A Ucrânia quer os vossos filhos
Primeiro facto: a Rússia não largou bombas atómicas sobre o Japão.
Segundo facto: a Rússia não largou bombas atómicas sobre o Japão.
Terceiro facto: a Rússia não largou bombas atómicas sobre o Japão.
Porque vivemos um momento de impostura, não é somente necessário como obrigatório repetir dados inquestionáveis para abanar os ocidentais, agarrados a novos dogmas, à amnésia e aos embustes de que só eles não avistam a hipocrisia e a estultice.
Outro facto: a Ucrânia perdeu a guerra – não há como ganhá-la. Pode reivindicar uma aldeia aqui, outra ali, até uma cidade. Porém, o poder armado russo não é contestável por ninguém, a muitos anos de vista, e os próprios norte-americanos sabem-no. E nem chegámos sequer à fase balística ultra-sónica. Esta guerra, convenhamos, serve de laboratório de testagem de armamento dos dois lados e tem projecção num novo ciclo futuro, seja lá o que isso for.
Mais um facto: a fórmula de paz Zelensky é tida com sinais de impaciência em múltiplos sectores do regime norte-americano. Em parte, um pesadelo a descartar, em caso de emergência. Para mais, as provas mais que evidentes de fileiras de neonazis integrados no exército regular ucraniano (as evidências fotográficas e filmadas são indisfarçáveis e não passam apenas por soldados ligados ao Batalhão Azov) constituem embaraço em Washington: o próprio The New York Times abordou já o assunto, com as respectivas pinças. Uma operação cosmética e de branqueamento organizada colectivamente por vários órgãos de comunicação ocidentais tem tentado desconsiderar esta realidade.
Novo facto: vários meios de comunicação da Rússia, apoiando-se em declarações de Vera Vayiman – admitida como membro da missão humanitária e de monitorização da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) na Ucrânia, entre 2019 e 2022 –, denunciam um negócio de transplante de órgãos em laboratórios clandestinos controlados por nacionalistas ucranianos (os Russos terão, presumivelmente, desmantelado oito), com recurso a sacrifício de crianças. Para garantir que nada acontecerá do ponto de vista da investigação, os canais informativos onde os factos podem ser publicados proíbem-nos, são criados simulacros de fact-checking para o efeito, a anular a pretensa veracidade, e tudo terminará numa nuvem de dúvida e boato, à semelhança da sabotagem do gasoduto do Nord Stream, da veracidade ou da encenação de Busha, das simulações e desmentidos da barragem de Nova Kakhovka. O fake banalizou-se de tal modo que a possibilidade de verdade esmorece em fake, embora nada prove que não estejamos, neste caso, senão perante uma manobra de manipulação da opinião pública do lado russo. Mas, e se for verdade?
De Espanha, assomam dois factos: o primeiro prende-se com a compra à Rússia do dobro do gás importado no ano passado. Todavia, a preços incomensuravelmente superiores. O segundo facto, sob a forma de carta peticionária ou manifesto (“Comunicado sobre la paz y el alto fuego en la guerra de Ucrania”), refere-se a militares espanhóis a pedir, aos vários governos dos países que enformam a União Europeia, um fim à guerra e “que paren esta locura”. O primeiro signatário é Pedro Cardona Comellas, capitão-de-fragata da Armada Espanhola, aposentado.
De resto, a loucura prossegue até ao último ucraniano, numa altura em que a Polónia e a Hungria se perfilam para, segundo alguns, capturar território à Ucrânia, na putativa fase de negociações. Sabe-se das pretensões e ambições polacas e da sua reclamação de estatuto de nova potência europeia, em clara concorrência com o Reino Unido. Por isso, Lviv pode dar jeito.
E não se pense que esta loucura evita embaraços maiores. Pelo menos, dois comentadores televisivos portugueses referiram já a possível necessidade de serem enviadas tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para a Ucrânia: “boots on the ground” é a expressão da tribo. A Ucrânia precisa de alimento. E há que ser coerente.
É de uma simplificação tola afirmar-se ser esta uma guerra entre a democracia e a autocracia, como nos querem fazer crer. Nos motivos e nas armas, é necessário não esquecer, estão mais de 800 bases militares norte-americanas espalhadas por todo o Mundo, e uma hegemonia económica de Washington baseada em poder cambial e poder militar, agora com os dias contados.
Ainda não é claro se, daqui a 30 anos, teremos uma pax chinesa. Para já, é praticamente inseparável o afecto adolescente – envergado na t-shirt da Nike – do caixilho chinês que o emoldura.
Mas é tudo uma questão de tempo. Efectivamente, Fukuyama precipitou-se, quando antecipou o fim da História.
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Nota do Director:
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19/06/2023