Agraciada com o Prémio Camões 2021 recebida em Belém

 Agraciada com o Prémio Camões 2021 recebida em Belém

Créditos: © Rui Ochoa / Presidência da República

Regista a página web da Presidência da República que, no dia 16 do corrente mês de maio, “o Presidente da República recebeu em Belém a escritora moçambicana Paulina Chiziane, congratulando-a, agora pessoalmente, pela atribuição do Prémio Camões e inteirando-se do intenso programa de encontros com os seus leitores em Portugal”.

A escritora moçambicana nasceu em Manjacaze, Gaza (Moçambique), numa família protestante em que se falavam as línguas Chope e Ronga, mas cresceu nos subúrbios da cidade de Maputo, antes denominada Lourenço Marques. Agora, vive e trabalha na Zambézia.

Aprendeu a Língua Portuguesa na escola de uma missão católica. Começou a estudar Linguística na Universidade Eduardo Mondlane, mas não concluiu o curso.

Aprendeu a arte da militância na Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), organização em que militou ativamente durante a juventude, o que a levou a participar na cena política de Moçambique. Acabou por deixar de se envolver na política partidária para se entregar à escrita e à publicação das suas obras. Porém, umas das razões da sua opção foi o desengano com as diretivas políticas da Frelimo no período de pós-independência, mormente em termos de políticas filo-ocidentais (ou seja, que procuram os modelos ocidentais) e ambivalências ideológicas internas, quer no atinente às políticas de monogamia e de poligamia, quer pelas posições de economia política marxista-leninista, e pelo que Paulina Chiziane via como hipocrisia em relação à liberdade económica da mulher.

7 de Abril: Dia da Mulher Moçambicana. (© BigSlam)

Foi a primeira mulher a publicar um romance em Moçambique. E, a este respeito, aludindo à temática do género, um dos fios condutores da sua obra, referiu que, quando começou a escrever, “ninguém acreditava” naquilo que ela fazia “porque eram escritos de mulher”. Todavia, iniciou a atividade literária em 1984, com contos publicados na imprensa moçambicana. As suas escritas têm gerado discussões polémicas sobre assuntos sociais, tal como a prática de poligamia no país.

Com o seu primeiro livro, Balada de Amor ao Vento (1990), discute a poligamia no sul de Moçambique durante o período colonial. Mercê da sua participação ativa nas políticas da Frelimo, a narrativa reflete o mal-estar social de um país devastado pela guerra de libertação e pelos conflitos civis que aconteceram após a independência.

Entre as suas obras, sem falar já nos sobreditos contos, destacam-se, no romance: Balada de Amor ao Vento (Moçambique, 1990; Lisboa, 2003), Ventos do Apocalipse (Maputo, 1993; Lisboa, 1999), O Sétimo Juramento (Lisboa, 2000), Niketche: Uma História de Poligamia (Lisboa, 2002; São Paulo, 2004 – o seu único livro publicado no Brasil; Maputo, 2009), As Andorinhas (Maputo, 2009), O Alegre Canto da Perdiz (Lisboa, 2008), Na mão de Deus (2013), Por Quem Vibram os Tambores do Além (2013, co-autoria com Rasta Pita), Ngoma Yethu: O curandeiro e o Novo Testamento (2015) e O Canto dos Escravizados (2017).

Entre outras obras, sobressai Eu, mulher… por uma nova visão do mundo (testemunho em 1992 e publicado em 1994). O romance Niketche: Uma História de Poligamia ganhou o Prémio José Craveirinha, em 2003.

A escritora foi agraciada, em 2014, pelo Estado português, pela mão do então Presidente da República, Cavaco Silva, com o grau de Grande Oficial da Ordem do Infante Dom Henrique.

Em 2016, anunciou abandonar a escrita por estar cansada das lutas travadas ao longo da sua carreira, mas, em 2021, tornou-se a primeira mulher africana a ser distinguida com o Prémio Camões, a mais prestigiosa honraria conferida a escritores lusófonos, patrocinada pelos governos do Brasil e de Portugal, tendo declarado sobre o inédito reconhecimento: “Não contava com isso. Recebi a notícia e disse: ‘Meu Deus! Eu já não contava com essas coisas bonitas!’. É muito bom. Esse prémio é resultado de muita luta. Não foi fácil começar a publicar sendo mulher e negra. Depois de tantas lutas, quando achei que já estava tudo acabado, vem esse prémio. O que eu posso dizer? É uma grande alegria.”

É de recordar que, segundo a nota informativa então divulgada, “o júri decidiu por unanimidade atribuir o Prémio à escritora moçambicana Paulina Chiziane, destacando a sua vasta produção e receção crítica, bem como o reconhecimento académico e institucional da sua obra”. E o júri também referiu a importância que a escritora dedica, nos seus livros, aos problemas da mulher moçambicana e africana, tal como sublinhou o seu trabalho recente de aproximação aos jovens, nomeadamente na construção de pontes entre a literatura e outras artes. Na verdade, como conclui a nota, Paulina Chiziane “está traduzida em muitos países e é hoje uma das vozes da ficção africana mais conhecidas internacionalmente, tendo já recebido vários prémios e condecorações”.

