Animais errantes
Senhores doutores juízes,
Não tenho por hábito envolver-me nestas coisas e não quero parecer intrometido. Por norma, estou preocupado em demonstrar amor incondicional, jogar à bola ou passear. É assim que ocupo o meu tempo, mas os últimos dias têm-me feito refletir sobre a forma como se fala dos animais.
Vou deixar para outra altura o debate sobre os ditados populares com referências a animais. Bem sei que é útil para criar recursos expressivos que podem ajudar ao esclarecimento daquilo que se pretende transmitir, embora, do meu ponto de vista, alguns sejam bastante assustadores. Mas o que me leva a escrever-vos não é isto.
O que me motiva para esta reflexão é o seguinte: os humanos chamam aos animais domésticos “animais de companhia” ou “de estimação”. Três formas diferentes de se referirem aos mesmos seres, pressupondo acompanhamento, companheirismo e apreço.
Mas, se um humano maltratar um animal e o abandonar, o animal abandonado é que ganha o estatuto de animal errante. Pois, eu também me senti como alguns humanos, ao olhar para a lei dos maus-tratos a animais, quando me debrucei sobre isto.
Não percebo nada de leis, até porque tendem a usar palavras que, muitas vezes, nos obrigam a percorrer enredos complexos. Mas, não me levem a mal, há temas que, de tão óbvios, merecem a nossa melhor atenção. Se os animais servem para fazer companhia, porque é que maltratá-los deveria ser ignorado pela Constituição? Até eu, que tenho quatro patas, entendo que é perverso.
Atenciosamente,
Óscar
P.S.: Sim, é verdade que os meus humanos foram capazes de me dar nome de gente. Perante os últimos acontecimentos, também me parece que não merecia isto. Que vida de cão!
23/01/2023