A visão da ciência no Romantismo (ou na Era da Reflexão)
Movido pela leitura do livro “A Era do Deslumbramento – Como a geração romântica descobriu a beleza e o temor da ciência”, de Richard Holmes, fui em demanda do tema, do que dou fé aqui.
O Romantismo ou Era da Reflexão (1800-1840) foi o movimento intelectual que surgiu na Europa Ocidental como contramovimento ao Iluminismo do final do século XVIII, que, afetando a maioria dos aspetos da vida intelectual, incorporou muitos campos de estudo, como a política, as artes e as humanidades, e influenciou grandemente a ciência do século XIX.
Assim, Movimento Romântico, Romantismo e Ciência têm poderosa conexão. Muitos cientistas, influenciados por versões da “Naturphilosophie”, de Johann Gottlieb Fichte, Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling e Georg Wilhelm Friedrich Hegel, sem abandonarem o empirismo, tentaram descobrir o que acreditavam ser uma natureza unificada e orgânica.
O cientista inglês Sir Humphry Davy, pensador romântico, para quem a compreensão da Natureza requeria “atitude de admiração, amor e adoração”, acreditava que o conhecimento só é possível para os que apreciam e respeitam a Natureza. E a autocompreensão, que foi um aspeto importante do Romantismo, tem menos a ver com provar que o homem é capaz de compreender e controlar a Natureza e mais com o apelo emocional a conectar-se com ela e a compreendê-la por meio de uma coexistência harmoniosa. Em contraste com a filosofia natural mecanicista do Iluminismo, os românticos diziam que observar a Natureza requer compreender o ‘eu’ e que o conhecimento da Natureza “não deveria ser obtido à força”. Achando que o Iluminismo encorajara o abuso das ciências, procuraram um novo modo de aumentar o conhecimento científico, que reputavam como benéfico para a humanidade e para a Natureza.
O Romantismo desenvolveu uma série de temas, como o antirreducionismo (o todo mais valioso do que as partes) e o otimismo epistemológico (o homem ligado à Natureza), e estimulou a criatividade, a experiência e o génio. Enfatizou o papel do cientista na descoberta científica, sustentando que adquirir conhecimento da Natureza postula compreender também o homem. Todavia, declinou por volta de 1840, por via do movimento liderado por Auguste Comte, o Positivismo, que tomou conta dos intelectuais e durou até 1880. Como os intelectuais antes se desencantaram do Iluminismo e buscavam nova abordagem da ciência, agora perderam o interesse pelo Romantismo e procuraram estudar a ciência mediante um processo mais rigoroso.
Como o Iluminismo teve forte influência em França, nas últimas décadas do século XVIII, a visão romântica sobre a ciência foi um movimento que floresceu na Grã-Bretanha e na Alemanha, na primeira metade do século XIX, preconizando a autocompreensão cultural e reconhecendo os limites do conhecimento humano através do estudo da Natureza e das capacidades intelectuais do homem. E resultou de uma crescente antipatia de muitos intelectuais pelos princípios promovidos pelo Iluminismo. Alguns achavam que a ênfase dos pensadores iluminados no pensamento racional mediante o raciocínio dedutivo e a matematização da filosofia natural criara uma abordagem da ciência muito fria, que tentava controlar a Natureza, em vez de coexistir com ela.
Segundo os filósofos iluministas, a via para o conhecimento completo requeria a dissecação da informação sobre qualquer assunto e a divisão do conhecimento em subcategorias. Isso fora considerado necessário para se construir sobre o conhecimento dos antigos, como Ptolomeu, e pensadores da Renascença, como Copérnico, Kepler e Galileu. Acreditava-se que o puro poder intelectual do homem era suficiente para entender todos os aspetos da Natureza. Exemplos de estudiosos do Iluminismo são Sir Isaac Newton (física e matemática), Gottfried Leibniz (filosofia e matemática) e Carl Linnaeus (botânico e médico).
O Romantismo tinha quatro princípios básicos: “a unidade original do homem e da natureza na Idade do Ouro; a subsequente separação do homem da natureza e a fragmentação das faculdades humanas; a interpretabilidade da história do universo em termos humanos e espirituais; e a possibilidade da salvação através da contemplação da natureza”.
A Idade de Ouro evoca a mitologia grega e a lenda das Eras do Homem. Os românticos procuram reunir o homem com a Natureza e, portanto, com o seu estado natural, pelo que, na sua ótica, a ciência não deve provocar qualquer divisão entre a Natureza e o homem. Acreditam na capacidade intrínseca da humanidade de compreender a Natureza e os seus fenómenos, algo parecido com os iluminados, mas preferem não dissecar a informação como insaciável sede de conhecimento e não defendem o que veem como a manipulação da Natureza. Veem o Iluminismo como “tentativa fria de extorquir conhecimento da natureza”, pondo o homem acima da Natureza e não como parte harmoniosa dela. E querem “improvisar sobre a natureza como um grande instrumento”. A filosofia da Natureza é dedicada à observação de factos e à cuidadosa experimentação, que é mais uma abordagem “sem mãos” para entender a ciência do que a visão iluminista.
