A nova Declaração de Helsínquia alerta para a urgência de acções na Antárctida

 A nova Declaração de Helsínquia alerta para a urgência de acções na Antárctida

O gelo marinho e terrestre na Antárctida tem um papel importante em processos relacionados com o nível do mar e com as correntes oceânicas no resto do planeta. (Créditos fotográficos: José Xavier / José Seco, na Península Antárctica)

Em mais de dez expedições científicas à Antárctida, todas elas me transmitiram que tudo se está a agravar com o degelo, devido ao seu aquecimento. Mas não é só lá, é em todo o planeta, incluindo em Portugal. Já fomos, muitas vezes, avisados de que as alterações climáticas terão um papel muito negativo no nosso querido Portugal. Mais quente no Verão, mais frio no Inverno, eventos extremos mais fortes e mais regulares, escassez de água, desertificação e a subida do nível do mar são alguns exemplos destes avisos.

E a Antárctida, tão longe de Portugal, poderá afetar-nos? Sim, pode e muito. Principalmente, através do clima, das correntes dos oceanos e do nível do mar. Como a Antárctida é cerca de 10% da superfície da Terra, a sua influência no clima do planeta é importante, com as mudanças nesta região a influenciarem o clima noutras regiões.

Em relação às correntes dos oceanos, as mudanças na quantidade de gelo da Antárctida têm provocado alterações na composição e nas características da água (que se apresenta menos salina e mais quente), as quais pode alterar as correntes profundas, a partir da Antárctida, que se estendem pelos fundos dos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico, influenciando o transporte de nutrientes e a produção primária (a exemplo das algas) dos oceanos, no nosso planeta.

Foca-de-Weddell (Leptonychotes weddellii) – estas focas são as que têm a sua área de distribuição mais a sul do planeta – para nos relembrar a importância da biodiversidade antárctica. (Créditos fotográficos: José Xavier, na Ilha Livingston)

Na verdade, cerca de 75% da produção primária dos oceanos tem origem no Oceano Antártico. No que toca ao nível do mar, a Antárctida possui entre três a cinco quilómetros de gelo em cima (como termo de comparação, a nossa serra da Estrela tem quase dois quilómetros de altura), numa área do tamanho aproximado do continente Europeu. Um estudo científico português projecta que o nível do mar, nos próximos 50 anos, poderá ser de mais de 27 centímetros (cm) – actualmente, o nível do mar está a aumentar cerca de 0,3 cm por ano –, o que é preocupante para países costeiros como Portugal. Atendendo a que algumas das nossas principais cidades (como Viana do Castelo, Porto, Aveiro, Lisboa, Setúbal e Faro) estão junto da zona costeira, a pressão de prevenir e de mitigar impactos (com mais custos para reduzir a influência do aumento do nível do mar) vai aumentar.

José Xavier, docente do Departamento de Ciências da Vida da
Universidade de Coimbra, esteve, mais uma vez, nas Reuniões
Consultivas do Tratado da Antárctida, como chefe da delegação de
Portugal, na Finlândia, aquando das discussões sobre a Declaração
de Helsínquia acerca das alterações climáticas e da Antárctida.
(Créditos fotográficos: Renuka Badhe)

Para reforçar o reconhecimento das alterações climáticas na Antárctida, foi assinada a Declaração de Helsínquia sobre as alterações climáticas e a Antárctida, na última reunião consultiva do Tratado da Antárctida, realizada entre 29 de Maio e 8 de Junho de 2023, na cidade de Helsínquia (na Finlândia).

Recorde-se que as reuniões do Tratado da Antárctida reúnem todos os países que assinaram o Tratado da Antárctida (no qual se defende que este continente deverá ser direccionado para a Ciência e para a Paz), incluindo Portugal. Tive o privilégio, como chefe da delegação de Portugal, de testemunhar a sua redacção e as várias discussões, até à sua versão final.

A Declaração de Helsínquia é muito importante, pois reafirma a necessidade de combater os impactos adversos das alterações climáticas na Antárctida, bem como o reconhecimento o papel crítico deste continente. Realça também as mudanças irreversíveis que poderão ocorrer, no futuro, se não houver reduções das emissões dos gases de estufa.

Igualmente importantes são as evidências científicas sobre a Antárctida que vão no sentido de que está a ser muito afectada pelas alterações climáticas e de que é urgente tomar acções para:

  • obter ainda mais informação científica capaz de acelerar o desenvolvimento de políticas;
  • desenvolver operações ou dispor de capacidade operacional (a exemplo do uso dos aviões, de navios e de barcos de pesca) na Antárctida “carbono-zero”; e
  • contribuir para acções globais, como o Acordo de Paris e os relatórios do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas das Nações Unidas, para combater as alterações climáticas no planeta, de um modo concertado.
Durante os trabalhos das Reuniões Consultivas do Tratado da Antárctida, em Helsínquia. (Créditos fotográficos: José Xavier)

Adicionalmente, a Declaração de Helsínquia reafirma que as actividades de mineração na Antárctida (incluindo a extracção de combustíveis fósseis) continua proibida, sem data de expiração ou sem o termo de um prazo convencionado.

A Declaração de Helsínquia deixa-me optimista para o futuro, pois, a maioria dos países está, realmente, interessada em contribuir positivamente para reduzir a sua pegada ecológica e para avançar mais rapidamente com acções contra as alterações climáticas.

O que se faz na Antárctida poderá ser um exemplo para o Mundo e espero que se possa não só reduzir as emissões dos gases com efeito de estufa nas nossas acções na Antárctida, mas também em casa, nos nossos países. Para isso, é preciso reduzir as nossas contribuições nacionais destes gases, para que não tenhamos ainda mais notícias desagradáveis sobre as alterações climáticas. E podemos começar com uma perspectiva sustentável individual, fazendo o nosso papel, como cidadãos, de reduzir, de reutilizar e de reciclar, evitando gastos de energia desnecessários, diariamente. Se não fizermos nada, as consequências no futuro vão ser cada vez maiores. Diz o provérbio: “Quem te avisa, teu amigo é.” E a Declaração de Helsínquia faz, exactamente, isso.

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22/06/2023

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José Xavier

Biólogo marinho, professor e investigador do Centro de Ciências do Mar e Ambiente (MARE) da Universidade de Coimbra.

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