuticas efectuadas e das novas metodologias a ter em conta no MM.
A propósito de grandes projectos que se encontrem em desenvolvimento ou a decorrer, em Portugal, relativamente ao estudo molecular, ao diagnóstico e ao tratamento do mieloma múltiplo (MM), o médico e investigador Rui Filipe Cordeiro Bergantim diz que, em Portugal, “existem vários centros clínicos que participam em investigação clínica no que diz respeito a ensaios clínicos internacionais”. “O que permite o acesso a novas modalidades terapêuticas e acompanhar o sucesso da abordagem desta doença ao longo dos últimos anos”, acentua. Todavia, na sua opinião, “o conhecimento não pode ser esgotado, apenas, na área da investigação clínica”. Para si, “é importante investir em projectos de investigação translacional que venham a ter impacto na prática clínica”.
Neste momento, “os grandes projectos de mieloma múltiplo, em Portugal, centram-se no estudo de vesículas extracelulares, do ponto vista de micro-ambiente, mas também na área de resistência a drogas e doença residual mensurável”. Para além do que está a ser desenvolvido pelo grupo Cancer Drug Resistance do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto/Instituto de Inovação e Investigação em Saúde (IPATIMUP/i3S), onde Rui Bergantim investiga, numa equipa coordenada por Helena Vasconcelos (professora auxiliar na Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto), o nosso entrevistado sabe que também “há trabalhos, na mesma área, a decorrer na Fundação Champalimaud”, sob a responsabilidade da investigadora Cristina João. “O interesse no mieloma múltiplo tem vindo a crescer nos últimos anos, pelo que acredito que a investigação translacional vai aumentar nos próximos anos em Portugal”, declara ao sinalAberto.
Rui Bergantim, enquanto primeiro autor do projecto de investigação vencedor da primeira Bolsa em Mieloma Múltiplo, atribuída em 2017, entende que o estudo do MM constitui um desafio. “O meu interesse no mieloma múltiplo surgiu cedo. Um dos primeiros doentes a quem fiz uma história clínica, por volta de 2003, tinha mieloma múltiplo e era tratado apenas com corticóide. Nessa altura, a ausência de tratamento eficaz desta doença deixou-me surpreendido. Como poderia haver tão pouco para uma doença que, então, era fatal? E nunca esqueci isso”, sublinha o investigador, natural dos Açores e radicado no Porto.
“Ao longo do meu internato [internato de formação específica em Hematologia Clínica, no Hospital de São João, no Porto], foi aumentando o meu interesse neste domínio. Assisti a várias fases do progresso terapêutico, o qual tem vindo a ser alcançado, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida destes doentes”, refere Rui Bergantim. “No entanto, continua a ser uma doença incurável e há doentes a quem os tratamentos disponíveis são insuficientes para alcançarem uma remissão”, reconhece o especialista do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ).
“O mieloma múltiplo é uma doença heterogénea com características, por vezes, tão agressivas que nos escapam. O desafio é grande, mas é entusiasmante poder contribuir para a mudança deste paradigma e, assim, oferecer esperança nesta área”, observa o assistente hospitalar de Hematologia Clínica no CHUSJ.
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Introdução de novos fármacos no tratamento do MM
No entender do médico especialista e investigador, a introdução de novos fármacos no tratamento do MM “tem proporcionado uma melhoria significativa na sobrevivência global dos doentes, de dois para cinco anos”. “Enquanto alguns doentes reagem bem aos tratamentos e atingem a remissão, outros mostram uma grande resistência à terapêutica. É necessário compreender que doentes vão beneficiar mais de um tratamento e quais os que vão beneficiar doutros tratamentos”, adverte Rui Bergantim, esclarecendo que foi desta necessidade que surgiu o projecto de investigação em que trabalha, tendo como principais objectivos: “identificar um conjunto de biomarcadores da resistência/sensibilidade aos principais fármacos usados em mieloma múltiplo” e “estabelecer padrões de associação entre os biomarcadores identificados com as principais alterações genéticas relacionadas com esta doença e com outras características clínicas”.
“O nosso objectivo final é poder contribuir para uma diferente estratificação de doentes e escolher a terapêutica de forma personalizada”, salienta este hematologista do CHUSJ. “Os biomarcadores, de forma simples, são descritos como moléculas que podem ser encontradas no sangue, nos tecidos ou noutros fluidos, constituindo sinais de processo normal ou anormal e da presença de uma doença específica, neste caso, neoplasias”, clarifica Rui Bergantim, adiantando que os biomarcadores são “usados para rastreio, para diagnóstico, para prognóstico, para predição da resposta terapêutica, para monitorização dessa resposta e até para antever recaídas de determinadas neoplasias”.
No mesmo contexto, perguntamos a este membro do Grupo Português de Mieloma Múltiplo da SPH se passa a ser possível prognosticar a resistência ou a sensibilidade aos fármacos que vão ser usados em cada doente, considerando uma terapêutica personalizada. Para o hematologista Rui Bergantim, “seria ideal conseguir identificar um conjunto de biomarcadores da resistência ou da sensibilidade aos principais fármacos usados em mieloma múltiplo”. “Além de conseguirmos tratar mais eficazmente os doentes, poderíamos ter uma abordagem personalizada”, supõe, prosseguindo: “De facto, actualmente, fala-se de medicina de precisão (e esta é uma discussão recorrente em hematologia), que consiste num modelo de abordagem personalizado do tratamento, tendo em conta características especificas, principalmente ao nível molecular e genético, da doença e do doente.”
“Assim, caminha-se para uma abordagem única e dirigida, em vez da abordagem clássica one-drug-fits-all, em que o mesmo tratamento era oferecido a todos os doentes independentemente das características específicas da doença (que não eram conhecidas)”, elucida o médico, que é também docente convidado na Unidade Curricular de Doenças Hematológicas e Oncológicas na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Por outro lado, como repara ainda Rui Bergantim, “esta abordagem personalizada, muitas vezes, substitui esquemas clássicos de quimioterapia citotóxica por fármacos menos agressivos e com menos toxicidades”.
A perspectiva deste especialista corrobora a suposição de que estamos na fronteira da revolução de uma terapêutica personalizada dos doentes com MM, atendendo aos “avanços no conhecimento da patofisiologia do mieloma múltiplo, principalmente das alterações genéticas; assim como ao impacto das mesmas no prognóstico dos doentes” com MM.
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Adaptar a estratégia terapêutica
“Isso permitiu adaptar a estratégia terapêutica às alterações genéticas identificadas. Por exemplo, a presença da translocação t(4;14) [uma translocação t (4; 14) significa que parte do cromossoma 4 trocou de lugar com o cromossoma 14] ou deleção do cromossoma 17p [ou seja, perda de material cromossómico do braço curto do cromossoma 17] é uma indicação para a realização de transplantação autóloga de medula óssea em tandem (uso de dois transplantes no intervalo de três a seis meses)”, explicita Rui Bergantim, que realizou o Estágio de Transplante de Medula Óssea no Seattle Cancer Care Alliance / Fred Hutchison (em Seattle, nos Estados Unidos da América).
Segundo este investigador e especialista do CHUSJ, “da mesma forma, já é possível usar em doentes com a translocação t(11;14) [uma translocação t (11; 14) corresponde a que parte do cromossoma 11 trocou de posição ou de locus com o cromossoma 14] um fármaco específico para esta alteração”. Todavia, “ainda existe um caminho longo a percorrer”. “Outro exemplo claro é o uso de imunoterapia, através da utilização de anticorpos monoclonais contra componentes expressos na membrana das células neoplásicas como o CD38, expresso nos plasmócitos”, menciona o hematologista, que é co-organizador do Curso Pós-Graduado em Mieloma Múltiplo da FMUP/Hospital São João.
