Ajustando contas

 Ajustando contas

Créditos: Pixabay

(*)

Vivemos um tempo de traiçoeiros ajustes de contas e a desinformação instalada gera ambientes favoráveis a que tais indignidades pareçam virtudes. Uma desinformação, muitas vezes, consolidada pela falta de pequenos procedimentos que parecem pouco importantes mas que potenciam a mentira.

Quem e quando escreveu (ou disse) isso? Esta simples pergunta, este procedimento deve ser quase automático na hora de consumir informação cuja autoria e data da notícia estão omissas. Muitos de nós fomos já aliciados para a leitura de notícias que julgávamos ser novidade, quando eram apenas repetições de notícias ou de mentiras, de há anos, apresentadas como se fossem do dia.

Créditos: Pixabay

Este tempo de disseminação desinformativa é propício ao aparecimento, sobretudo nas mais modernas plataformas digitais de comunicação, de uma espécie de novo-riquismo intelectual que se afirma no sistemático achincalhamento e humilhação dos outros, comportamentos típicos em ajustes de contas.

Quando as liberdades políticas não são acompanhadas de vantagens sociais para todos, as consciências social e cívica tardam a consolidar-se. Isto agrava-se quando até os modelos universitários de formação privilegiam fornadas de licenciados que são uma espécie de proletariado intelectual, semi-analfabeto, tanto no aspecto técnico e cultural como no aspecto social, sacrificados às necessidades de especialização dos mercados. Este é, aliás, o modelo dos cursos superiores em vigor, no chamado acordo europeu de Bolonha, menos humanista e menos “literaturalizado” do que o anterior.

São cursos desenhados, recorde-se, mais em função das necessidades dos mercados na chamada modernidade da livre-troca e da moeda única do que em função das necessidades dos Estados-providência, sempre denegridos pelos populismos que inebriam as grandes massas, integrando o ambiente dos universos onde pulula a desinformação. 

Créditos: Kellepics (Stefen Keller)/Pixabay

A desinformação é ainda mais acentuada em momentos muito difíceis como os que a pandemia da covid-19 ou a presente guerra na Europa nos fazem vivenciar. Tal desinformação é, frequentemente, alimentada de pequenas e de quase cirúrgicas inexactidões – às vezes, só insinuadas –, o que basta para alimentar este monstro que nos divide e que nos empurra para os braços de pequenas seitas úteis na disseminação das mentiras e dos ódios que lhes estão associados.  

………………….

(*) Artigo no âmbito do programa “Cultura, Ciência e Tecnologia na Imprensa”, promovido pela Associação Portuguesa de Imprensa.

09/05/2022

Siga-nos:
fb-share-icon

Júlio Roldão

É jornalista desde 1977. Nasceu no Porto, em 1953, e estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC) e pelo Círculo de Artes Plásticas (CAPC), tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.

Outros artigos

Share
Instagram