Acerca do Dia Mundial da Língua Portuguesa

 Acerca do Dia Mundial da Língua Portuguesa

Neste ano, o Dia Mundial da Língua Portuguesa foi celebrado em mais de 50 países e relevou o Português como uma língua de afetos, de negócios e de ciência. E o primeiro-ministro disse, na sessão solene de 5 de maio, promovida em Lisboa, pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, que o Português é hoje a quinta língua da Internet, não podendo mais ser considerada uma pátria, contrariando a proverbial asserção “Minha pátria é a língua portuguesa”, de Bernardo Soares, o heterónimo prosador de Fernando Pessoa.

Referiu o chefe do Governo: “A Língua Portuguesa, hoje não é possível repetir, no verso (?) de Fernando Pessoa, que a minha pátria é a língua portuguesa, porque a Língua Portuguesa, como se vê pelo conjunto destas bandeiras, é mesmo a Língua de muitas Pátrias.”

(Direitos reservados)

E António Costa, que não descartou António Vieira como o “imperador da língua portuguesa”, segundo Fernando Pessoa, o poeta de “Mensagem”, acrescentou: “A língua é um fator de aproximação entre todos nós, designadamente entre aqueles países da CPLP que não têm como única língua a Língua Portuguesa. Mas é, quer entre nós mas muitas vezes internamente, o maior fator de unidade e de integração de todos.”

A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) decretou o Dia Mundial da Língua Portuguesa em 2019. Nesta terceira celebração, o Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, entre as muitas atividades que promoveu, voltou a publicar gratuitamente o livro “Este Imenso Mar”, com textos de inúmeros autores desta nossa língua e de Camões, Vieira, Camilo, Eça de Queirós, Agustina, Sophia e Torga (Portugal); de Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes, Machado de Assis, Cecília Meireles e Clarice Lispector (Brasil); de Luandino Vieira, José Eduardo Agualusa, Gabriela Antunes e Cremilda de Lima (Angola); de Mia Couto, José Craveirinha, Paulina Chiziane e Noémia de Sousa (Moçambique); de Germano Almeida, Jorge Barbosa, Dina Salústio e Vera Duarte Pina (Cabo Verde); de Agnelo Regala, Hélder Proença, Odete Semedo e Patrícia Godinho Gomes (Guiné-Bissau); de Albertino Bragança, Francisco José Tenreiro, Olinda Beja e Conceição Lima (São Tomé e Príncipe); de Luís Cardoso de Noronha, de Afonso Busa Metan, Francisco Borja da Costa e José Ramos-Horta (Timor Leste); de José dos Santos Ferreira, Leonel Alves, Ana Maria Amaro e Graciete Batalha (Macau).

© UN News – the United Nations

A data de 5 de maio foi oficialmente estabelecida, na cidade da Praia, em Cabo Verde, a 20 de julho de 2009, como Dia da Língua Portuguesa e da Cultura, por resolução da XIV Reunião Ordinária do Conselho de Ministros da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) – uma organização intergovernamental, parceira oficial da UNESCO desde 2000, que reúne os povos que têm a língua portuguesa como um dos fundamentos da sua identidade específica –, para celebrar a língua portuguesa e as culturas lusófonas. E, a 25 de novembro de 2019, na 40.ª sessão da Conferência Geral da UNESCO, foi decidido proclamar o dia 5 de maio de cada ano como Dia Mundial da Língua Portuguesa.

Com efeito, a língua portuguesa é não só uma das línguas mais difundidas no mundo, com mais de 265 milhões de falantes espalhados por todos os continentes, como é a língua mais falada no hemisfério sul. Continua a ser uma das principais línguas de comunicação internacional e uma língua com forte extensão geográfica, destinada a aumentar o número de falantes.  Apresenta forte crescimento, sobretudo em África, e pode quase duplicar os seus atuais 260 milhões de falantes, até ao final do século, de acordo com as projeções demográficas das Nações Unidas, vindo a população africana a constituir a maioria dos falantes de Português. Se, hoje, a nossa língua tem um considerável valor estratégico, geopolítico, económico e cultural, essas projeções permitem prever um futuro auspicioso para o nosso idioma comum, nas próximas gerações. 

A criação da data faz parte de uma estratégia de internacionalização da língua adotada pela CPLP e busca aumentar o interesse pelo idioma também em áreas não lusófonas. 