O MM “é uma doença heterogénea e com múltiplas faces ainda desconhecidas”, admite o investigador. No entanto, pensa que “é importante também interpretar e validar correctamente os vários estudos que saem nesta área”.
Como informa o portal electrónico do CHUSJ, o “Serviço de Hematologia Clínica do São João ultrapassou o número máximo de transplantes anual [82 até 2 de Dezembro] em 2020, em pleno ano de pandemia”. E é, aqui, esclarecido que a “transplantação de progenitores hematopoiéticos, vulgarmente denominada de transplante de medula óssea, é um processo complexo, mas que é exclusivamente realizado à cabeceira do doente, sem necessidade de recorrer ao bloco operatório”. Por conseguinte, o “processo consiste na administração de quimioterapia intensiva, com o intuito de eliminar a doença oncológica, seguida de infusão de células progenitoras do próprio doente (designado transplante autólogo) para uma recuperação mais rápida, ou na administração de quimioterapia intensiva seguida de infusão de células progenitoras provenientes de um dador HLA-compatível, irmão ou não familiar (transplante alogénico), com o intuito de substituir a medula óssea por outra saudável”.
Convidado a explicar o que é, concretamente, o mieloma múltiplo, Rui Bergantim – enquanto autor e co-autor de inúmeras publicações, posters e comunicações orais em reuniões nacionais e internacionais – recorda que “é um cancro nos plasmócitos; ou seja, se numa situação normal este tipo de células, que existem em pequena quantidade na medula óssea, são responsáveis pela produção de imunoglobulinas (anticorpos) com funções importantes na imunidade, os plasmócitos existentes em pessoas com mieloma múltiplo são anormais e aumentam de forma descontrolada”.
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Patologia de evolução lenta
O MM é uma patologia de evolução lenta. Por conseguinte, poderão decorrer 10 a 15 anos antes que apareçam os primeiros sintomas. Porque tem um início insidioso, quando o mieloma múltiplo é diagnosticado, com muita frequência, já se encontra num estado avançado.
“Nestes casos, essas células vão ocupar a medula óssea e produzir imunoglobulinas disfuncionais”, provocando uma doença rara. “Constitui apenas 1% de todas as neoplasias, mas é a segunda neoplasia hematológica mais frequente nos adultos”, expõe Rui Bergantim, indicando que, “todos os anos, surgem 7,8 novos casos por 100 mil habitantes de mieloma múltiplo”. Em Portugal, “é mais prevalente em homens (54%) e afecta, sobretudo, a população idosa (58% dos doentes que participaram numa investigação [desenvolvida pelo Grupo Português de Mieloma Múltiplo da SPH] tinha idade igual ou superior a 70 anos e apenas 9% tinha menos de 55 anos)”.
Questionado sobre se a incidência, a prevalência e a mortalidade inerentes ao MM têm vindo a aumentar, em Portugal e a nível mundial, o hematologista e docente da FMUP constata que “o melhor conhecimento do mieloma múltiplo, assim como o diagnostico precoce e a maior atenção a estes doentes podem levar à percepção de um aumento de incidência, mas não há uma explicação exacta para que os números continuem a subir”.
“O envelhecimento da população poderá, no entanto, ser um dos factores pelo qual a incidência tem vindo a aumentar. Felizmente, a mortalidade tem vindo a reduzir, verificando-se o aumento da sobrevida mediana destes doentes”, assinala, notando que, “em alguns estudos, é superior a 60% aos oito anos”. Neste contexto, o nosso entrevistado recorre repetidamente aos resultados de um estudo, realizado pelo Grupo Português de Mieloma Múltiplo, o qual mostra – como já registámos – que, no país, “todos os anos, surgem 7,8 novos casos por 100 mil pessoas, sendo mais prevalente nos homens (54%) e afectando, sobretudo, a população idosa”, atendendo a que 58% dos doentes que participaram na investigação tinha idade igual ou superior a 70 anos e, somente, 9% correspondia a pessoas com menos de 55 anos.
No mesmo estudo português, “verificou-se que a mortalidade era de 6,9 novos casos por 100 mil habitantes”. Por outro lado, com base em dados do Programa de Vigilância, Epidemiologia e Resultados Finais (SEER – The Surveillance, Epidemiology and End Results Program / National Cancer Institute), que fornece informações sobre estatísticas relacionadas com o cancro, num esforço para reduzir a doença oncológica na população norte-americana, Rui Bergantim lembra que, em 2021, “já foram diagnosticados 34.920 novos casos”, nos EUA.
“A incidência de novos casos é de 7,1 por 100 mil pessoas, com uma taxa de mortalidade de 3,2 por cada 100 mil pessoas”, comunica o hematologista clínico no Hospital de São João. Porém, “a nível mundial, é difícil estimar a incidência, a prevalência e a mortalidade [respeitantes ao MM], sobre as quais são apresentados resultados muito díspares, na sequência, por exemplo, do subdiagnóstico em algumas zonas ou do acesso assimétrico a bons cuidados de saúde e a novos fármacos”.
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“Não se sabe, exactamente, o que está na origem”
Embora o conceito de “tumor líquido” não seja consensual, o especialista do CHUSJ interpreta o MM como “um tumor líquido, porque é uma neoplasia de células com origem na medula óssea; ou, de forma simplificada, uma neoplasia de células do sangue”. “Não é um órgão sólido, palpável e que pode ser removido”, argumenta.
“Não se sabe, exactamente, o que está na origem das alterações genéticas dos plasmócitos. Sabemos quais são essas alterações, mas não sabemos, rigorosamente, o mecanismo preciso que as origina”, diz Rui Bergantim ao sinalAberto, especificando: “Os plasmócitos são células do grupo dos glóbulos brancos e que existem em muito pequena quantidade na nossa medula óssea. Apesar disso, são responsáveis pela produção de imunoglobulinas (anticorpos) com funções importantes na imunidade.”
Acerca das causas ou etiologia do MM, Rui Bergantim comenta que, “apesar de não se tratar de uma neoplasia hereditária, existem casos familiares de mieloma múltiplo”. Por conseguinte, “se houver um parente directo (irmão/irmã/pai/mãe) com esta doença, o risco de vir a ter mieloma múltiplo é quatro vezes superior”.
A exposição à radiação e a substâncias tóxicas, principalmente as derivadas dos hidrocarbonetos, assim como alguns agentes químicos como o benzeno, os pesticidas e herbicidas, “é apontada como um comportamento de risco, embora não se consiga determinar uma relação directa”. “O mesmo acontece com algumas exposições profissionais, em que nunca se consegue provar a contribuição directa para o aparecimento de mieloma múltiplo”, verifica o médico e investigador açoriano, avisando que “alguns estudos mostram que a obesidade pode favorecer o desenvolvimento desta doença”.
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Sinais de alerta e sintomas do MM
“Os sintomas são pouco específicos e, na maioria das vezes, são desvalorizados pelos doentes, confundindo-os com outras coisas que vão vivendo ou associando-os a outras doenças”, conta o médico, lembrando que, “comummente, os doentes referem cansaço ao longo do tempo, até sentirem uma exaustão inexplicável que os motiva a recorrerem ao seu médico habitual, detectando-se anemia, que pode levar ao diagnóstico de mieloma múltiplo”.
