Antiga foz do Tejo
Um admirável testemunho da página da história geológica no município sesimbrense encontra-se na região de Porto do Concelho, à beira da Estrada Nacional 378, de Lisboa para Sesimbra (ao Km 12,18), do lado direito de quem se dirige para esta vila. Aqui, um afloramento de um paraconglomerado1, com calhaus rolados de granito, sienito e outras rochas características da serra de Sintra, bem como de basalto e de sílex da região de Lisboa, é prova irrefutável de transporte directo, para aqui, de calhaus oriundos do lado norte do chamado Gargalo do Tejo. Prova, igualmente, que a actual foz do maior e o mais importante rio de Portugal se situava algures, num largo corredor entre Almada e a linha de alturas Espichel-Arrábida, em terrenos cuja idade se estima entre um e dois milhões de anos. Prova ainda que o Gargalo do Tejo corresponde a uma abertura ao mar geologicamente muito recente, relacionada com um sistema de falhas de orientação sensivelmente Este-Oeste.
Lembro que, já em 1998, tinha proposto à Câmara Municipal de Sesimbra a classificação deste sítio como “Imóvel de Interesse Local”, tendo sugerido outro tanto relativamente à Gesseira de Santana. Os anos foram passando e este importante geossítio não foi alvo de qualquer intervenção que o proteja, o valorize e o coloque à fruição por parte do público.
Face a esta inoperância, solicitei ao arquitecto Mário Moutinho, numa visita que fizemos ao local, a elaboração do necessário projecto de musealização, projecto que, em nome do Museu Nacional de História Natural – era eu, então, o seu director –, entreguei, simultaneamente, à autarquia e ao Parque Natural da Arrábida, em 2003. Este projecto mereceu dos responsáveis o melhor acolhimento, mas tudo ficou por aí. Morreu à nascença.
De fácil acesso, dispondo de espaço para estacionamento e manobras de autocarros este geossítio reúne óptimas condições de musealização, com a particularidade de poder ser concretizado pelos próprios serviços camarários com um mínimo de custos. Só pura negligência decorrente de uma lamentável iliteracia geológica, características dos Portugueses, justifica a não concretização deste e de muitos outros projectos afins.
Numa época em que os parques geológicos e a musealização de geossítios surgem por toda a Europa e em que o geoturismo cresce de ano para ano, não se entende, como este concelho, riquíssimo neste tipo de património natural, continue a ignorar esta mais-valia e a desperdiçar toda a colaboração que, nesses anos (e foram muitos), lhe ofereci, sempre graciosamente (pro bono), acentue-se, e continuo a oferecer.
Entre a Lagoa de Albufeira e a serra da Arrábida, duas pérolas paisagísticas, recheadas de ensinamentos sobre a nossa história mais antiga, são muitos os geossítios a integrar num itinerário onde o turismo de Natureza vai de mãos dadas com o que procura o património construído, o gastronómico, o etnográfico, ou, simplesmente, o sol e a praia.
Nota:
1 – Paraconglomerado é, por assim dizer, um conglomerado que tem mais matriz do que calhaus. Neste caso, a matriz é um arenito argiloso.
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16/11/2023