“À moda do Porto”

 “À moda do Porto”

(pt.foursquare.com)

O Martim é um miúdo “fora da caixa”. Pouco dado aos ditames da moda e a festejos anunciados em calendário1. Mas gosta de “mimar”. Os amigos e os pais. Foi o que aconteceu na última segunda-feira, com o seu convite para um jantar em família no Nun’Álvares.

O Nun’Álvares é um restaurante da portuense Rua Guedes de Azevedo, a escassas dezenas de metros da capela de Nossa Senhora da Boa Hora2, que se ergue quase no topo da Rua de Sá da Bandeira. Isto é, no antigo sítio de Fradelos. Por essa razão, ainda hoje é popularmente conhecida por “Capelinha de Fradelos”.

Chegámos ao restaurante quando os ponteiros do relógio já apontavam as nove e meia da noite. Há mais de 10 anos que não íamos ao Nun’Álvares, apesar de a “casa” da família Fernandes, transmontanos de boa cepa, ter lugar certo nas nossas memórias afectivas. Foi ali que, durante anos a fio, fizemos muitas das nossas refeições. Eu – ao almoço, quando exercia o meu ofício de jornalista no vizinho Jornal de Notícias (JN) –, a Ana e o Martim, o nosso “ai-jesus”, na época em que o carrinho de bebé era o seu transporte de eleição.

(shopinporto.porto.pt)

A minha saída do JN, em 2002, por assim ter decidido, alterou hábitos e rotinas. Deixei de frequentar aquela zona da “baixa” do Porto e só mais recentemente o voltei a fazer. Sobretudo, a partir da reabertura do icónico Cinema Trindade, em 2017, que, nas suas duas salas, apresenta “cinema de autor”, sob a égide de Américo Santos, fundador da produtora audiovisual Nitrato Filmes.

Se bem me lembro, como dizia o professor Vitorino Nemésio – Ai que saudades, ai, ai! –, de então para cá e apenas uma vez, voltámos a fazer uma refeição no Nun’Álvares. Aconteceu num domingo, ao almoço e na companhia do nosso amigo Leandro Vale (1940-2015). O repasto com o actor – que, durante anos a fio, levou o teatro às aldeias remotas de Trás-os-Montes – serviu para festejar o seu último filme, “Aqui Jaz a Minha Casa”, uma curta-metragem dirigida pelo realizador Rui Pilão, rodada numa aldeia sem gente, no concelho de Vinhais, terra natal dos donos do Nun’Álvares.

(tripadvisor.pt)

Voltámos agora, pois! Na última segunda-feira. E ali fomos recebidos carinhosamente pela Dona Lídia, pelo senhor Alexandre e pelo funcionário Rui. Com o carinho que só os amigos nos dispensam. Ficámos profundamente comovidos. Tanto que só a excelência do cachaço de porco preto, do caldo verde, da canja de galinha e do creme queimado lograram afastar as lágrimas que ameaçavam chegar aos cantos dos nossos olhos.

A sala foi renovada, está mais bonita, mas continua a ser “porto de abrigo” para quem aprecia a boa cozinha portuguesa, sem tiques de “chefs”, que agora são mais do que as mães. O Nun’Álvares é um restaurante “à Porto”, pela forma como serve e recebe os comensais, que ali são tratados como amigos, independentemente das suas longas ausências, como foi nosso caso.

Regressaremos em breve. Talvez a uma quinta-feira, para degustar as maravilhosas “tripas”. Ou num domingo, para nos deliciarmos com cabrito assado acompanhado de um excelente arroz no forno com grelos. Ou num qualquer outro dia, para saborear os filetes de pescada e a salada russa confeccionados pelas mãos sábias da Dona Lídia, a grande cozinheira deste Nun’Álvares, que resistiu à pandemia da covid-19 e que resiste ao cerco do “fast food”. Bem hajam!

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Notas:

Capela de Fradelos, no Porto.
(pt.wikipedia.org)

1 – Como perceberam, o nosso filho “mimou” a mãe, um dia depois daquele que agora é “imposto” pelo calendário (primeiro domingo de Maio) e que, desde a década de 1970, condenou o 8 de Dezembro (data em que se comemorava o Dia da Mãe) ao esquecimento. Para ele, o “Dia da Mãe” são todos os dias. Faz muito bem: a Ana é a melhor mãe que ele podia ter. Ele e eu somos uns sortudos.

2 – A Capela de Nossa Senhora da Boa Hora (de Fradelos), no Porto, foi inaugurada em 1893. É uma construção rectangular de uma só nave, de arquitectura religiosa neoclássica. Tem uma torre sineira e dois corpos laterais alongados. A fachada principal, assim como o seu interior, possui azulejos azuis e brancos da autoria de Jorge Colaço. Realce-se o tecto de estuque decorado por medalhões de centro dourado no seu interior.

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11/05/2023

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Soares Novais

Porto (1954). Autor, editor, jornalista. Tem prosa espalhada por jornais, livros e revistas. Assinou e deu voz a crónicas de rádio. Foi dirigente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) e da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP). Publicou o romance “Português Suave” e o livro de crónicas “O Terceiro Anel Já Não Chora Por Chalana”. É um dos autores portugueses com obra publicada na colecção “Livro na Rua”, que é editada pela Editora Thesaurus, de Brasília. Tem textos publicados no "Resistir.info" e em diversos sítios electrónicos da América Latina e do País Basco. É autor da coluna semanal “Sinais de Fogo” no blogue “A Viagem dos Argonautas”. Assina a crónica “Farpas e Cafunés”, na revista digital brasileira “Nós Fora dos Eixos”.

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