“As dores e as fracturas ósseas sem causa aparente levam os médicos assistentes a pedirem radiografias de uma forma constante, que lançarão a suspeita de mieloma múltiplo. O aparecimento de lesão renal aguda também constitui um sinal de alerta para investigar a suspeita de mieloma múltiplo. As infecções repetitivas – principalmente, infecções respiratórias (por vezes, graves) – são muito comuns ao diagnóstico, mostrando existir uma alteração no sistema imune do doente, o que, como confirma o hematologista clínico Rui Bergantim, “desperta para o estudo do mieloma múltiplo”.
Em síntese, estamos perante uma doença rara, hematológica e com origem nas células plasmáticas, ainda sem cura e que atinge órgãos como os rins, os ossos e a medula óssea. O MM surge, frequentemente, entre os 60 e os 65 anos e apresenta sintomas genéricos e inespecíficos, como a dor óssea, o cansaço ou a perda de forças, a par de edemas periféricos, o que implica, muitas vezes, um diagnóstico tardio.
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Como se trata o mieloma múltiplo?
“Neste momento, estão disponíveis várias classes de fármacos, como os imunomoduladores, os inibidores de proteasomas e os anticorpos monoclonais, que, combinados, têm revelado resultados entusiasmantes, quer ao nível do diagnóstico quer de recaídas”, releva este investigador do i3S (Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto) e da FMUP, escola médica onde concluiu a licenciatura em 2006.
“Mais recentemente, têm surgido tratamentos como os anticorpos monoclonais bi-específicos ou terapia celular CAR-T [terapia com CAR T-cells], que prometem revolucionar a forma como tratamos esta e outras doenças”, destaca o hematologista clínico Rui Bergantim.
“O transplante autólogo de medula óssea, embora seja uma modalidade de tratamento antiga, continua a ser um passo basilar no tratamento do mieloma múltiplo, em doentes com menos de 70 anos e sem comorbilidades”, certifica este membro do Grupo Português de Mieloma Múltiplo da Sociedade Portuguesa de Hematologia (SPH), renovando a ideia de que “a radioterapia é fundamental em algumas situações específicas, como na presença de plasmacitomas [ou plasmocitomas] e atingimento ósseo”. Porém, “nem todos os doentes vão beneficiar de igual forma com estas abordagens”.
“É importante que cada doente seja avaliado individualmente, para se poder traçar um plano terapêutico adequado, que consiga controlar o mieloma múltiplo e prolongar a sobrevida do doente, sem toxicidade acrescida e mantendo a sua qualidade de vida”, evidencia Rui Bergantim.
Na sua óptica, “em todas estas abordagens, é necessário compreender as características específicas do mieloma múltiplo (alterações genéticas, manifestações clínicas e extensão das mesmas), bem como as características das propostas terapêuticas (tratamento oral versus endovenoso, necessidade de vindas ao hospital, toxicidades, tratamento fixo versus contínuo)”. “Mas, fundamentalmente, do doente (idade, fragilidade, comorbilidades, expectativas)”, frisa o hematologista clínico.
Para o médico açoriano – como já afirmava há quatro anos, na oportunidade da distinção do projecto que desenvolveu, com a atribuição de uma bolsa de investigação (promovida pela Associação Portuguesa Contra a Leucemia, pela SPH e por uma empresa do ramo farmacêutico) –, com os avanços da medicina, foi possível aumentar a sobrevida (tempo de vida após o diagnóstico) dos doentes portadores de mieloma múltiplo, transformando esta patologia, que era fatal, em doença crónica. O então doutorando pronunciava: “Há dez anos, os doentes diagnosticados com esta doença tinham uma sobrevida inferior a dois anos, no entanto, hoje […], conseguem ter entre cinco a dez anos”, período que o especialista do CHUSJ acredita vir a aumentar.
O que se entende por medicina personalizada?
De uma maneira simples, para o investigador do i3S e da FMUP, a Personalised Healthcare (ou PHC) “é a medicina certa para o doente certo, no momento certo”. Contudo, este hematologista clínico não considera um despropósito falarmos de medicina personalizada, mesmo atendendo a que a medicina clássica ou convencional nunca deixou de cuidar das pessoas. “De forma alguma! A medicina personalizada visa, ultimamente, cuidar do doente. Não são exclusivas, mas sim complementares”, clarifica, aludindo aos novos caminhos e às novas perspectivas que se nos oferecem com a dita medicina personalizada.
“Um dos grandes objectivos da medicina personalizada é o de gerar também maior eficiência e mais eficácia nos tratamentos oferecidos aos doentes. Assim, além de dirigida, a medicina personalizada ultrapassa algumas características da neoplasia e permite minimizar toxicidades, mantendo a qualidade de vida”, expõe Rui Bergantim ao sinalAberto.
Todavia, o investigador entende que, “apesar disso, é preciso ter a noção de que ainda existem etapas por ultrapassar e para as quais temos de prestar atenção”. Em primeiro lugar, “um tratamento personalizado só funciona se o doente tiver o alvo específico desse tratamento; e isso nem sempre acontece”. Em segundo lugar, “embora alguns doentes tenham o alvo para um determinado tratamento personalizado, nem sempre responde ao tratamento e até pode criar resistências a esse fármaco”. Uma terceira etapa a considerar prende-se com o facto de “as respostas a alguns tratamentos personalizados serem temporárias e exigirem tratamento contínuo, no tempo”. Por fim, “cada pessoa é única e cada neoplasia é única”. “E esta última verdade é quase absoluta na heterogeneidade do mieloma múltiplo”, garante o nosso entrevistado.
Embora o foco sejam as pessoas, é preciso atender à especificidade das suas doenças e clarificar ideias e conceitos. Por isso, queremos saber um pouco mais sobre os novos instrumentos e metodologias que são utilizados neste modelo de prática médica, particularmente junto dos doentes com MM. A este respeito, Rui Bergantim diz que “nos últimos anos, sendo transversal a muitas neoplasias hematológicas e em especial no mieloma múltiplo, tal modelo passa por um processo complexo e moroso até fazer parte da prática clínica”. Nessa conformidade, enuncia: “Desde o material biológico a escolher para testar (biópsia líquida versus biópsia óssea), tipo de células a estudar (as circulantes, as neoplásicas na medula, as células [do sistema] imune e do micro-ambiente, o DNA/RNA livre, as vesículas extracelulares), o tipo de tecnologia a usar (NGS, RNA-Seq, MicroArray, Citogenética, espectrometria de massa, Proteómica, screening ex-vivo de drogas) até estabelecer-se um algoritmo final da utilização dos biomarcadores daí identificados, procedendo à translação desde conhecimento para a prática clínica.” Posteriormente, menciona ainda o investigador, “é fulcral a validação e a reprodutibilidade dos resultados obtidos”. “Quando chegados à prática clínica, a sua utilização é, na maior parte da vezes, facilmente integrada num algoritmo terapêutico”, assegura o hematologista do CHUSJ. Para facilitar a compreensão de alguns termos ou expressões científicas, entretanto expostos, aconselhamos a consulta do glossário, no final deste trabalho jornalístico.
