Animais que falam e escrevem

 Animais que falam e escrevem

Dino D’Santiago (asemana.publ.cv)

Eu sei que isto das letras está subvalorizado há alguns anos, mas, se pensarmos bem, nem o teorema de Pitágoras seria capaz de se explicar a si mesmo, se não fossem as palavras. Elas expressam sempre a vontade de dizer alguma coisa. São como os comentadores online: têm sempre alguma coisa a dizer.

A semana passada, Dino D’Santiago lançou um desafio: mudar o hino nacional. Não tardou até que algumas caixas de comentários se enchessem de ordens para que o cantor voltasse para a sua terra. É percetível: somos o único animal que fala e escreve.

Se, por um lado, acreditamos que é possível criar uma letra que apele a uma emancipação mental, espiritual, com amor, em vez de territorial; por outro, estamos preocupados com a memória do esplendor português: não podemos alterar o passado.

(© CNN Portugal)

Não podia estar mais de acordo com ambos. Não celebro o Dia de Portugal, não canto o hino nacional e dispenso que me perguntem sobre Fátima ou sobre futebol. Acerca do fado ainda me sinto capaz de dar algumas recomendações.

Embora não possamos mudar o que aconteceu, podemos repensar o futuro. Ninguém se esquece que a Ponte 25 de Abril já foi nomeada de Ponte Salazar. Há quem especule que os canhões sobre os quais marchamos n’A Portuguesa foram, outrora, bretões, porque estávamos indignados com o Ultimato sobre um mapa que, apesar do nome, nada tinha de cor-de-rosa. Para não nos esquecermos do que aconteceu, existem arquivos históricos.

As palavras podem ferir ou apaziguar. Apesar das brumas da memória, podemos – e merecemos – dar ao esplendor um novo significado, materializando a mensagem de um Portugal que pretendemos ver mudado.

Voltar implica regressar. Ordenar que Dino volte à sua terra implica que regresse ao lugar de onde, por sinal, nunca saiu. Concluo que não queremos que saia daqui, deste país que tanto precisa que regressemos ao passado para pensar num futuro melhor, num Mundu Nôbu.

16/01/2023

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Inês Antunes

Nota biográfica em nome próprio: Nasci em 1990, tenho sardas e passei grande parte da minha adolescência a ler Saramago e a ouvir Pink Floyd. Estudei Jornalismo, Comunicação e Marketing Digital. Nunca quis ter apenas uma profissão, mas sempre soube que queria escrever. E tirar fotografias. E ter uma banda.

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