A par do propalado progresso, continua o sofrimento das crianças
A Amnistia Internacional (AI), a assinalar os seis meses da revolta popular sem precedentes, no Irão, espoletada pela morte, sob custódia, da jovem Mahsa Amini, denuncia que os serviços secretos e as forças de segurança do Irão têm cometido atos de tortura, como espancamentos, chicotadas, choques elétricos com armas de atordoamento, administração forçada de comprimidos não identificados e imobilização da cabeça debaixo de água, violações e outros tipos de violência sexual contra manifestantes de apenas 12 anos, para repreender o seu envolvimento nos protestos em todo o país.
Em comunicado de 21 de março, a AI revela ter documentado, detalhadamente, casos de dezenas de crianças, depois de obter declarações das vítimas e das respetivas famílias, bem como testemunhos adicionais de 19 testemunhas oculares – incluindo dois advogados e 17 adultos, detidos e mantidos junto de crianças – sobre a prática generalizada de tortura contra as mesmas.
As crianças detidas, tal como os adultos, foram levadas, inicialmente, para centros de detenção geridos pela Guarda Revolucionária, pelo Ministério da Inteligência e Segurança Nacional, pela Polícia de Segurança Pública, pela unidade de investigação da polícia iraniana (Agahi) ou pela força paramilitar Basij. Não raro, faziam as deslocações de olhos vendados. E, após dias ou semanas de detenção, em regime de isolamento ou de desaparecimento forçado, foram transferidas para prisões reconhecidas. Outras crianças foram raptadas por agentes disfarçados com roupas civis, durante ou na sequência de manifestações, levando-as para locais não oficiais como armazéns, onde as torturaram antes de as abandonarem em localizações remotas.
Estes raptos destinavam-se a punir, a intimidar e a dissuadir as crianças de participarem em protestos. Muitas crianças mantidas nas mesmas celas de adultos, enquanto estavam detidas, ao arrepio das normas internacionais, foram sujeitas aos mesmos padrões de tortura e de outros maus-tratos. Um ex-detido adulto relatou à AI que os agentes Basij forçaram rapazes a permanecer em pé na fila, ao lado de adultos detidos, com as pernas afastadas, enquanto os torturavam com choques elétricos na zona genital. Outros métodos de tortura descritos integravam chicotadas, choques elétricos com armas de atordoamento, administração forçada de comprimidos não identificados e imobilização da cabeça das crianças debaixo de água.
Os agentes estatais recorreram à tortura psicológica, como ameaças de morte, para punir e intimidar as crianças e/ou coagi-las a fazer confissões forçadas. Os meios de comunicação estatais emitiram as confissões forçadas de, pelo menos, dois rapazes detidos nas manifestações.
E as crianças foram mantidas “sob condições de detenção cruéis e desumanas, nomeadamente sobrelotação extrema dos espaços, falta de acesso a instalações sanitárias e de higiene, privação de comida e de água potável, exposição ao frio extremo e ao confinamento solitário prolongado”. As meninas foram mantidas detidas por agentes de segurança exclusivamente do sexo masculino, sem terem sido tidas em conta as necessidades específicas de género. E foram igualmente negados cuidados médicos adequados às crianças, mesmo para ferimentos sofridos sob tortura.
A maioria das crianças detidas nos últimos seis meses foi alegadamente libertada, por vezes, sob fiança. Porém, aguardam investigações ou encaminhamento para julgamento. Para conseguirem a liberdade, muitas foram forçadas a assinar cartas de arrependimento e a prometer abster-se de atividades políticas e a participar em comícios pró-governamentais.
Antes de serem libertadas, as autoridades ameaçavam-nas com processos judiciais por acusações que implicam a pena de morte ou com a detenção dos seus familiares. Em, pelo menos, dois casos documentados pela AI, e apesar das possíveis represálias, as famílias das vítimas apresentaram queixas oficiais às autoridades, mas nenhuma foi investigada.