Tendo em conta que a medicina de precisão está a revolucionar os cuidados de saúde, o domínio oncológico ganha novo fôlego. Por isso, perguntamos se tal se verifica nas neoplasias “líquidas” ou hematopoiéticas, como os linfomas, as leucemias e os mielomas. “A medicina personalizada deu os seus primeiros passos nas neoplasias sólidas”, responde Rui Bergantim, recordando que, “por exemplo, em 2001, era capa da revista Time o impacto que o imatinib teve no tratamento na leucemia mielóide crónica, descrito como uma bala terapêutica com alvo na alteração genética desse tipo de leucemia”. Outro exemplo relembrado pelo hematologista clínico “foi o uso do rituximab, o primeiro anticorpo monoclonal, usado nos linfomas não-Hodgkin de linfócitos B, cujo alvo é o CD20 expresso na superfície desses linfócitos B”. “São dois exemplos da importância dos tratamentos dirigidos na base da terapêutica personalizada”, destaca o médico que incorpora o Grupo de Mieloma Múltiplo do Centro Hospitalar e Universitário de São João, no Porto.
Com os avanços da investigação médica, abre-se uma janela de esperança para os doentes (incluindo os que sofrem de MM) e para a comunidade científica. Possibilidade que é também apercebida por Rui Bergantim: “Sem duvida, todos os avanços nesta área procuram atingir a cura do mieloma múltiplo. Com o tempo, acredito que será uma realidade.”
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Recente geração da imunoterapia
Acerca dos exemplos mais marcantes na descoberta e na medição de novos parâmetros biológicos que abrem portas à medicina personalizada, especificamente quando falamos do mieloma múltiplo, o hematologista clínico relembra que, “ao longo dos últimos anos, a nível terapêutico podemos incluir, aqui, a identificação das alterações genéticas associadas a mau prognóstico e ao desenvolvimento de abordagens terapêuticas de acordo com as mesmas”, além dos já mencionados “avanços no conhecimento da patofisiologia do mieloma múltiplo”, que abrem “portas aos fármacos inibidores de proteasomas e aos imunomoduladores”. A este respeito, o investigador fala, igualmente, da utilização da imunoterapia como uma alternativa promissora, quer nas suas formas clássicas (a exemplo dos anticorpos monoclonais) quer recorrendo às células CAR-T (imunoterapia inovadora com células geneticamente modificadas, chamadas células CAR-T) ou aos novos anticorpos do tipo BiTE (bispecifictherapeutic engagers), um tratamento com anticorpos monoclonais bi-específicos.
“Outra área importante em desenvolvimento, com potencial de medicina personalizada, é o uso da doença residual mensurável; ou seja, a doença que ainda se consegue medir após terapêutica eficaz, quer em sangue periférico quer em medula”, informa Rui Bergantim, dando ainda conta do progresso científico em relação às “ferramentas certas para a sua mensuração (NGS, citometria de fluxo, espectrometria de massa), tempos de monitorização e tratamento dirigido, de acordo com os resultados”.
Na opinião do hematologista clínico do CHUSJ, que faz parte do Grupo de Mieloma Múltiplo, podemos afirmar que se está a observar uma revolução no tratamento do cancro. “Sem dúvida, estamos a passar de uma fase one drugs fits all, de medicina generalizada, relativamente a uma determinada neoplasia, com o uso de citotóxicos clássicos, para uma medicina personalizada, com abordagens dirigidas e fármacos mais precisos”, confirma ao sinalAberto.
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Participação do doente na decisão
No alcance das novas terapêuticas e da medicina personalizada, já se observa uma participação do doente na decisão e na escolha do tratamento, garante o especialista e docente convidado na Unidade Curricular de Doenças Hematológicas e Oncológicas na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. “Acho fundamental o diálogo com o doente perante o início de tratamento”, releva o hematologista clínico do CHUSJ, convicto de que “um doente informado sobre a sua doença e sobre o tratamento, adere melhor ao plano terapêutico e compreende melhor todas a fases pelas quais passa”.
No ponto de vista de Rui Bergantim, “é necessário compreender as especificidades de cada doente e adequar o nosso discurso”. “É também importante transmitir todos os potenciais resultados. Muitas vezes, os tratamentos dirigidos são noticiados como curativos e os desafios actuais, neste campo, ainda não estão todos respondidos, como já referi”, comenta.
Se há quem admita que o elevado custo das medicações alvo suscita eventuais desigualdades no acesso aos benefícios das novas terapêuticas, este perito em mieloma múltiplo e investigador com trabalho reconhecido destaca que “o acesso a novas técnicas de diagnostico e de prognostico, assim como a novos fármacos, passa por várias fases de autorizações e de financiamentos; deste modo, as desigualdade existem e devem ser minimizadas, de forma a garantirmos o melhor tratamento possível a todos os doentes”.
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“Os sinais mais evidentes eram um cansaço permanente e dores na coluna vertebral”
“Quem me confirmou o diagnóstico de mieloma múltiplo foi o Dr. Rui Bergantim”, começa por dizer António Neta, que, há cerca de quatro anos, tem vindo a ser acompanhado por este hematologista clínico, no Centro Hospitalar e Universitário de São João (CHUSJ), no Porto.
No final da tarde de 9 de Dezembro, recorrendo à plataforma Zoom, o sinalAberto entrevistou este advogado natural de Cantanhede, licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde foi caloiro em 1970. Por opção, relativamente à possibilidade de emigrar, ainda na década de 70, fixou-se no Norte e aí organizou a sua vida familiar e profissional.
A uma semana de completar 70 anos de vida, António Neta conta-nos a sua história clínica, sob o ponto de vista do paciente. Não obstante ser um homem culto, a sua formação jurídica distancia-o, um pouco, da linguagem médica e científica. Porém, a preocupação com a doença que anteriormente desconhecia e a experiência entretanto acumulada, desde que ficou a saber do diagnóstico de mieloma múltiplo (MM), permitem-lhe fazer uma relação minuciosa e detalhada dos elementos e dados pessoais respeitantes à situação que enfrenta. Assim, também a avalia e, com a orientação do médico Rui Bergantim, ainda tenta formular hipóteses prognósticas, a que acrescenta uma grande dose de esperança.
“Os sinais mais evidentes que eu tinha eram um cansaço permanente e, fundamentalmente, dores na coluna vertebral. Eu não sei desde quando o mieloma se estava a desenvolver, mas o Dr. Rui Bergantim disse que não seria há muito tempo, porque era um mieloma de crescimento rápido e muito agressivo”, recorda António Neta, que já se queixava de “muitas dores na zona próxima das vértebras lombares”. “O médico que me acompanhava sabia que eu tinha um problema no disco entre as vértebras L5 e S1”, especifica, sabendo que tanto a última (ou mais baixa) vértebra lombar como a primeira vértebra da região sacrococcígea (resultante da soldadura de cinco vértebras grandes) têm características transicionais muito relevantes na biomecânica da coluna.
“Então, a minha atenção colocou-se aí! Mas eu cheguei a um ponto em que andava com dores violentíssimas, apesar de fazer fisioterapia, por recomendação desse ortopedista”, rememora, adiantando: “Um dia (isso é um pouco irónico), ao ter convidado amigos para um almoço com arroz de cabidela, um deles, que é médico obstetra, quando se juntou à mesa, olhou para mim e perguntou-me se eu estava bem. Viu-me com as mãos na cara e declarou: – Há, aqui, um problema que tem de ser observado! Tu não estás em condições de conduzir.”
“Estragou-se a festa!”
“Comemos qualquer coisa, rapidamente. Fiquei em pânico. Estragou-se a festa! E fomos para a clínica onde ele trabalhava. Fizeram-me exames ao sangue e detectaram valores muito baixos de creatinina”, descreve o advogado António Neta. O especialista e investigador Rui Bergantim, que também participa nesta conversa à distância, reitera que a creatinina é uma substância presente no sangue, produzida pelos músculos e eliminada pelos rins. Por isso, a análise dos níveis de creatinina permite avaliar se existe algum problema renal.
