A punição do amor
O João Murteira joga no futebol distrital (nos sub-17, Campeonato de Juvenis), no Sport Lisboa e Cartaxo, onde é treinado pelo próprio pai (Paulo Murteira) que, sem distinguir as qualidades do filho relativamente às dos outros jovens atletas, o integrou na equipa de juvenis por aquilo que demonstrou enquanto futebolista e estudante, mas também para lhe “esconder” a dor de ter perdido a mãe, recentemente.
Há situações que são incontornáveis e em que o sofrimento é de impossível disfarce. Mais a dor da morte, por muito que se queira compreender a “passagem” como algo de inevitável e o “chamamento eterno” como condição da sobrevivência espiritual.
No caso do futebol, a equipa ajudou e, durante os treinos e os jogos, o João sentiu-se mais distante das lágrimas rebeldes que lhe inundavam os olhos no lamento da perda.
Até que veio o jogo com o União de Tomar (no dia 14 de Outubro) e, pelo meio de uma jogada mais física e menos técnica, chegou aos ouvidos do João a frase-dor, vinda da bancada, do insulto baixo e indigno que lhe entrou nos ouvidos como um projéctil de morte (“Filho da p…!”), repetida várias vezes, para que ele a ouvisse bem.
O menino-atleta, ainda a aprender a viver, dorido pela angústia da partida de sua mãe, correu para o árbitro e pediu-lhe que fizesse parar o insulto, esperando protecção, chorando a dor magoada da baixeza moral que o atingia e gritando a raiva da ofensa que atingia a memória da sua mãe.
A equipa foi solidária e correu para a bancada a solicitar paz, tentando fazer perceber ao autor do insulto o que se estava a passar.
O pai (treinador do SL e Cartaxo) foi proteger o filho e dar-lhe o consolo da palavra que, na altura, era necessária. Resultado: o árbitro expulsou o João Murteira, mais o capitão da equipa, mais o pai-treinador. E a Associação de Futebol de Santarém, através dos meios jurídicos próprios, castigou o João com três meses de suspensão!…
Resta dizer que o agente da PSP de serviço e o treinador do União de Tomar foram exemplares no seu comportamento, não só tomando conta da ocorrência, como também prestando ajuda moral ao João.
Mas o “futebol” – por decisão do Conselho de Arbitragem da Associação de Futebol de Santarém – puniu a dor do João Murteira. Puniu a memória da sua mãe. Puniu a atitude do pai-formador. E puniu-se a si mesmo, porque decisões como esta têm a cor doentia da imoralidade e da insensatez.
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23/10/2023