© up.pt/portuguesuporto

É de recordar que a data não evoca qualquer marco histórico sobre a publicação de algum texto em Português ou em protoportuguês ou sobre qualquer decisão régia atinente à adoção oficial ou oficiosa da língua portuguesa: os considerandos da predita Resolução da CPLP mencionam que “os Ministros da Cultura da CPLP, reunidos na sua IV Reunião, em maio de 2005, decidiram declarar o dia 5 de maio, ‘data da Primeira Reunião dos Ministros da Cultura da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa’, Dia da Cultura da CPLP” – que evoluiu para o que temos hoje.   

Os dias consagrados às línguas faladas em todo o mundo celebram anualmente o multilinguismo e a diversidade cultural, constituindo oportunidade para sensibilizar a comunidade internacional para a história, a cultura e a utilização de cada uma destas línguas. O multilinguismo, um valor central das Nações Unidas e uma área de importância estratégica para a UNESCO, é um fator essencial para a comunicação harmoniosa entre os povos, promovendo a unidade na diversidade, a compreensão internacional, a tolerância e o diálogo.

A UNESCO propôs, no documento de promulgação da data, a realização de “concertos, leitura de obras literárias, palestras, competições, exposições culturais, apresentações culturais e populares, peças teatrais e eventos para dar a conhecer a riqueza cultural e social da Língua Portuguesa e da diversidade cultural dos países e comunidades que falam este idioma, dando a conhecer mais sobre a nossa língua e a sua contribuição para a civilização humana”. Pensando nisto, um grupo de intelectuais, escritores, editores, bibliotecários e educadores, constituiu uma Frente Cultural em apoio ao Dia Mundial da Língua Portuguesa, criando iniciativas como, por exemplo, um painel de vídeos em celebração à data, com depoimentos de várias pessoas sobre a língua portuguesa, incluindo personalidades como Kardo Bestilo e João Fernando André (Angola); António Sampaio da Nóvoa, Ana Filomena Amaral e Alexandre de Sousa (Portugal); Olinda Beja (São Tomé e Príncipe); Mariana Colasanti, Luiz Ruffato, Marco Haurélio, Paulo Markun, Danilo Santos de Miranda e Célio Turino (Brasil), entre outros.

“Um meio privilegiado de difusão da criação cultural entre os povos que falam Português e de projeção internacional dos seus valores culturais, numa perspetiva aberta e universalista”

Porém, aceitar esta política da língua – por esta constituir, “entre os respetivos Povos, um vínculo histórico e um património comum resultantes de uma convivência multissecular que deve ser valorizada”, “um meio privilegiado de difusão da criação cultural entre os povos que falam português e de projeção internacional dos seus valores culturais, numa perspetiva aberta e universalista” e, “no plano mundial, fundamento de uma atuação conjunta cada vez mais significativa e influente” – não significa aderir à campanha de duvidoso mérito de considerar o testamento do Rei Dom Afonso II, de 27 de junho de 1214, como o primeiro escrito em língua portuguesa ou em galego-português, que chegou aos nossos dias através de dois manuscritos, um dos quais fora enviado ao Arcebispo de Braga e atualmente à guarda da Torre do Tombo.

© ISTOÉ Independente / Foto de William F. Campbell

Na verdade, há diversos manuscritos possivelmente mais antigos (a maioria de datação imprecisa) que já evidenciam muitas das caraterísticas do que viria a ser considerada a língua românica diferente do Latim, como o “Pacto dos irmãos Pais” (cerca de 1175), que regista um pacto de não agressão e defesa mútua entre dois irmãos nobres, a “Notícia de Fiadores” (cerca de 1175), que regista os nomes dos fiadores de Paio Soares Romeu e termina com uma curta frase maioritariamente em galego-português: “Istos fiadores atan .v. annos que se partia de isto male que li avem”; e a “Notícia de torto” (cerca de 1214). Há ainda o “Auto de Partilha”, de 1192, um acerto de divisão de terras recebidas por herança, hoje guardado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo.

Ana Maria Martins considera que Notícia de Fiadoresé o mais antigo documento escrito em galego-português que chegou aos nossos dias (note-se que o “Pacto dos irmãos Pais” pode ser anterior), o que José Vicente confirma, mas que é negado por outros investigadores, dado que a presença de elementos do romanice (fase intermédia destas línguas), além de insignificante e minoritária, não permite individualizar o texto como escrito em galego-português.

