A política em causa

 A política em causa

Créditos: Mohamed Nohassi (unsplash.com)

Aproximadamente metade da população eleitoral não exerce o direito de voto, elementar em democracia e para o fortalecimento do regime, não cumprindo em simultâneo o dever cívico de participar na selecção dos protagonistas que vão dirigir os destinos colectivos e influenciar a sua vida pessoal e familiar.

A outra metade participa escolhendo a sua opção, procurando as ideias e os seus intérpretes com que se identifica, acreditando nas mensagens emitidas com sonoridade, agitando a sua consciência na esperança de melhores dias, mas, por vezes e para muitos eleitores, com cepticismo na concretização do enunciado, com remoques nos interesses suspeitos das lideranças, com descrédito nos políticos assim considerados, sem ilusões nem utopias que os animem.

Créditos fotográficos: Generosa Duarte

A acção cívica participativa não se esgota no voto destinado à democracia representativa, ainda assim essencial para definir vontades, correntes e órgãos de decisão, mas pode ser complementada pela intervenção, pela organização e pela mobilização de cidadãos em movimentos de opinião, com aplicação de princípios estruturantes, criação de causas comuns e citação de valores bem caracterizados.

Em todas as situações, está em causa a política, sendo a política uma causa, quando dinamizada, gerida e desenvolvida com dignidade, probidade, honestidade, honradez e outros atributos que, sendo sinónimos, nem sempre são exemplares e diferenciam quem os pratica; mas é-se levado a crer que “são todos iguais”, querem é “tacho”, a política é “suja”, há “negociatas e corrupção”.

Por princípio, a política (como ciência em que os cidadãos envolvidos se ocupam dos assuntos públicos), seria um acto nobre, imprescindível em regime democrático (imperfeito, mas o melhor dos regimes), em que o que estaria em causa seria a maior ou a menor capacidade e vitalidade dos personagens em resolver os problemas da sociedade, em idealizar soluções pragmáticas, credíveis e sólidas, em consensualizar concepções e conteúdos, unindo mais do que dividindo.

Pelo meio, surge um veículo de transmissão e ampliação de aderentes ao clausulado dos vultos responsáveis, sob a forma de promessas que encantam os incautos, os instigadores e as pessoas de boa-fé, mas que, iludindo os crédulos, vai criar a posteriori, a decepção do irrealizável, o desabono do proponente, a depreciação da “política”, em geral, conceito e palavra superlativada e generalizada.

(Direitos reservados)

Na política, há vencedores que proclamam as suas virtudes reconhecidas, que iniciam a sua obra para um mandato popular legitimado; todavia, por vezes destemperam o repasto, exibindo insolência. Mas têm o direito razoável e a licitude de demonstrar a razoabilidade do seu programa aplicado à realidade, sem desculpas de mau pagador nem invocações de obstáculos ou de contingências do percurso que não é um “mar de rosas”.

E há quem perca e que assuma a derrota com a naturalidade decorrente da democracia; que reflicta sobre as convicções e o modus faciendi, saindo de cenaou cooperando sem poder decisório, procurando alternativas para a adesão e para o reforço ideológico. Mas também há quem perca e destile azedume, procurando salvar “emprego” de profissão de futuro difícil, não reconhecendo que dar a vez é honrado, sem tergiversar para a manutenção da “dinastia”.

Créditos: Gayatri Malhotra (unsplash.com)

Conviver com a vitória e com a derrota, com os vencedores e com os vencidos, credibiliza os políticos, aceitando o que é bem feito, sem denegrir apenas porque sim, elogiando o que representa progresso e desenvolvimento, apreciando os adversários, que não serão inimigos, pelo contributo do qual os titulares vão usufruir. Mas também é de bom tom, fazer oposição ao considerado desajustado, procurar a conciliação na mais-valia sem pretextos de bloqueio, bem como assimilar pressupostos e considerandos reeditando princípios, causas e valores e fazendo novas propostas motivadoras, consequentes e proficientes.

Como respeitar a política (que está) em causa? Com seriedade, sobriedade e magnitude nas propostas e na acção; e não pela especulação, pelo escárnio e pelo maldizer; com mecanismos de aferição do exercício do poder e não pela autocracia e pela arrogância; com proximidade dos eleitos e não pelos gabinetes de régua e esquadro; com escolhas para as lideranças políticas pela competência e não pelo compadrio; com educação para a cidadania, e não pela manipulação, nem através da balela, da falsídia ou do embuste dos peralvilhos.

Assim, seguindo o percurso gerador de esperança e de confiança nos cidadãos, a política deixará de estar em causa e será uma causa, em benefício das necessidades das populações e da melhoria da qualidade de vida das pessoas e das famílias.

Créditos: Manny Becerra (unsplash.com) e Hernâni Caniço

20/10/2021

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Hernâni Caniço

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