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É consensual que a escrita de Chiziane constitui uma lupa sobre a História e os traumas da Moçambique. Quando, em 1990, publicou o primeiro livro em Moçambique – Balada de Amor ao Vento –, tornou-se a primeira mulher com um romance publicado no país. Desde então, foi-lhe atribuído o título de primeira romancista de Moçambique, embora prefira não ser tratada como romancista. Aliás, antes desta obra, já se dedicara ao conto (com publicações em jornais e em revistas do país), que foi o primeiro género literário que explorou.

Créditos: Folha – UOL

A sua obra evidencia um olhar pormenorizado sobre os problemas da mulher africana e da mulher moçambicana, mas não só, pois toda a cultura, os hábitos e o passado do continente e daquele país são vistos e pensados criticamente. Os traumas históricos (como a guerra civil moçambicana, o colonialismo e o racismo), as práticas culturais (como o curandeirismo e o sistema poligâmico) e o tratamento dado à mulher em Moçambique e em África acabam por infiltrar-se tematicamente nos seus livros, como lembrava em entrevista dada pela escritora em 2014 (publicada na plataforma online Buala).

Chiziane falava do colonialismo português (“há um medo terrível dos portugueses, a repressão colonial foi muito dura”), das marcas profundas deixadas por essa experiência colonial em África e em Moçambique, das tradições seculares e culturais, do seu percurso de vida, da cultura moçambicana e do como como esta não se libertou das convenções e das construções alheias, nomeadamente das dos colonizadores.

É de frisar que Paulina Chiziane dedicou o Prémio Camões 2021 às mulheres. Efetivamente, como disse à Lusa depois de receber a distinção, o Prémio Camões 2021 serve para valorizar o papel das mulheres numa altura em que o seu trabalho ainda é subvalorizado, quando “afinal a mulher tem uma alma grande e tem uma grande mensagem para dar ao mundo”, servindo este prémio “para despertar as mulheres e fazê-las sentir o poder que têm por dentro”.

Confessou-se confusa com a notícia do prémio, pois nem se lembrava de que “o Prémio Camões existia”, porque os confinamentos provocados pela covid-19 a deixaram “bem fechada em casa, desligada de tudo”. Não obstante, considerou que o prémio surgiu como surpresa bem-vinda: “Uma surpresa muito boa para mim, para o meu povo, para a minha gente” que escreve, em África, “o português, aprendido de Portugal” – disse “emocionada”, pois sempre achou que o seu português “não merecia tão alto patamar”.

O seu último trabalho foi A voz do cárcere, escrito em conjunto com Dionísio Bahule e lançado em 2021, em Maputo, depois de ambos entrarem nas prisões e de ouvirem os reclusos – ela a escutar as mulheres; ele, os homens.

E, sobre o futuro, diz que “há tantas ideias”, ideias que “nem sempre o corpo consegue realizar”, mas o prémio poderá ser um motor para ela se sentir um pouco mais de pé, porque, às vezes, fica “cansada”. Enfim, como espera, o Prémio Camões pode ser “um alento novo”, um símbolo de que a sua caminhada “valeu a pena” e de que “é preciso continuar a lutar”.

Audiência à escritora moçambicana Paulina Chiziane, vencedora do Prémio Camões 2021. (Créditos: © Rui Ochoa / Presidência da República)

Oxalá o seu intenso programa de encontros com os seus leitores em Portugal se revista do sucesso que merece; e as causas que defende tenham o merecido impacto na opinião pública!

26/05/2022

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Nota da Redacção:

O livro Niketche: Uma História de Poligamia, da autoria da escritora moçambicana Paulina Chiziane, foi tema de reflexão e de conversa entre as académicas Eliane Gonçalves (brasileira) e Marie Claire de Mattia (italiana e doutoranda na Universidade de Coimbra), no âmbito da iniciativa “Diálogos Atlânticos” – numa parceria entre o jornal sinalAberto e o Gabinete Português de Leitura da Bahia –, tendo também participado nessa sessão Osvaldo Silvestre (da Universidade de Coimbra) e Sandro Ornelas (da Universidade Federal da Bahia – UFBA): https://youtu.be/gNYAFcXW7SU

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Louro Carvalho

É natural de Pendilhe, no concelho de Vila Nova de Paiva, e vive em Santa Maria da Feira. Estudou no Seminário de Resende, no Seminário Maior de Lamego e na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Foi pároco, durante mais de 21 anos, em várias freguesias do concelho de Sernancelhe e foi professor de Português em diversas escolas, tendo terminado a carreira docente na Escola Secundária de Santa Maria da Feira.

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