Não obstante, alegam os defensores do Testamento de Dom Afonso II que o seu caráter régio e o facto de ter datação indiscutível e de ser, indiscutivelmente, escrito em língua diferente do Latim o tornam um ponto de referência de maior importância para a datação da língua. Assim, no ano de 2014, juntamente com o oitavo século do documento, foi comemorado o aniversário da língua portuguesa, celebração envolta em controvérsia, compreensível, considerando que era uma variante do galego-português e que só em 1536, com a publicação da “Grammatica da lingoagem portuguesa”, de Fernão de Oliveira, o idioma entrou na sua fase madura ou moderna.

E o primeiro texto literário escrito em Português (galego-português) é da autoria de João Soares de Paiva, “Ora faz ost’o senhor de Navarra”, escrito provavelmente em 1196 (nunca depois). Trata-se de um cantar trovadoresco, uma sátira política dirigida contra Sancho de Navarra. Porém, tem-se apresentado como o primeiro texto literário em Português (galego-português) a “Cantiga da Ribeirinha”, cantiga de amor, escrita por Paio Soares de Taveirós para a sua amada Maria Ribeira, como refere Benilde Cianato, professora de Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo, mas há dúvidas se foi escrita em 1189 ou em 1198.

Quanto a textos, estamos mais ou menos conversados, sabendo que a investigação continua por parte de muitos estudiosos portugueses, galegos e brasileiros. Mas não podemos esquecer que a língua se inscreve na lei da vida: começa por ser falada e cantarolada e, só mais tarde, passa à escrita. Por isso, é impossível determinar a origem precisa do seu nascimento, como a da sua emancipação. Não há datações para a Língua. Neste sentido, é de realçar a contemporalidade aproximada entre a existência de textos literários e de textos não literários, na fase do galego-português, sendo que os literários são em poesia cantável e acompanhada com instrumentos musicais. Com efeito, a prosa literária e a poesia para declamar surgem em estádio mais tardio. 

A Língua Portuguesa, como as outras línguas românicas, originou-se do Latim vulgar e os textos em referência são escritos em galego-português. À época, a Galícia ou Galiza, região próxima de Portugal, era um centro irradiador de cultura, sobretudo por via de Compostela, Dume e Braga. Por isso o idioma sofreu influência do galego.

Dom Dinis instituiu a Língua Portuguesa como língua oficial da corte e determinou, em 1296, que os documentos oficiais fossem exclusivamente redigidos em Português, não em Latim, nem em romanice

Portugal torna-se independente no século XII, mas até 1350 são muito pequenas as diferenças entre o Galego e o Português, pelo que esse período é denominado de galego-português ou galaico-português. Assim, é temerário esperar pelo seculo XVI para falar do Português: o processo da língua é evolutivo desde o Latim, passando pelo romance – fase das línguas que já não eram Latim, mas inda não eram consideráveis línguas novas: era o falar romanice (romance) ou à moda de Roma, sendo nesse registo que eram faladas/cantadas as narrativas em verso – e pela lenta emancipação com influência dos dialetos do Sul do país, da Provença, da estrutura eclesiástica, dos linguajares bárbaros e do mundo árabe, até à fase madura em que o regresso aos valores clássicos do Grego e do Latim (registos literários, filosóficos, artísticos e científicos dessa línguas), que torna a língua portuguesa autónoma, mas com contributos dos povos da vizinha Espanha, da França, da Itália, da Alemanha e da Grã-Bretanha, sem que a Galiza se desligue de todo da evolução do nosso idioma, como ainda hoje se verifica. Entretanto, brilham (no aspeto literário) Gil Vicente, Fernão Lopes, Camões, António Ferreira e Francisco Sá de Miranda, até que, no século XVII, com António Vieira e Manuel Bernardes, a prosa se tornou musculada, florescente e madura.

D. Dinis, ele próprio poeta, deu grande impulso à cultura. (Direitos reservados)

Portanto, do meu ponto de vista, a inauguração da Língua Portuguesa passa por um ato político. E esse é de Dom Dinis, que instituiu a Língua Portuguesa como língua oficial da corte e determinou, em 1296, que os documentos oficiais fossem exclusivamente redigidos em Português, não em Latim, nem em romanice. Ele próprio poeta deu grande impulso à cultura, fundou em Lisboa, em 1290, o Estudo Geral (Universidade) em que foram desde logo ensinadas as Artes, o Direito Civil, o Direito Canónico e a Medicina e mandou traduzir importantes obras, tendo sido a sua Corte um dos maiores centros literários da Península Ibérica.

D. Duarte I. Leal conseelheiro, Livro da enssynança de bem cavalgar toda sela. Manuscrito; 1401. Facsímile digital, Bibliothèque nationale de France. Fl. 3r.

12/05/2022

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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