A ciência natural, segundo os românticos, envolve a rejeição das metáforas mecânicas em prol das orgânicas, ou seja, eles veem o mundo como composto de seres vivos com sentimentos, em vez de objetos que só funcionam. Davy diz que a compreensão da Natureza exige “uma atitude de admiração, amor e adoração, pois acredita que o conhecimento só é alcançável pelos que apreciam e respeitam a natureza”. A autocompreensão, um aspeto importante do romantismo, tem menos a ver com provar que o homem era capaz de compreender a Natureza (através do seu intelecto florescente) e, portanto, controlá-la, e mais com o apelo emocional de se conectar com a Natureza e compreendê-la por meio de uma coexistência harmoniosa.
Ao categorizar as muitas disciplinas da ciência que se desenvolvem nesse período, os românticos acreditam que as explicações de vários fenómenos devem ser baseadas em vera causa, sendo que as causas já conhecidas produziriam efeitos semelhantes em outros lugares. É assim que o Romantismo é antirreducionista: não se acredita que as ciências inorgânicas estejam no topo da hierarquia, mas na base, com as ciências da vida próximas e a psicologia ainda mais elevada. Tal hierarquia reflete os ideais românticos da ciência, porque todo o organismo toma mais precedência sobre a matéria inorgânica, e os meandros da mente humana tomam ainda mais precedentes, pois o intelecto humano é sagrado e necessário para compreender a Natureza em torno dela e a reunir.
As disciplinas do estudo da Natureza, na ótica dos românticos, incluem a “Naturphilosophie”, de Schelling, com a conceção romântica de ciência e a visão da filosofia natural; a “cosmologia e cosmogonia” (elogiando as qualidades estéticas do mundo natural e descrevendo a ciência natural em tons religiosos, pois ciência e beleza complementam-se); a “história desenvolvimentista da terra e as suas criaturas”; a “nova ciência da biologia”, iniciada por Jean-Baptiste Lamarck, em 1801, mercê da erosão da filosofia mecânica; as “investigações de estados mentais, conscientes e inconscientes, normais e anormais”; as “disciplinas experimentais de descoberta das forças ocultas da natureza – eletricidade, magnetismo, galvanismo e outras forças vitais” (segundo Goethe, contra Newton, a cor não é um fenómeno físico externo, mas interno ao ser humano); a “fisionomia”; a “frenologia”, a “meteorologia”, a “mineralogia” e a “anatomia filosófica”.
As viagens de Bartram pela Carolina do Norte, Leste e Oeste da Flórida (1791) descrevem a flora, a fauna e as paisagens do sul dos Estados Unidos com uma cadência e energia que se tornaram fonte de inspiração para poetas românticos, como William Wordsworth, Samuel Taylor Coleridge e William Blake. Porém, o trabalho de Darwin, incluindo “Sobre a Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural” (1859), marca o fim da era romântica na ciência e leva ao surgimento do realismo e ao uso da analogia nas artes.
A matemática muda, no século XIX, de prática intuitiva, hierárquica e narrativa, para resolver problemas do mundo real para um problema teórico, em que lógica, rigor e consistência interna são importantes. Surgem campos inesperados, como geometria e estatística não-euclidiana, teoria de grupos, teoria de conjuntos e lógica simbólica. À medida que a disciplina muda, mudam os homens envolvidos nela. E a imagem do trágico génio romântico, da arte, da literatura e da música, pode ser aplicada a matemáticos como Évariste Galois (1811-1832), Niels Henrik Abel (1802-1829) e János Bolyai (1802-1860). O maior dos matemáticos românticos é Carl Friedrich Gauss (1777-1855), que fez enunciados importantes em muitos ramos da matemática.
Davy – enfatizando a descoberta das causas primitivas, simples e limitadas dos fenómenos e das mudanças do mundo físico e os elementos químicos descobertos por Lavoisier – afirmou que não são os componentes individuais, mas os poderes associados a eles, que dão caráter às substâncias.
E a escritora Mary Shelley, no livro “Frankenstein”, transmite importantes aspetos do Romantismo na ciência, pois inclui elementos de antirreducionismo e manipulação da Natureza, assim como os campos científicos da química, da anatomia e da filosofia natural. Shelley enfatiza a responsabilidade da sociedade em relação à ciência e apoia a postura romântica de que a ciência pode facilmente errar, a menos que o homem tome mais cuidado em apreciar a Natureza em vez de a controlar.
Em suma, o Romantismo tem um olhar menos frio sobre a ciência que o racionalismo iluminista e que o excessivo experimentalismo positivista (fora do qual nada mais se divisa).
11/07/2022