A Ucrânia quer os vossos filhos

 A Ucrânia quer os vossos filhos

Hiroxima vários meses depois do bombardeamento atómico. (Créditos fotográficos da Força Aérea/Arquivo Nacional – nsarchive.gwu.edu)

Primeiro facto: a Rússia não largou bombas atómicas sobre o Japão.

Segundo facto: a Rússia não largou bombas atómicas sobre o Japão.

Terceiro facto: a Rússia não largou bombas atómicas sobre o Japão.

Porque vivemos um momento de impostura, não é somente necessário como obrigatório repetir dados inquestionáveis para abanar os ocidentais, agarrados a novos dogmas, à amnésia e aos embustes de que só eles não avistam a hipocrisia e a estultice.

Outro facto: a Ucrânia perdeu a guerra – não há como ganhá-la. Pode reivindicar uma aldeia aqui, outra ali, até uma cidade. Porém, o poder armado russo não é contestável por ninguém, a muitos anos de vista, e os próprios norte-americanos sabem-no. E nem chegámos sequer à fase balística ultra-sónica. Esta guerra, convenhamos, serve de laboratório de testagem de armamento dos dois lados e tem projecção num novo ciclo futuro, seja lá o que isso for.

O presidente da Ucrânia (Volodymyr Zelensky) apresentou, na cimeira que reuniu os países mais ricos do Mundo (G20), realizada em Bali, na Indonésia, um plano de 10 pontos para alcançar a paz com a Rússia. (cnnportugal.iol.pt)

Mais um facto: a fórmula de paz Zelensky é tida com sinais de impaciência em múltiplos sectores do regime norte-americano. Em parte, um pesadelo a descartar, em caso de emergência. Para mais, as provas mais que evidentes de fileiras de neonazis integrados no exército regular ucraniano (as evidências fotográficas e filmadas são indisfarçáveis e não passam apenas por soldados ligados ao Batalhão Azov) constituem embaraço em Washington: o próprio The New York Times abordou já o assunto, com as respectivas pinças. Uma operação cosmética e de branqueamento organizada colectivamente por vários órgãos de comunicação ocidentais tem tentado desconsiderar esta realidade.

Novo facto: vários meios de comunicação da Rússia, apoiando-se em declarações de Vera Vayiman – admitida como membro da missão humanitária e de monitorização da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) na Ucrânia, entre 2019 e 2022 –, denunciam um negócio de transplante de órgãos em laboratórios clandestinos controlados por nacionalistas ucranianos (os Russos terão, presumivelmente, desmantelado oito), com recurso a sacrifício de crianças. Para garantir que nada acontecerá do ponto de vista da investigação, os canais informativos onde os factos podem ser publicados proíbem-nos, são criados simulacros de fact-checking para o efeito, a anular a pretensa veracidade, e tudo terminará numa nuvem de dúvida e boato, à semelhança da sabotagem do gasoduto do Nord Stream, da veracidade ou da encenação de Busha, das simulações e desmentidos da barragem de Nova Kakhovka. O fake banalizou-se de tal modo que a possibilidade de verdade esmorece em fake, embora nada prove que não estejamos, neste caso, senão perante uma manobra de manipulação da opinião pública do lado russo. Mas, e se for verdade?

(epe.es)

De Espanha, assomam dois factos: o primeiro prende-se com a compra à Rússia do dobro do gás importado no ano passado. Todavia, a preços incomensuravelmente superiores. O segundo facto, sob a forma de carta peticionária ou manifesto (“Comunicado sobre la paz y el alto fuego en la guerra de Ucrania”), refere-se a militares espanhóis a pedir, aos vários governos dos países que enformam a União Europeia, um fim à guerra e “que paren esta locura”. O primeiro signatário é Pedro Cardona Comellas, capitão-de-fragata da Armada Espanhola, aposentado.

De resto, a loucura prossegue até ao último ucraniano, numa altura em que a Polónia e a Hungria se perfilam para, segundo alguns, capturar território à Ucrânia, na putativa fase de negociações. Sabe-se das pretensões e ambições polacas e da sua reclamação de estatuto de nova potência europeia, em clara concorrência com o Reino Unido. Por isso, Lviv pode dar jeito.

E não se pense que esta loucura evita embaraços maiores. Pelo menos, dois comentadores televisivos portugueses referiram já a possível necessidade de serem enviadas tropas da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) para a Ucrânia: “boots on the ground” é a expressão da tribo. A Ucrânia precisa de alimento. E há que ser coerente.

(Direitos reservados)

É de uma simplificação tola afirmar-se ser esta uma guerra entre a democracia e a autocracia, como nos querem fazer crer. Nos motivos e nas armas, é necessário não esquecer, estão mais de 800 bases militares norte-americanas espalhadas por todo o Mundo, e uma hegemonia económica de Washington baseada em poder cambial e poder militar, agora com os dias contados.

Ainda não é claro se, daqui a 30 anos, teremos uma pax chinesa. Para já, é praticamente inseparável o afecto adolescente – envergado na t-shirt da Nike – do caixilho chinês que o emoldura.

Mas é tudo uma questão de tempo. Efectivamente, Fukuyama precipitou-se, quando antecipou o fim da História.

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Nota do Director:

O jornal sinalAberto, embora assuma a responsabilidade de emitir opinião própria, de acordo com o respectivo Estatuto Editorial, ao pretender também assegurar a possibilidade de expressão e o confronto de diversas correntes de opinião, declina qualquer responsabilidade editorial pelo conteúdo dos seus artigos de autor.

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19/06/2023

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António Jacinto Pascoal

António Jacinto Pascoal (nasceu no ano de 1967, em Coimbra) é mestre em Literaturas e Culturas Africanas de Língua Portuguesa, especializando-se nas obras poéticas de Nicolás Guillén e José Craveirinha. Estreou-se, em 1991, com «Pátria ou Amor» (Prémio da Associação Académica de Coimbra, prefaciado por Agustina Bessa-Luís). Ensaísta, poeta e contista, surge editado em variadíssimas antologias poéticas, é prefaciador de antologias e autores diversos, e traduziu a obra poética da chilena Violeta Parra. Publicou «Os Dias Reunidos» (1998), «A Contratempo» (2000), «Terceiro Livro» (2003), «No Meio do Mundo» (2005), «As Palavras da Tribo» (2005), «Cello Concerto» (2006), «Pátria ou Amor» (2011) e «As Sete Últimas Palavras» (2017), bem como «Mover-se o Fogo» (2018). Poemas seus estão traduzidos em Inglês e em Finlandês. Em 2018, editou o álbum fotográfico «Banda Euterpe de Portalegre – A Visão do Som». O conto «Os Joelhos do meu Pai» foi primeiramente editado na antologia «Contos da Língua Toda» (em 2018).

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