António Neta foi, então, consultado no Serviço de Nefrologia do CHUSJ. “Mas a médica que me recebeu, atendendo aos sintomas que lhe manifestei, desconfiou tratar-se de uma doença na medula dos ossos. Eu não sabia bem o que era e não tinha ninguém na família com esse problema. Nunca tinha ouvido falar em tal doença”, confessa o nosso entrevistado.
“Fiz os exames recomendados para confirmar as suspeitas dela. Esses exames culminaram com uma biópsia realizada pelo Dr. Rui Bergantim. Depois, a mesma médica disse-me que eu podia optar pelo IPO [Instituto Português de Oncologia] ou pelo Hospital de São João. Perguntei-lhe o que faria com um familiar seu nas mesmas circunstâncias. Ela deu prioridade ao Hospital São João e voltou a sugerir que eu escolhesse um médico. Voltei a questionar: – Quem aconselharia para uma pessoa da sua família?”, conta António Neta, gracejando: “Foi assim que fui parar às mãos do Dr. Rui Bergantim, que me dá cabo do corpo. Não é?”
“Aquela fase aguda verificava-se há alguns meses, pois eu tinha um tumor numa das costelas falsas. O ano em que tal apareceu suponho ter sido 2017, mas não sei, ao certo, quando começou”, expressa este doente de mieloma múltiplo. “Isso não vamos saber!”, afirma, por sua vez, o hematologista clínico do CHUSJ.
“O diagnóstico, entretanto, efectuado confirmou que eu tinha seis vértebras afectadas e um tumor numa costela falsa”, acrescenta o jurista que, há aproximadamente quatro anos, tem procurado enfrentar o MM e “as várias fases complicadas”. “Segundo o Dr. Rui Bergantim, o meu mieloma era muito agressivo e já estava numa fase bastante adiantada. Tentou, primeiro, fazer-me um tratamento ambulatório, mas eu não resisti. Recordo-me de uma consulta, no hospital, em que eu estava com uma fragilidade muitíssimo grande, completamente desorientado e perdido. Nesse dia, perguntou-me se eu me importava de ser internado. Foi o primeiro de quatro internamentos”, salienta António Neta, apercebendo-se de que a situação dolorosa relacionada com as vértebras constituía “um problema sério”. O hematologista que acompanha o seu processo clínico clarifica que, no MM, “não podemos falar em metástases”. “Temos é uma distribuição da doença óssea. Ou seja, as lesões provocadas pelo mieloma podem estar dispersas em todos os ossos. No caso da costela falsa do Dr. António Neta, confirmava-se um plasmocitoma, que é uma acumulação de plasmócitos [anormais]”, anota Rui Bergantim.
“Com as expectativas muito em baixo, eu confrontava-me com um dilema. Por um lado, a percepção de que poderia estar no fim. Nessa altura, afirmei a várias pessoas que me tinha saído o jackpot”, ironiza o advogado, o qual – apesar de não frequentar casinos nem apostar em sorteios de lotarias – refere ter sido contemplado com o “prémio máximo”: “Um bilhete para embarcar!” “Por outro lado, esperava que, com a ajuda dos médicos – mais propriamente, do Dr. Rui Bergantim, por quem tenho sido sempre acompanhado –, me pudesse ir safando e adiando o problema”, prossegue o nosso entrevistado.
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“A alternativa foi, sempre, a de resistir”
“A alternativa foi, sempre, a de resistir, até ver se é possível aparecerem medicamentos que me ajudem a adiar o problema ou, mesmo, a resolvê-lo”, insiste o paciente de MM. “Na primeira fase, apostei mais em colaborar, procurando distrair-me da existência do mieloma. O caso da coluna era tão sério e as dores eram tão fortes que, parecia, não terem a ver com o mieloma. Esta doença deu-me, também, as contrariedades e os aborrecimentos dos internamentos, embora sempre com a esperança de que a venceria”, frisa António Neta, o qual, por causa das lesões na coluna vertebral, deixou temporariamente de caminhar, perdendo autonomia para as tarefas quotidianas. “Nessa altura, não conseguia lavar-me nem vestir-me e passava os dias deitado”, lembra com alguma inquietude, procurando esquecer a ameaça da morte.
Ao perguntarmos por eventuais contactos com outros doentes de mieloma múltiplo, refere que, inicialmente, teve “vontade de encontrar muita gente e de falar com muita gente, para obter informações e conhecer melhor a doença”, mas não conseguiu. Também não contactou nenhuma associação de apoio social e psicológico aos doentes com MM e respectivos familiares. “Entreguei-me, a 100%, ao Hospital de São João e ao Dr. Rui Bergantim. Ele percebeu a minha desorientação e pôs-me sempre à vontade nisso. Só contactei com uma pessoa que, por coincidência, é minha vizinha (sendo casada com um empregado comercial que conheço há mais de 40 anos) e estava no quarto hospitalar ao lado do meu. De vez em quando, a minha mulher ainda conversa com essa senhora que, antes de sair do hospital, foi falar comigo”, testemunha este doente com mieloma múltiplo.
Ao saber da importância do apoio e da força psicológica que é necessária para enfrentar a doença, António Neta conta-nos ter conhecido, recentemente, a sobrinha de um outro paciente, residente na área urbana de Lisboa: “Ele tem problemas na coluna e várias vértebras com situação semelhante à que eu manifestava”. “Ele estava a passar pela mesma desorientação que eu senti”, releva este profissional liberal que ainda experimenta algum isolamento devido ao seu complicado estado de saúde. “Como advogado, estou muito fechado e bastante limitado na prestação de serviços e de contactos com os clientes. Pessoalmente, apercebo-me de algumas limitações, embora cada vez menos. Neste momento, são seis horas e seis minutos, estou a falar e sinto-me bem!”, transmite-nos este portador de neoplasia dos plasmócitos, a qual produz imunoglobulina monoclonal que lhe invade e destrói o tecido ósseo.
“O meu processo de recuperação tem sido um pouco difícil. Em consequência dos problemas da coluna vertebral e também dos tratamentos, perdi muita massa muscular. No ano passado, quando veio a pandemia, eu ainda tinha sessões de fisioterapia na piscina, para recuperar fisicamente, sobretudo a nível muscular. Neste ano, tenho-me sentido melhor. É muito raro sair de casa e, daqui, do meu escritório”, confirma António Neta, embora já consiga deslocar uma cadeira ou um pequeno móvel e levar na mão a sua pasta de trabalho.
“Em 2020, paralelamente à natação, comecei a fazer caminhadas em casa, para ver se ganhava resistência física. Acabei por arranjar uns problemas musculares e parei com isso. Agora, porque tenho neuropatia periférica – que é uma reminiscência ou efeito secundário da doença e que me causa muitas perturbações –, voltei a caminhar, durante trinta minutos em cada dia, só com meias, num percurso doméstico entre a lavandaria, uma sala grande e a cozinha. Isso alivia-me as dores nos pés e reforça-me a musculatura”, relata António Neta, que, há quase dois meses, complementa a sua actividade física diária com uma “viagem de barco a remos” no chão da sua casa, onde também começou a reviver a infância saltando à corda.