As autoridades iranianas reconheceram que o número total de pessoas detidas em ligação com as manifestações foi já superior a 22 mil. E a AI estima que milhares de crianças possam ter estado entre aqueles que foram vítimas da vaga de detenções.
Diana Eltahawy, diretora-adjunta da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte de África, perante estes factos, declarou: “As autoridades devem libertar imediatamente todas as crianças detidas apenas por se manifestarem pacificamente. Sem perspetivas de investigações imparciais e efetivas sobre estes comportamentos de tortura a crianças, apelamos a todos os Estados para que exerçam a jurisdição universal sobre os suspeitos com possível responsabilidade nos crimes à luz do direito internacional, tais como a tortura de crianças manifestantes, mesmo os que possuem funções de comando ou se encontram em posições superiores.”
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Maria Lvova-Belova, de 38 anos, esposa de um sacerdote ortodoxo que apoia Vladimir Putin, cultiva a imagem de benfeitora, tem cinco filhos biológicos, é mãe adotiva ou tutora legal de outras 18 crianças e trabalha, desde 2021, como comissária presidencial da Rússia para os Direitos das Crianças na Federação Russa. Todavia, com Vladimir Putin, que a nomeou para o cargo, quatro meses antes do início da guerra, é acusada pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) de deportar crianças ucranianas para a Rússia: crime de guerra que ambos não reconhecem.
Lvova-Belova já havia sido sancionada pela União Europeia (UE), em julho de 2022, e pelo Japão, em janeiro deste ano. Agora, perante o mandado de prisão emitido pelo TPI, a 17 de março, afirma: “É ótimo que a comunidade internacional tenha apreciado o trabalho de ajudar as crianças do nosso país, que não as deixemos na zona de guerra, que as tiremos, que criemos boas condições para eles, que os cerquemos de pessoas amorosas e atenciosas. Houve sanções de todos os países, até do Japão, contra mim. Agora, há um mandado de prisão. Pergunto-me o que acontecerá a seguir. Bem, continuamos a trabalhar.” Em “trabalho”, visita territórios ucranianos ocupados, levando as crianças até à Rússia, onde são adotadas por famílias russas. E partilha fotos e vídeos nas redes sociais, elogiando o processo de integração destas crianças em novas famílias.
A BBC recorda que, em 2022, Lvova-Belova falou, publicamente, dos esforços para doutrinar as crianças ucranianas levadas para a Rússia, referindo que, à chegada, algumas “falavam mal do presidente [russo], diziam coisas horríveis e cantavam o hino ucraniano”, mas, depois começaram a integrar-se.
Antes de assumir o cargo atual, liderava uma fundação em Penza, cidade onde nasceu e que fica a mais de 500 quilómetros a sudeste de Moscovo, com várias casas de assistência a portadores de deficiência e a idosos. Porém, a imprensa local relata várias denúncias contra ela por ser violenta com as crianças, por comunicar com elas só quando os “media” ou os benfeitores estão presentes, e por ter aceitado crianças órfãs em casa, com a promessa de as adotar, mas que, posteriormente, as devolveu aos orfanatos. Piedade viperina!
Segundo um estudo independente norte-americano, citado pela agência Reuters, em fevereiro, estima-se que cerca de seis mil crianças ucranianas tenham sido deportadas para a Rússia, desde o início da invasão da Ucrânia, número que pode ser superior, pois inclui, não apenas órfãos, mas também crianças sob os cuidados de instituições estatais ucranianas antes da invasão.
A AI julga que a acusação por parte do TPI e a emissão dos mandados de detenção de Vladimir Putin e de Lvova-Belova “são um notável primeiro passo, mas até agora estão limitados ao crime de guerra de deportação ilegal de crianças”. “Isto não reflete a multiplicidade de crimes de guerra e de crimes contra a humanidade pelos quais a liderança russa é potencialmente responsável”, acrescenta. Por isso, espera que o TPI e outros atores de justiça emitam mandados de captura à medida que as investigações sobre crimes, à luz do direito internacional, cometidos na Ucrânia começam a mostrar resultados.
