A segunda volta no Brasil
Neste lado do Atlântico, escuto com frequência: “Como o Brasil chegou neste ponto?”
Poderia responder de várias formas. Por exemplo: há 522 anos, um certo navegador de Belmonte perdeu-se a caminho das Índias e deparou-se com o Pindorama (como o Brasil era chamado pelos povos originários).
No entanto, apesar de ser necessária uma análise abrangente, que resgate os alicerces fundamentais da construção da sociedade brasileira, voltemos à última década, nomeadamente a junho de 2013. Desde então, é preciso pontuar e avaliar os desdobramentos de alguns eventos.
As Jornadas de Junho1 eram, para muitos, a Primavera Brasileira, nesta oportunidade motivadas inicialmente pelo aumento das passagens dos transportes públicos e pelos gastos com os eventos esportivos (Copa do Mundo e Olimpíada), que levaram milhares de populares às ruas, a reivindicar seus direitos. A proposta de convocar uma Constituinte foi descartada pelo governo. A efusividade das ruas foi taxada pelos meios de comunicação tradicionais como um conjunto de manifestações de baderneiros, e as ruas logo se esvaziaram. Mas a indignação, a rebeldia e o sentimento de ruptura do sistema foram muito bem capitalizadas pela direita – e, pela sua destreza com as novas ferramentas de tecnologia de informação, surge o mediativismo.
Em Outubro de 2014, a presidente Dilma Rousseff reelegeu-se, em uma campanha bastante renhida. A polarização ficou evidente, e o lado perdedor, social-democrata de centro, iniciou sua guinada à direita. O principal opositor, escolhido por quase 49% dos brasileiros e brasileiras, questionou a lisura das eleições. O processo eleitoral credível, com apuração rápida e transparente, reconhecido internacionalmente como referência, é posto em xeque.
Em Agosto de 2016, assiste-se ao golpe de impedimento do segundo mandato de Dilma Rousseff e ao início de uma agenda que não foi escolhida pelo voto popular. O afastamento da presidente em exercício, através do processo de impeachment (ou destituição), deu verossimilidade ao golpe parlamentar, mediático e jurídico. Como disse um velho camarada, “primeiro como tragédia, depois como farsa”. O segundo e terceiro ato do golpe foram as eleições municipais de 2016 e gerais de 2018. O exercício democrático foi conduzido, ou seja, a narrativa golpista foi travestida, e candidaturas ditas anti-sistema, de extrema-direita, saíram dos esgotos e ganharam terreno.
O bolsonarismo é um acidente humanitário, vil, desumano e retrógrado. O lulopetismo busca a redenção, a correção, o diálogo com a base.
Nas eleições, levamos e depositamos nas urnas muitos sentimentos. Aqueles mais passionais, em especial, também somos convidados a rever a esperança. A sociedade brasileira nos deu a oportunidade de refletir novamente sobre “a que ponto chegamos”. Aos indecisos, este pleito ganha ares definitivos de plebiscito: de um lado, a democracia; do outro, o nazi-fascismo miliciano.
A primavera sempre vem, mesmo com intempéries. Pra não dizer que não falei das flores2, deixo cá um pensamento de Rosa Luxemburgo: “Por um mundo onde somos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.” No dia 30 de Outubro, vote!
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1 – As Jornadas de Junho consistiram em diversas mobilizações de massa ocorridas, simultaneamente, em mais de 500 cidades do Brasil, no ano de 2013.
2 – Canção de Geraldo Vandré, considerada um hino de resistência à ditadura militar brasileira.
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Nota do Director:
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17/10/2022