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Atitude positiva beneficia a saúde
Ao acreditar que uma atitude positiva beneficia a saúde, António Neta procura manter algum sentido de humor e mantém-se ocupado para não pensar no mieloma múltiplo, doença que, para si, constitui um desafio constante. Antes de “conviver” com o MM, praticou algum desporto. “O que me entreteve mais tempo foi o ténis. Nunca fui grande jogador, mas era o meu hobby, durante muitos anos, enquanto não tive aquele problema entre as vértebras L5 e S1. Fora disso, andava também a tentar o golfe. E ainda não perdi a ideia do golfe, se sobreviver até lá! Neste ano, cheguei a comprar uns sapatos novos para praticar golfe e caminhar no green. Mantenho as minhas quotas em dia, mas tenho receio dos swings, por causa da coluna”, gracejou António Neta, referindo-se ao modo de bater a bola ou de balançar o taco de golfe.
“Esta doença, ao atingir os ossos e a coluna vertebral, pode ter consequências terríveis. Eu passei por um processo extremamente doloroso. Por isso, estou disposto a conversar com as pessoas que tenham mieloma e que se sintam cansadas e com dores devido às lesões ósseas”, disponibiliza-se António Neta, no sentido de partilhar a sua experiência e de ajudar outros doentes com MM. “Sei que ainda não foi encontrada cura para esta doença. Tenho consciência disso, bem como da média de vida dos doentes. O Dr. Rui Bergantim disse-me, há dois anos, que o Hospital de São João registava cerca de 20 mil afectados com mieloma e que a taxa de sobrevivência média desses doentes rondava os quatro anos”, sublinha, enquanto o hematologista que o acompanha clinicamente reforça: “Não há cura, mas há a esperança de a obter. Felizmente, as sobrevidas têm vindo a aumentar. E isso é bom.”
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GLOSSÁRIO:
ADN – A sigla assinala o ácido desoxirribonucleico (ou DNA, iniciais da designação em inglês DeoxyriboNucleic Acid), que é um composto orgânico cujas moléculas contêm as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e o funcionamento de todos os seres vivos e de alguns vírus, as quais permitem transmitir as características hereditárias de cada ser vivo.
Anticorpo – É uma proteína (imunoglobulina) dirigida contra os antigénios e que circula nos líquidos orgânicos. Molécula de glicoproteína produzida pelos linfócitos B, como resposta à presença de um antigénio específico, ao qual ataca e neutraliza. Os anticorpos são os primeiros defensores do corpo contra os agentes invasores, reconhecem certas moléculas proteicas destes como sendo estranhas e fixam-se quimicamente a elas.
Anticorpos monoclonais – São anticorpos produzidos em laboratório, usados para diagnóstico ou para o tratamento do cancro e de outras doenças.
Anticorpos monoclonais bi-específicos – Os anticorpos monoclonais bi-específicos (ver também BiTE – bispecifictherapeutic engagers) possuem dois anticorpos diferentes, que agem activando o sistema imunológico para atacar e destruir, por exemplo, os glóbulos brancos tumorais.
Antigénio – É a substância capaz de reagir com os produtos de uma resposta imune, anticorpos ou células. Molécula (de “veneno” ou da parede celular de uma bactéria) que desencadeia uma resposta imunitária. Refira-se que nos vírus existem dezenas de antigénios potenciais. Diga-se ainda que o sistema imunitário tem a capacidade de memorizar os antigénios com os quais já tenha contactado, o que o deixa bem preparado para os voltar a enfrentar, se for o caso. Assim, os antigénios activam os anticorpos.
ARN – Ácido ribonucleico (ou RNA, em inglês: ribonucleic acid). Ácido nucleico existente no núcleo e no citoplasma das células e que participa na síntese das proteínas.
Autólogo – Tecido ou células autólogas são tecidos ou células derivadas do mesmo indivíduo. Por exemplo, a pele transferida de uma parte do corpo para outra é um tecido autólogo; nas terapias avançadas, as células-tronco são removidas, armazenadas e posteriormente devolvidas à mesma pessoa. Os transplantes autólogos são usados para tratar vários tipos de cancro do sangue. O transplante autólogo de células-tronco se diferencia do transplante alogénico de células-tronco, em que o doador e o receptor das células-tronco transplantadas são pessoas diferentes.
Biomarcadores – Também conhecidos por marcadores biológicos, são entidades que podem ser medidas experimentalmente e que indicam a existência de determinada função normal ou patológica de um organismo ou de uma resposta a um agente farmacológico. Os mais significativos em investigação médica são os marcadores bioquímicos, os quais podem ser utilizados na prática clínica para fins de diagnóstico ou para identificar a gravidade ou a evolução de uma patologia. Considerando, o tema de partida do nosso trabalho jornalístico, importa salientar que a utilização de biomarcadores tem permitido a individualização de alguns tratamentos, bem como o desenvolvimento da medicina personalizada.
Biomarcador clássico – Em medicina, o biomarcador “clássico” é um parâmetro ou padrão laboratorial que o clínico pode usar como auxiliar de diagnóstico ou numa decisão terapêutica.
Biomarcadores de diagnóstico – São os biomarcadores usados com intenções de diagnóstico e que, efectivamente, proporcionam a confirmação de diagnósticos difíceis de fazer, além de ajudarem na identificação de indivíduos com alto risco de desenvolver uma doença, possibilitando uma actuação terapêutica oportuna ou atempada.
BiTE – BiTE (bispecifictherapeutic engagers) consiste num tratamento com anticorpos monoclonais bi-específicos. Neste caso, o medicamento, uma molécula de dupla ligação, forma uma ponte para a conexão entre os linfócitos T do paciente e as células cancerígenas, a fim de combater o tumor.
Carcinogénios – São substâncias que potenciam o risco de desenvolvimento de cancro, principalmente devido às alterações no ADN do núcleo da célula, daí resultando a evolução de um fenótipo maligno.
CD20 – É um antigénio que está localizado nos linfócitos pré–B e linfócitos B maduros. Presentemente, o anticorpo monoclonal anti-CD20 é utilizado como terapêutica alvo nas neoplasias linfoproliferativas B, podendo ser monitorizado através dessa técnica.
CD38 – O CD38 (também conhecido por T10) é uma ectoenzima (enzima extracelular ou enzima que actua fora do organismo) multifuncional cujo gene codificador se localiza no braço curto do cromossoma 4. É uma ectoenzima amplamente expressa nas células e nos tecidos humanos, especialmente nos leucócitos.
Célula-mãe – Célula iniciadora, célula de reserva ou célula estaminal.
Célula estaminal – A utilização desta designação surge como sinónimo de “stem cell”. Segundo o médico e investigador portuense Manuel Sobrinho Simões (fundador do IPATIMUP), seria melhor seguir o exemplo francês de “cellule souche”, ou “célula-semente”.
Citogenética – Ramo da Genética que se dedica, principalmente, ao estudo microscópico dos cromossomas e da sua relação com o fenótipo.
Citometria de fluxo – É uma técnica utilizada para contar, examinar e classificar partículas microscópicas suspensas num meio líquido em fluxo.
Codão – Um codão é uma sequência de três bases consecutivas que, no DNA (ou ADN) e após a transcrição no RNAm, codifica para um aminoácido.
Corticóides – Os glicocorticóides, corticóides ou corticosteróides são fármacos poderosos, resultantes da hormona cortisol, a qual é produzida pelas glândulas suprarrenais. São frequentemente utilizados como parte do tratamento de doenças de origem inflamatória, alérgica, imunológica e também contra alguns tipos de cancro.
Deleção – Tipo de aberração cromossómica em que há perda de parte de um cromossoma (um braço ou uma parte intersticial ou terminal de um braço cromossómico). A nível molecular, significa a perda de um ou mais nucleótidos no ADN.
Deleção do cromossoma 17p – Deleção do braço curto do cromossoma 17.