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O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) estima que 10 milhões de crianças precisam de urgente assistência humanitária em Burquina Fasso (ou Burkina Faso), no Mali e no Níger, devido ao agravamento da violência nessa região africana, que apresenta um quadro de crianças “cada vez mais envolvidas no conflito armado, como vítimas de confrontos militares intensificados ou alvos de grupos armados não estatais”.
Em comunicado, a diretora regional da UNICEF para a África Ocidental e Central, Marie-Pierre Poirier, descreve o ano de 2022 como muito violento para as crianças no Sahel Central. Por isso, apela a todas as partes em conflito para que parem urgentemente os ataques “tanto contra as crianças, como contra as suas escolas, unidades de saúde, e casas”. Estima-se que quatro milhões de menores estejam em risco de sofrer com a violência nos países vizinhos, devido aos confrontos entre grupos armados e às movimentações das forças de segurança nacional entre fronteiras.
A UNICEF chama a atenção para projeções recentes, indicando que as populações na área fronteiriça entre Burquina Fasso, Mali e Níger estarão em situação de insegurança alimentar catastrófica até junho de 2023. Grupos armados opõem-se à educação administrada pelo Estado e “queimam e pilham escolas sistematicamente, e ameaçam, raptam ou matam professores”.
Mais de 8.300 centros de ensino foram aí encerrados, por terem sido diretamente visados, por os professores terem fugido, por os pais serem deslocados ou por temerem enviar os filhos à escola.
Neste quadro, a UNICEF pede aos conflituantes que cumpram as suas obrigações morais e legais fundamentais para com as crianças, sob o direito internacional humanitário e os direitos humanos. E isto inclui o fim dos ataques a crianças e aos serviços de que precisam, assim como o respeito pelo espaço e pelo acesso do auxílio e a implementação das regras sobre o tratamento de crianças afetadas.
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Paralelamente, a UNICEF publicou o relatório “Análise situacional do direito das crianças na Europa e Ásia Central: Progresso Desigual, crianças deixadas para trás”, que revela o aumento de desigualdades que afetam o direito das crianças à saúde e à educação.
Atualmente, cerca de 35 a 40 milhões de crianças vivem em situação de pobreza na Europa e na Ásia Central, região que concentra uma das maiores taxas de crianças separadas das famílias e alocadas em instituições de cuidado, ou seja, fora do seu ambiente familiar. De todos os países analisados, Portugal é o que apresenta o maior percentual de crianças nessa situação.
A diretora regional da UNICEF para a Europa e Ásia Central, Afshan Khan, enfatizando a importância de maior monitoramento sobre como as crises ambientais, sanitárias e migratórias impactam as crianças, disse que a falta de dados sobre como esses eventos afetam os direitos infantis torna difícil avaliar como se pode atender às necessidades das crianças e das famílias mais vulneráveis, de modo que nenhuma delas seja deixada para trás.
A região, duramente atingida pela pandemia de covid-19, que acentuou a pobreza infantil, o abuso contra crianças, a violência sexual e de género, a crise de saúde (que afetou o bem-estar emocional das crianças), o fechamento de escolas (que atingiu 50 milhões de crianças em 20 países, causando enorme défice de aprendizagem) e a drástica redução da vacinação das crianças.
Tudo isto se vai agravando com as alterações climáticas, com peculiar incidência na região, a que se junta a guerra na Ucrânia, ainda sem fim à vista (com ingente massa de deslocados).
Perante este cenário de múltiplas ameaças, a UNICEF pede medidas contundentes de apoio aos menores, sob risco de pobreza e exclusão. As crianças não podem continuar a sofrer!
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23/03/2023