A política em causa
Aproximadamente metade da população eleitoral não exerce o direito de voto, elementar em democracia e para o fortalecimento do regime, não cumprindo em simultâneo o dever cívico de participar na selecção dos protagonistas que vão dirigir os destinos colectivos e influenciar a sua vida pessoal e familiar.
A outra metade participa escolhendo a sua opção, procurando as ideias e os seus intérpretes com que se identifica, acreditando nas mensagens emitidas com sonoridade, agitando a sua consciência na esperança de melhores dias, mas, por vezes e para muitos eleitores, com cepticismo na concretização do enunciado, com remoques nos interesses suspeitos das lideranças, com descrédito nos políticos assim considerados, sem ilusões nem utopias que os animem.
A acção cívica participativa não se esgota no voto destinado à democracia representativa, ainda assim essencial para definir vontades, correntes e órgãos de decisão, mas pode ser complementada pela intervenção, pela organização e pela mobilização de cidadãos em movimentos de opinião, com aplicação de princípios estruturantes, criação de causas comuns e citação de valores bem caracterizados.
Em todas as situações, está em causa a política, sendo a política uma causa, quando dinamizada, gerida e desenvolvida com dignidade, probidade, honestidade, honradez e outros atributos que, sendo sinónimos, nem sempre são exemplares e diferenciam quem os pratica; mas é-se levado a crer que “são todos iguais”, querem é “tacho”, a política é “suja”, há “negociatas e corrupção”.
Por princípio, a política (como ciência em que os cidadãos envolvidos se ocupam dos assuntos públicos), seria um acto nobre, imprescindível em regime democrático (imperfeito, mas o melhor dos regimes), em que o que estaria em causa seria a maior ou a menor capacidade e vitalidade dos personagens em resolver os problemas da sociedade, em idealizar soluções pragmáticas, credíveis e sólidas, em consensualizar concepções e conteúdos, unindo mais do que dividindo.
Pelo meio, surge um veículo de transmissão e ampliação de aderentes ao clausulado dos vultos responsáveis, sob a forma de promessas que encantam os incautos, os instigadores e as pessoas de boa-fé, mas que, iludindo os crédulos, vai criar a posteriori, a decepção do irrealizável, o desabono do proponente, a depreciação da “política”, em geral, conceito e palavra superlativada e generalizada.
Na política, há vencedores que proclamam as suas virtudes reconhecidas, que iniciam a sua obra para um mandato popular legitimado; todavia, por vezes destemperam o repasto, exibindo insolência. Mas têm o direito razoável e a licitude de demonstrar a razoabilidade do seu programa aplicado à realidade, sem desculpas de mau pagador nem invocações de obstáculos ou de contingências do percurso que não é um “mar de rosas”.
E há quem perca e que assuma a derrota com a naturalidade decorrente da democracia; que reflicta sobre as convicções e o modus faciendi, saindo de cenaou cooperando sem poder decisório, procurando alternativas para a adesão e para o reforço ideológico. Mas também há quem perca e destile azedume, procurando salvar “emprego” de profissão de futuro difícil, não reconhecendo que dar a vez é honrado, sem tergiversar para a manutenção da “dinastia”.
Conviver com a vitória e com a derrota, com os vencedores e com os vencidos, credibiliza os políticos, aceitando o que é bem feito, sem denegrir apenas porque sim, elogiando o que representa progresso e desenvolvimento, apreciando os adversários, que não serão inimigos, pelo contributo do qual os titulares vão usufruir. Mas também é de bom tom, fazer oposição ao considerado desajustado, procurar a conciliação na mais-valia sem pretextos de bloqueio, bem como assimilar pressupostos e considerandos reeditando princípios, causas e valores e fazendo novas propostas motivadoras, consequentes e proficientes.
Como respeitar a política (que está) em causa? Com seriedade, sobriedade e magnitude nas propostas e na acção; e não pela especulação, pelo escárnio e pelo maldizer; com mecanismos de aferição do exercício do poder e não pela autocracia e pela arrogância; com proximidade dos eleitos e não pelos gabinetes de régua e esquadro; com escolhas para as lideranças políticas pela competência e não pelo compadrio; com educação para a cidadania, e não pela manipulação, nem através da balela, da falsídia ou do embuste dos peralvilhos.
Assim, seguindo o percurso gerador de esperança e de confiança nos cidadãos, a política deixará de estar em causa e será uma causa, em benefício das necessidades das populações e da melhoria da qualidade de vida das pessoas e das famílias.
20/10/2021