Diagnóstico precoce – Permite detectar as fases iniciais do processo de desenvolvimento neoplásico.
DNA – Iniciais da designação em inglês DeoxyriboNucleic Acid (ver ADN).
Doença residual mínima ou mensurável (MRD) –A MRD é definida como a presença de células neoplásicas por métodos mais sensíveis de procura, como a biologia molecular ou a imunofenotipagem. Ou seja, quando não detectamos determinada doença por métodos mais tradicionais, como a citologia ou os exames de imagem, mas conseguimos detectar por métodos mais sensíveis, dizemos que o paciente tem DRM detectável.
Espectrometria de massa – A espectrometria de massa é uma técnica que teve início no século passado (Thompson, 1913) e que se baseia na formação de iões na fase gasosa (carregados positivamente ou negativamente), os quais podem ser detectados, considerando a sua razão massa/carga (m/z).
Ex vivo – Locução latina que designa fora do corpo vivo. Alude a um procedimento médico por meio do qual um órgão, células ou tecidos são removidos de um corpo vivo para um tratamento ou procedimento e, em seguida, devolvidos ao mesmo organismo vivo.
Fármacos de alvo molecular – As drogas ou fármacos de alvo molecular (como os inibidores de tirosina-quinase e os anticorpos monoclonais) funcionam actuando directamente no tumor e preservando as células saudáveis. Ou seja, atacam moléculas com alterações genéticas específicas que fazem com que uma célula normal se transforme em tumoral, tornando-se uma opção de tratamento menos agressiva ao organismo e, em alguns casos, mais eficiente contra a doença.
Fenótipo – Características físicas, bioquímicas e/ou fisiológicas que se observam num indivíduo ou numa célula, resultantes da interacção do meio ambiente com um gene ou genes.
Gene – Unidade básica de material genético situada num determinado lugar de um cromossoma. É definido como um fragmento de ADN ou de ARN que actua como a unidade que controla a formação de uma única cadeia de polipeptídeos.
Genoma – Todo o componente genético.
Imune – É o organismo que está defendido, isento.
Imunidade – É a situação que resulta da aquisição de uma resposta imune para determinada substância.
Imunofenotipagem – É uma técnica utilizada para se identificar qual o tipo exacto de células que compõem um determinado tecido, quando há dúvida diagnóstica na análise de biópsias. É um exame no qual um anticorpo específico para a molécula que o investigador quer pesquisar, já marcada pelo examinador com algum corante ou com radiação, é colocado sobre o fragmento de tecido analisado.
Imunoglobulina – Qualquer proteína existente no plasma capaz de actuar com o um anticorpo.
Imunoglobulinas monoclonais – Em afecções malignas caracterizadas por proliferação plasmocitária, como sucede no mieloma múltiplo, a presença de imunoglobulinas monoclonais permite a apreciação da massa tumoral.
Imunomoduladores – São os fármacos ou agentes terapêuticos que modificam uma resposta imunitária ou o funcionamento do sistema imunitário.
Imunoterapia – Tratamento das enfermidades pela produção de imunidade ou com o emprego de soros específicos. O tratamento com anticorpos monoclonais é também chamado de imunoterapia ou terapia alvo (ver Terapêutica alvo), porque cada tipo de anticorpo monoclonal tem como alvo partes específicas das células de certas doenças ou de microrganismos, como os vírus ou as bactérias.
Incidência – Aumento do número de novos casos que ocorrem durante um determinado período de tempo, geralmente, num ano. A taxa de incidência (ver tambémValores de incidência) refere-se ao número de casos que ocorrem num determinado período de tempo, numa determinada população (sendo especificado o número de elementos do universo considerado).
Inibidor – Quando o alvo terapêutico é uma enzima e a sua função fica impedida pela união de um fármaco, este é denominado inibidor.
Investigação translacional – Diz-se da aplicação prática de investigação científica (sobretudo, na área da medicina).
Leucemia mieloide crónica (LMC) – Na LMC, muitas células estaminais transformam-se num tipo de glóbulos brancos anómalos, chamados granulócitos.
Linfócitos – Tipo de glóbulos brancos presentes, sobretudo, no sistema linfático. Combatem infecções virais através de destruição celular.
Linfócitos B – Ou grandes células B. Quando estimulados, transformam-se em plasmócitos, que produzem ou sintetizam anticorpos.
Linfoma não-Hodgkin – O linfoma não Hodgkin é um tumor que começa ou que tem origem no sistema linfático.
Locus – Plural: loci. É um determinado local de um cromossoma em que se encontra um gene.
Marcador tumoral – Substância, geralmente proteica, que pode ser doseada no sangue e usada para indicar a quantidade de tumor presente no organismo. Ou seja, uma substância passível de avaliação quantitativa no sangue, em outros líquidos orgânicos e também nos tecidos, podendo detectar a presença ou o desenvolvimento de uma neoplasia. Além disso, pode contribuir para a sua identificação e para a avaliação do grau de malignidade, e de qual é o órgão de origem, estabelecendo a extensão da doença, ajudando ainda a avaliar a resposta terapêutica e a descobrir precocemente a recidiva.
MicroArray – A tecnologia de microArray é uma ferramenta de análise de expressão genética (ou génica) que permite investigar a expressão de centenas ou milhares de genes numa amostra com uma reacção de hibridização. A tecnologia é baseada na hibridação de alvos marcados derivados de amostras biológicas e uma série de sondas de DNA imobilizadas numa matriz sólida, que representam os genes de interesse. Estamos a falar do micro-arranjo de DNA ou Chip de DNA, que é uma colecção de pontos microscópicos, usualmente preenchidos com DNA, que contém sondas para determinadas moléculas-alvo produzindo resultados quantitativos, como expressão genética.
Mieloma múltiplo (MM) – De causa incerta, embora se lhe possa atribuir uma componente genética, o mieloma começa na medula óssea e, ao disseminar-se, causa danos e dores nos ossos (por vezes, fracturando-os), afectando a produção de anticorpos e sujeitando os doentes a infecções. Porém, apesar de afectar os ossos, o mieloma múltiplo tem origem nas células sanguíneas e não nas células do osso. No MM, as células do plasma monoclonais segregam apenas um tipo de anticorpos e multiplicam-se de forma desordenada, ocupando ou invadindo a medula óssea.
Monoclonais – Todas as células malignas de um único tumor são geneticamente idênticas. Todavia, são necessárias várias alterações genéticas ou mutações para que as células normais se tornem malignas.
Neoplasia – Crescimento de um tecido novo a partir de uma célula-mãe (crescimento clonal). Crescimento tecidual decorrente da acção de agentes carcinogénicos ou não.
NGS – Sequenciamento de Nova Geração (Next-Generation Sequencing). Actualmente, é possível sequenciar todo ou algumas partes do ADN humano, de forma rápida, através do Sequenciamento de Nova geração ou NGS (Next-Generation Sequencing). Esta técnica está a possibilitar importantes descobertas científicas no diagnóstico de patologias e na medicina de precisão.
Neuropatia – Qualquer doença dos nervos periféricos que, geralmente, provoca paresia (debilidade muscular) ou fraqueza e anestesia.
Nucleótido (ou nucleotídeo) – Em biologia molecular e bioquímica, são os blocos construtores dos ácidos nucleicos: o ADN e o ARN.
Plasmócito – Estamos a falar do último estado da evolução dos linfócitos B. Os plasmócitos são células com um retículo endoplasmático particularmente abundante e que sintetizam imunoglobulinas que libertam no meio extracelular. Os locais de fixação dos antigénios das imunoglobulinas segregadas correspondem aos que são marcados sobre a membrana dos linfócitos B pelos receptores B. A activação dos linfócitos B para a fixação de antigénios específicos desencadeia a síntese das imuglobulinas e a sua secreção.
Plasmocitoma (ou plasmacitoma) – Tumor maligno de células plasmáticas, integramente relacionado com o mieloma. Costuma manifestar-se como um tumor solitário do osso, embora possa ser múltiplo.
Prevalência – O número de doentes, neste caso, com mieloma múltiplo (MM) na população.
Progenitores hematopoiéticos – Os progenitores hematopoiéticos (ou células estaminais hematopoiéticas) são células estaminais com o potencial de originar quaisquer células sanguíneas, podendo ser obtidas através da medula óssea e do sangue periférico (ou também do sangue do cordão umbilical).
Proteasoma – É uma protéase dependente de ATP (a adenosina trifosfato é uma das substâncias fundamentais das estruturas vivas, sendo utilizada como unidade energética nas transformações que criam a vida) usada para destruir proteínas danificadas ou proteínas com erros de síntese, as quais são marcadas para degradação através da ligação de cadeias de ubiquitina em série, que serão reconhecidas para que o processo se inicie. A ubiquitina é uma proteína encontrada nas células eucariotas constituída por 76 aminoácidos que desempenha uma função importante na regulação de proteínas. Como também informa, a académica Ana Bela Sarmento Ribeiro (ver o primeiro trabalho de reportagem, no jornal sinalAberto, inserido no dossiê “A medicina personalizada em hemato-oncologia”), os proteasomas são complexos enzimáticos que degradam proteínas, algumas delas com grande relevância no mieloma múltiplo.
Proteómica – O estudo do proteoma (ou seja, do total de proteínas codificadas pelo genoma) permite-nos identificar as proteínas que estão sendo expressas num determinado momento, bem como quantificá-las, além de observarmos as suas modificações pós-transducionais.
Rastreio – É o conjunto de medidas que visam diagnosticar a doença oncológica, eventualmente sem sintomas ou com sintomas não valorizados, a fim de proceder à sua imediata terapêutica.
Remissão – O termo remissão, quando usado na medicina e em tratamentos de cancro, refere-se a uma fase da doença em que não se nota mais nenhum tipo de actividade ou de avanço do cancro. É, segundo os especialistas, a primeira etapa da vitória contra o cancro.
Resposta imune – A resposta imune pode ser humoral (com produção de anticorpos nos líquidos orgânicos) ou celular (com produção de células, linfócitos agressivos). A resposta imune tem três características fundamentais: é específica, de memória e xenófoba.
RNAm – O RNA (ou ARN) mensageiro corresponde a 5% da RNA celular e em que a ordem dos codões assegura a sequência de aminoácidos para a síntese de uma cadeia polipeptídica.
RNA-Seq – É uma técnica de sequenciamento que usa o sequenciamento de última geração para revelar a presença e a quantidade de RNA (ou de ARN) numa amostra biológica em um determinado momento, analisando o transcriptoma (ou o total de RNAm transcrito a partir de um genoma) celular em constante mudança.
Screening ex vivo de drogas– Ex vivo drug sensitivity screening (DSS). As abordagens da medicina de precisão, como a triagem de sensibilidade a drogas ex vivo (DSS), são importantes para informar a selecção racional de drogas, por exemplo, em síndromes mielodisplásicas (MDS) e leucemia mielóide aguda, dada sua heterogeneidade biológica acentuada.
Sobrevivência global – A taxa de sobrevivência global indica a percentagem de pacientes que, no âmbito de um estudo, estão vivos num determinado período de tempo após o diagnóstico.
Sobrevivência livre de doença – Foi definida como o tempo, em dias, desde o desenvolvimento terapêutico ou a cirurgia (se for o caso) até à recidiva do cancro ou morte, por qualquer causa.
Sobrevivência livre de progressão – Período depois de um tratamento que não conseguiu eliminar a doença durante o qual o cancro permanece estável, ou que não progride.
Tandem – Conjunto de duas unidades dispostas uma atrás da outra.
Tandem repeat – Unidade repetitiva. Pequena sequência de ADN que se repete como múltiplas cópias adjacentes, com a mesma orientação, na cadeia de ADN.
Terapêutica alvo – É a utilização de fármacos que “detectam” e destroem selectivamente as células cancerígenas, preservando, assim, as células saudáveis. A maior parte destes tratamentos ainda se encontra em fase experimental, sendo normalmente utilizados em associação com outros tratamentos no combate a determinados tipos de cancro. Parece permitir uma maior qualidade de vida ao doente, por se pensar que provoca menos efeitos secundários do que a quimioterapia tradicional.
Terapia celular CAR T-cells – Na terapia genética, como um todo, é feita a transferência dos genes de uma molécula para outra, para prevenir ou curar determinada doença. No caso da terapia CAR T-cells, é utilizado o linfócito do tipo T, pois é ele que comanda a resposta do corpo aos vírus e ao cancro. CAR quer dizer receptor T quimérico; ou seja, que essa molécula, na sua porção extracelular, é de origem de um gene, e na sua porção intracelular, é de origem de outro gene. As células T quiméricas do receptor de antígeno são células T que foram geneticamente modificadas para produzir um receptor artificial de células T para uso em imunoterapia.
Translocação t (4;14) – Existem diferentes tipos de MM, por isso, o mieloma é denominado doença heterogénea. Uma translocação t (4; 14) significa que parte do cromossoma 4 trocou de lugar com o cromossoma 14. Quando uma translocação como esta acontece, a mutação genética pode ser encontrada em todas as células de mieloma ou num subconjunto.
Translocação t (11;14) – Uma translocação t (11; 14) corresponde a que parte do cromossoma 11 trocou de posição ou de locus com o cromossoma 14.
Transplantação autóloga de progenitores hematopoiéticos (TAPH) – Torna possível a recuperação hematopoiética, a seguir a regimes de condicionamentos mieloablativos com doses elevadas de quimioterapia/radioterapia. É assim denominada porque as ditas células progenitoras hematopoiéticas nem sempre são obtidas na medula óssea.
Valores de incidência – Contabilizam os novos casos de cancro (neste contexto, mieloma múltiplo) por 100 mil habitantes, em cada ano.
Valores de mortalidade – Registam os casos de doentes mortos, anualmente, devido a determinada patologia, por 100 mil habitantes.
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NOTA: Para a elaboração deste glossário, foram principalmente consultados o Dicionário Infopédia de Termos Médicos, o livro Gene, Células, Ciência, Homem (de Manuel Sobrinho Simões), o Manual de Genética Médica (de Fernando J. Regateiro), o Manual de Imunologia – 1.º fascículo (editores: A. G. Palma Carlos e M. Laura Palma Carlos), Guia Prático Saúde de A-Z (editado por Bárbara Palla e Carmo e com revisão técnica de Eduardo Barroso) e as páginas electrónicas da EUPATI (The European Patients’ Academy on Therapeutic Innovation), da Liga Portuguesa Contra o Cancro e de Myeloma Crowd (The Health Tree Foundation), bem como www.infoescola.com e a enciclopédia livre Wikipédia.
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17/12/2021
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Impacto das novas terapêuticas no mieloma múltiplo
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(*) Segundo trabalho de reportagem, no jornal sinalAberto, inserido no dossiê “A medicina personalizada em hemato-oncologia”, no âmbito das Bolsas de Jornalismo em Saúde 2020, atribuídas pelo Sindicato dos Jornalistas, em parceria com a Roche.